Em mais um tópico da coluna ‘Drops de Genômica’, o oncologista André Murad (foto) discute os efeitos imunossupressores do oncometabólito D-2HG em tumores com mutação de IDH. Confira.
Por André Marcio Murad*
Os genes IDH (isocitrato desidrogenase) são responsáveis pela produção de enzimas essenciais para que as células produzam energia. IDH1 e IDH2 são isoenzimas homodiméricas envolvidas em uma das principais vias de geração de NADPH celular por meio da descarboxilação oxidativa de isocitrato a α-cetoglutarato.
A IDH1 é encontrada no citosol e nos peroxissomos, enquanto a IDH2 é uma enzima mitocondrial. Embora mutações nesses genes sejam encontradas em menos de 4% dos cânceres, elas são muito comuns em alguns tumores primários do sistema nervoso central, incluindo uma das formas mais letais, o glioblastoma. Elas também são detectadas com frequência na leucemia mieloide aguda.
Os tumores IDH-mutados são, via de regra, imunologicamente quiescentes, o que pode estar relacionado à produção de d-2-hidroxiglutarato (D-2HG) por esses tumores. O D-2HG é um oncometabólito imunossupressor que atua direta e indiretamente para “amortecer” as respostas citotóxicas das células T. Esse oncometabólito é produzido apenas por células com mutações nos genes IDH, em especial os genes IDH1 e IDH2.
O D-2HG já era considerado como um oncometabólito com base em estudos preliminares que sugeriam que as células tumorais IDH-mutantes produzem uma superabundância do mesmo. Por sua vez, esses níveis elevados de D-2HG produzem alterações epigenéticas no DNA – ou seja, que alteram a função dos genes sem modificar sua sequência nucleotídica.
Estudos mais recentes comprovaram inequivocamente que em tumores que apresentam mutações de IDH, o oncometabólito D-2HG é liberado em grandes quantidades no microambiente tumoral e atua como um tipo de campo de força que neutraliza as células imunológicas próximas às células tumorais. Nesse processo, o D-2HG é prontamente absorvido pelos linfócitos T e, uma vez no interior destas células, interrompe a capacidade das mesmas de exercer seu efeito citotóxico tumoral (necroptose). Tal mecanismo parecer estar ligado principalmente ao bloqueio pelo D-2HG da enzima LDH (desidrogenase lática), que por sua vez desempenha um papel fundamental no incremento do metabolismo das células T.
Perspectivas futuras: religando o metabolismo das células T
Parece lógico que o próximo passo é explorar o bloqueio da atividade do D-2HG através, por exemplo, das drogas-alvo inibidoras de IDH, como o ivosidenibe e o enasidenibe. Tal estratégia, além de propiciar um efeito antitumoral direto pelo bloqueio da via da isocitrato desidrogenase, poderia reativar o microambiente tumoral, além de tornar estes tumores mais sensíveis à uma estratégia imunoterápica, como os inibidores de checkpoint.
*André Murad é diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), diretor clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada, professor adjunto coordenador da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, e oncologista e oncogeneticista da CETTRO Oncologia (DF)