Onconews - Entendendo o diabody, um anticorpo dimérico biespecífico

Murad 2019 bxEm mais um tópico da coluna ‘Drops de Genômica’, o oncologista André Murad (foto) explica o que é o diabody, ou diacorpo, um tipo de anticorpo inespecífico, e suas potenciais aplicações em oncologia. Confira.

Por André Marcio Murad*

Os anticorpos produzidos pelo corpo humano são proteínas em forma de Y com dois “braços” que se ligam ao mesmo alvo.  Mais recentemente, pesquisadores desenvolveram anticorpos "biespecíficos" que se ligam a um alvo diferente em cada um dos dois braços.

O diabody, ou diacorpo, é um tipo de anticorpo inespecífico e consiste em um dímero não covalente do fragmento Fv de cadeia simples (scFv) das regiões variáveis de cadeia pesada (VH) e de cadeia leve (VL), ambas conectadas por um pequeno ligante peptídico.

Anticorpos biespecíficos apresentam-se em diferentes configurações. Seis tipos diferentes têm sido testados em laboratório, mas o de formato diacorpo de cadeia única é o que funcionou de forma mais consistente. Os diacorpos de cadeia única se parecem com as pontas de dois anticorpos diferentes fundidos ponta a ponta.

Potenciais aplicações em oncologia

Diacorpos de cadeia única se agarram a fragmentos de proteínas das mutações mais comuns dos oncogenes TP53 e RAS com uma extremidade e células imunes com a outra. Em experimentos de laboratório, os diacorpos específicos das proteínas p53 e RAS se ligam aos seus respectivos alvos de neoantígenos, mas não a fragmentos de proteínas p53 e RAS normais ou de outras proteínas intimamente relacionadas, o que pode conferir maior especificidade e segurança nesse processo de inativação destas proteínas diretamente envolvidas nos processos de carcinogênese e proliferação tumoral. Em modelos pré-clínicos, diacorpos de cadeia única direcionaram as células imunes para eliminar vários tipos diferentes de células tumorais que abrigam mutações TP53 ou RAS, incluindo câncer de ovário, câncer de pâncreas e leucemias.

Mutações nos genes TP53 e RAS promovem o crescimento tumoral e são bastante comuns no câncer, sendo encontradas em cerca de 50% e 30% de todos os tumores, respectivamente. Mas as proteínas feitas por esses genes mutantes têm sido difíceis de se atingir farmacologicamente, daí a necessidade de novos modelos terapêuticos que visem à reversão da atividade das proteínas geradas por estes genes, alvos terapêuticos de extrema relevância em oncologia.

É especialmente desafiador atingir formas mutantes de p53 porque geralmente são proteínas inativas, e a maioria dos medicamentos contra o câncer funciona desligando proteínas hiperativas. Genes como o TP53, que controlam o crescimento celular e se tornam inativos quando mutados, são chamados de genes supressores de tumor. Em vez de bloquear ou restaurar a atividade das proteínas mutantes, os anticorpos recém-projetados usam pedaços das proteínas mutantes como alvos, tornando mais fácil para as células imunológicas encontrar e atacar as células tumorais.

 drops diabody bx

Os diacorpos (fitas amarelas e rosa) agem como uma ponte, agarrando as células imunológicas (roxo e azul) com uma extremidade, e as células cancerígenas (verde e rosa) com a outra.


Crédito: Emily Wu, Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins

*André Murad é diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), diretor clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada, professor adjunto coordenador da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, e oncologista e oncogeneticista da CETTRO Oncologia (DF)