Quais as novidades no tratamento do câncer de mama HER2 positivo, principalmente na doença metastática, e que impacto isso tem na hora de definir a melhor sequência terapêutica? Resultados apresentados no ASCO 2021 reforçam evidências e ajudam a amparar as decisões de tratamento.
Diferentes estratégias têm se concentrado em inibir a via de sinalização HER2 de forma mais eficaz, em um arsenal que inclui anticorpos anti-HER2, inibidores de tirosina-quinase e uma nova geração de conjugados anticorpo-droga. Combinações com inibidores de checkpoint imune, inibidores de CDK4 / 6 e inibidores de PI3K / AKT / mTOR também estão sendo avaliadas, com a promessa de expandir as opções terapêuticas.
Além da própria classificação da doença HER2+, agora revista com o conceito de HER2-low, abordagens consagradas no cenário metastático também começam a receber novo olhar. Estudo de Fase III (SYSUCC-002)1 realizado por pesquisadores chineses mostrou a não-inferioridade da terapia endócrina em relação à quimioterapia no tratamento de pacientes com câncer de mama HER 2+ com receptor hormonal positivo (RH+). O estudo incluiu 392 pacientes, randomizados para receber trastuzumabe mais terapia endócrina (moduladores do receptor de estrogênio ou inibidores da aromatase; n = 196) ou trastuzumabe mais quimioterapia (taxanos, capecitabina ou vinorelbina; n = 196).
Os resultados mostram que não houve diferença entre os dois braços de análise em relação à sobrevida livre de progressão (SLP, HR 0,88 (95% CI, 0,71-1,09; P =0,250). No entanto, a SLP favoreceu a quimioterapia (HR 1,39) em pacientes com intervalo livre de doença < 24 meses e favoreceu a terapia endócrina (HR, 0,77) em pacientes com intervalo livre de doença > 24 meses (P =0,016). Não houve diferença entre os dois grupos em relação à sobrevida global (SG, HR, 0,82; 95% CI, 0,65-1,04; P =0,090).
O perfil de toxicidade foi significativamente menor com a terapia endócrina. A ocorrência de náusea grau 1/2, por exemplo, foi de 12,2% no braço de terapia endócrina e de 44,9% entre os que receberam quimioterapia; a leucopenia foi de 0,5% no grupo de terapia endócrina e de 15,8% no braço de quimioterapia.
HER2-low
As atuais diretrizes de tratamento classificam o câncer de mama como HER2-positivo ou HER2-negativo. Mas tumores com baixa expressão de HER2, os chamados HER2-low, mostram que há muito a aprender desde as primeiras lições de Slamon e colegas2. Um dos exemplos mais emblemáticos vem da atividade do conjugado anticorpo-droga (ADC) trastuzumabe-deruxtecan (Enhertu®), que mostrou benefício em pacientes com tumores HER2 que testam IHC 1+ ou 2+ e FISH-.
" A gente tem agora a nova categoria HER2-low, com pacientes que podem ser reclassificadas e se beneficiar de novas terapias |
Em 2019, trastuzumab-deruxtecan (T-DXd) obteve aprovação acelerada da agência Food and Drug Administration (FDA), em decisão baseada nos resultados do ensaio clínico de fase II DESTINY-Breast01 (NCT03248492)3. Este estudo multicêntrico de braço único avaliou a eficácia de T-DXd em 184 pacientes com câncer de mama HER 2 previamente expostos a ≥ 2 linhas de tratamento. Em um seguimento mediano de 11,1 meses, o novo agente mostrou sobrevida livre de progressão mediana (mSLP) de 16,4 meses. A taxa de resposta objetiva (ORR), principal endpoint do estudo, alcançou 60,3% nessa população politratada, mais de 90% com doença visceral. Atualização apresentada no 2020 San Antonio Breast Cancer Symposium, com um seguimento adicional de 9,4 meses, mostrou mSLP de 19,4 meses e mediana de sobrevida global (mSG) de 24,6 meses, demonstrando que o benefício foi sustentado, atingindo resposta sem precedentes de 20,8 meses4. Agora, análise de subgrupo do ensaio DESTINY-Breast01 mostrou no ASCO 2021 resultados de T-DXd em pacientes com história de metástases cerebrais5.
Vinte e quatro pacientes com histórico de metástases cerebrais previamente tratados com trastuzumab-emtansine foram incluídos na análise. No corte de dados (1º de agosto de 2019), a taxa de resposta objetiva, a mediana de sobrevida livre de progressão e a mediana de duração de resposta por revisão central independente foram de 58,3% (IC 95%, 36,6 % -77,9%), 18,1 meses (95% CI, 6,7-18,1 meses) e 16,9 meses (95% CI, 5,7-16,9 meses), respectivamente, comparáveis aos dados da população total do estudo DESTINY-Breast01 tratada a 5,4 mg/kg.
|
A análise apresentada no ASCO 2021 também mostrou que dos 24 pacientes inscritos no subgrupo de SNC, 17 apresentavam lesões cerebrais no baseline. A taxa de resposta se manteve significativa (41,2%) nos pacientes com dados disponíveis (7 de 17) e revelou que o padrão de progressão foi semelhante entre pacientes com e sem disseminação cerebral, indicando controle durável da doença sistêmica com T-DXd.
Outro agente com foco nessa população é o inibidor de tirosina-quinase (TKI) tucatinib, aprovado pelo FDA em combinação com trastuzumabe e capecitabina para pacientes com câncer de mama HER2+ avançado irressecável ou metastático, incluindo aqueles com metástases cerebrais. A aprovação foi baseada nos resultados do estudo HER2CLIMB (NCT02614794), que mostrou no ASCO 2021 novos dados de atualização (Abstract #1043)6.
Neste estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, foram incluídos 612 pacientes com câncer de mama HER2+ irressecável, localmente avançado ou metastático, previamente tratados com trastuzumabe, pertuzumabe e trastuzumab emtansine (T-DM1). Parcela significativa (48%) apresentava metástases cerebrais no início do estudo. Com um seguimento adicional de 15,6 meses em relação à análise primária (total de 29,6 meses), tucatinib demonstrou ganho de 5,5 meses na sobrevida global mediana, com 24,7 meses (IC 95%: 21,6, 28,9) versus 19,2 meses (IC 95%: 16,4, 21,4) para capecitabina e trastuzumabe isoladamente. Os dados atualizados no ASCO 2021 também mostram benefício de sobrevida livre de progressão (SLP), com mediana de 7,6 meses (IC 95%: 6,9, 8,3) vs 4,9 meses (IC 95%: 4,1, 5,6) em favor de tucatinib (HR = 00,57 [IC 95%: 0,47 -0,70]; p <0,00001), sem novos sinais de segurança.
Diante de resultados como esses, o cenário de tratamento para pacientes com câncer de mama metastático HER2 positivo desperta entusiasmo e desafia a compreender não só a melhor sequência terapêutica, mas também a refletir se é possível poupar pacientes de determinadas terapias ou de-escalonar regimes de tratamento.
Na primeira linha, o padrão ouro continua a ser a combinação de trastuzumabe, pertuzumabe e um taxano7,8. Na doença avançada, outro agente incorporado à prática de rotina é o inibidor de tirosina-quinase lapatinibe, aprovado com base nos resultados de estudo de Fase III combinado com capecitabina9.
No cenário de segunda linha, trastuzumabe-emtansine (TDM-1)10,11 é o padrão atual, ainda não disponível no Brasil, mas em cenários com disponibilidade de acesso a chegada de novos agentes torna mais complexa a decisão de tratamento. Na terceira linha, terapias-alvo aprovadas em período recente movimentam a disputa, acirrada também pela chegada de anticorpos monoclonais, inibidores de tirosina-quinase e dois conjugados anticorpo-droga, entre eles T-DXd. “Existe um otimismo contido com a chegada de drogas muito potentes. No fundo, é uma quebra de paradigma”, diz o oncologista Gilberto Amorim, Coordenador Nacional de Oncologia Mamária da Oncologia D'Or. “Aprendemos esses anos todos tratando pacientes com trastuzumabe e outros agentes anti-HER2 e agora voltamos para uma discussão muito básica sobre a imuno-histoquímica, sobre quem faz ou não faz FISH, porque hoje podemos ver uma janela de oportunidade incrível. A gente tem o HER 2 classicamente positivo e agora a nova categoria HER 2-low, com pacientes que podem ser reclassificadas e se beneficiar de novas terapias”, analisa.
Perspectivas
Uma série de estudos está em andamento, incluindo o ensaio DESTINY-Breast02 (NCT03523585), que compara trastuzumab-deruxtecan versus a terapia de escolha do investigador entre capecitabina mais trastuzumabe ou lapatinibe em pacientes com câncer de mama metastático HER2+ já expostos a T-DXd12.
Estudo de fase 1b / 2 (DESTINY-Breast07)13 destacado no ASCO 2021 na sessão Trial in Progress avalia a segurança, tolerabilidade e atividade antitumoral da monoterapia com T-DXd em diferentes combinações em pacientes com câncer de mama HER2+ avançado / metastático. Este estudo consiste em um módulo de monoterapia T-DXd (módulo 0) e 5 módulos de combinação de T-DXd mais (1) durvalumabe, (2) pertuzumabe, (3) paclitaxel, (4) durvalumabe + paclitaxel ou (5) tucatinib , todos em pacientes sem metástase cerebral ativa ou em pacientes com metástase cerebral estável. O protocolo prevê também dois módulos adicionais, (6) T-DXd + tucatinib e (7) T-DXd em monoterapia, incluindo pacientes com metástase cerebral não tratados e que não requerem terapia local ou aqueles previamente tratados para metástase de SNC e que progrediram desde a terapia local.
A sessão Trial in Progress também apresentou o protocolo do ensaio de Fase Ib/II com o inibidor de PARP nirabaribe14 em combinação com trastuzumabe no câncer de mama HER2+, sinalizando que a disputa está longe de acabar.
Veja também sobre o mesmo tema:
Em vídeo exclusivo, os oncologistas Daniela Dornelles Rosa e Gilberto Amorim comentam avanços e perspectivas no câncer de mama HER2+ metastático, em análise que apresenta alguns dos estudos que foram destaque no panorama da oncologia mamária da ASCO 2021. Assista, na TV Onconews.
Referências:
- Yuan Z, Huang J-J, Hua X, et al. Trastuzumab plus endocrine therapy or chemotherapy as first-line treatment for metastatic breast cancer with hormone receptor-positive and HER2-positive: the sysucc-002 randomized clinical trial. J Clin Oncol. 2021;39:(suppl 15; abstr 1003). doi:10.1200/JCO.2021.39.15_suppl.1003
- Slamon DJ, Leyland-Jones B, Shak S, et al. Use of chemotherapy plus a monoclonal antibody against HER2 for metastatic breast cancer that overexpresses HER2. N Engl J Med 2001; 344: 783–792.
- FDA - disponível em https://www.fda.gov/drugs/resources-information-approved-drugs/fda-approves-fam-trastuzumab-deruxtecan-nxki-unresectable-or-metastatic-her2-positive-breast-cancer
- Modi S, Saura C, Yamashita T, et al: Updated results from DESTINY-breast01, a phase 2 trial of trastuzumab deruxtecan (T-DXd) in HER2 positive metastatic breast cancer. 2020 San Antonio Breast Cancer Symposium. Abstract PD3-06.
- DOI: 10.1200/JCO.2021.39.15_suppl.526 Journal of Clinical Oncology 39, no. 15_suppl (May 20, 2021) 526-526. Published online May 28, 2021. Abstract 526, disponível em https://ascopubs.org/doi/abs/10.1200/JCO.2021.39.15_suppl.526
- Giuseppe Curigliano et al. Updated results of tucatinib versus placebo added to trastuzumab and capecitabine for patients with pretreated HER2+ metastatic breast cancer with and without brain metastases (HER2CLIMB). DOI: 10.1200/JCO.2021.39.15_suppl.1043 Journal of Clinical Oncology 39, no. 15_suppl (May 20, 2021) 1043-1043. https://ascopubs.org/doi/abs/10.1200/JCO.2021.39.15_suppl.1043
- WJ Gradishar · 2021 — Journal of the National Comprehensive Cancer Network: JNCCN, 01 May 2021, 19(5):484-493. DOI: 6004/jnccn.2021.0023
- Swain, S. M., Baselga, J., Kim, S.-B., Ro, J., Semiglazov, V., Campone, M., … Cortés, J. (2015). Pertuzumab, Trastuzumab, and Docetaxel in HER2-Positive Metastatic Breast Cancer. New England Journal of Medicine, 372(8), 724–734. doi:10.1056/nejmoa1413513
- Geyer, C. E., Forster, J., Lindquist, D., Chan, S., Romieu, C. G., Pienkowski, T., … Cameron, D. (2006). Lapatinib plus Capecitabine for HER2-Positive Advanced Breast Cancer. New England Journal of Medicine, 355(26), 2733–2743. doi:10.1056/nejmoa064320
- Verma, S. et al. Trastuzumab Emtansine for HER2-Positive Advanced Breast Cancer. Engl. J. Med. 367, 1783–1791 (2012)
- Krop, I. E. et al. Trastuzumab emtansine (T-DM1) versus lapatinib plus capecitabine in patients with HER2-positive metastatic breast cancer and central nervous system metastases: a retrospective, exploratory analysis in EMILIA. Ann. Oncol. 26, 113–119 (2015)
- https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03523585
- Trastuzumab deruxtecan (T-DXd) combinations in patients with HER2-positive advanced or metastatic breast cancer: a phase 1b/2, open label, multicenter, dose-finding and dose-expansion study (DESTINY-Breast07) (Abstract TPS 1096)
- Stringer-Reasor et al. Trial in progress: A phase 1b/2 study of the PARP inhibitor niraparib in combination with trastuzumab in patients with metastatic HER2+ breast cancer (TBCRC 050). DOI: 0.1200/JCO.2021.39.15_suppl.TPS1098 Journal of Clinical Oncology 39, no. 15_suppl
- Tarantino, P., Hamilton, E., Tolaney, S. M., Cortes, J., Morganti, S., Ferraro, E., … Curigliano, G. (2020). HER2-Low Breast Cancer: Pathological and Clinical Landscape. Journal of Clinical Oncology, JCO.19.02488. doi:10.1200/jco.19.02488
- Marietta Scott, Michel Erminio Vandenberghe, Paul Scorer, Anne-Marie Boothman, and Craig Barker. Prevalence of HER2 low in breast cancer subtypes using the VENTANA anti-HER2/neu (4B5) assay. Journal of Clinical Oncology 2021 39:15_suppl, 1021-1021.