Onconews - Programa de Prevenção Contínua do Melanoma

Ana_Gabriela_Jau.jpgO Programa de Prevenção Contínua de Melanoma (PPCM) do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, é tema do artigo da dermatologista Ana Gabriela Sálvio (foto) e colegas. O Programa orienta e faz diagnóstico precoce através da dermatoscopia e telemedicina e demonstrou ser eficaz, com impacto observado no aumento de diagnósticos dos melanomas “in situ” (EC 0) e queda do EC I e II.

{jathumbnail off}Introdução: Criado em 2007, o Programa de Prevenção Contínua de Melanoma (PPCM) orienta e faz diagnóstico precoce através da dermatoscopia e telemedicina na cidade de Jaú, São Paulo. Com 130 mil habitantes, a cidade possui Registro de Câncer da Base Populacional desde 1996, fornecendo informações sobre pacientes com diagnóstico de câncer nela residentes e permitindo análise epidemiológica populacional.

Objetivo: Análise de tendência dos coeficientes de incidência de melanoma na população de Jaú antes e após a implantação do PPCM.
 
Métodos: Foram selecionados todos os casos de melanoma no período de 1996 a 2011, avaliando estadio clínico (EC) e incidência.
 
Resultados: O impacto foi observado no aumento de diagnósticos dos melanomas “in situ” (EC 0) e queda do EC I e II.
 
Discussão: Este modelo de programa de prevenção é inédito, exclusivo e demonstrou ser eficaz em uma cidade de 130 mil habitantes. Campanhas educacionais mundiais preconizam a orientação contínua da população.
 
Conclusão: Os resultados obtidos são de extrema importância pois demonstram a eficiência deste pioneiro Programa de Prevenção brasileiro de simples execução e facilmente reprodutível.
 
Palavras chave: melanoma, programa de prevenção, registro de câncer 

Introdução 

Sabe-se que a incidência do melanoma aumentou muito nos últimos anos, e tem aumentado mais rápido do que qualquer outro tipo de câncer1. O risco de um americano desenvolver melanoma passou de 1/1500 em 1930 para 1/74 em 2000, tendo uma projeção de 1/50 em 20152. No Brasil, de acordo com os dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), são estimados para o biênio 2014/2015 quase 6000 casos de melanoma anualmente, representando o 12° câncer mais frequente entre os homens e o 13° entre as mulheres3. Embora o melanoma represente apenas 4% dos cânceres de pele, ele é responsável por 60% das mortes por essa neoplasia, tornando-se um problema de saúde pública4,5.
 
Há mais de dez anos, a Sociedade Brasileira de Dermatologia vem desenvolvendo uma campanha anual contra o câncer de pele. No dia da campanha e nos precedentes, é feita uma divulgação na mídia e realiza-se o exame clínico da população e encaminhamento dos casos suspeitos para o hospital e tratamento. Foi nesse cenário que observamos ser necessária a complementação desta iniciativa por meio do desenvolvimento de um modelo para informação e conscientização contínua da população, onde também fosse possível realizar facilmente a avaliação e o tratamento de uma lesão suspeita de melanoma de maneira contínua ao longo do ano todo.
 
Portanto, através de uma iniciativa do Departamento de Pele do Hospital Amaral Carvalho de Jaú, iniciou–se em 2007 o Programa de Prevenção Contínua do Melanoma6

Métodos 

O Programa de Prevenção Contínua do Melanoma teve início em 2007, a partir de uma parceria entre o Departamento de Pele do Hospital Amaral Carvalho de Jaú e a Secretaria de Saúde do Município, tendo como alvo a população de cerca de 130 mil habitantes, segundo o último censo.
 
O primeiro passo foi o desenvolvimento e registro de um logotipo no qual se pudesse de imediato passar uma mensagem sobre o ABCD do melanoma (figura 1).
 
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Figura 1 – Logotipo do Programa de Prevenção do Melanoma.
 
Desde essa data é seguida a seguinte dinâmica: uma equipe de enfermagem (uma enfermeira e duas auxiliares de enfermagem) permanece por 30 dias em cada uma das 12 Unidades de Saúde do Município. É feita a orientação aos pacientes frequentadores das unidades de saúde através de palestras explicativas e da abordagem direta, orientando sobre o ABCDE do melanoma, autoexame da pele e fotoproteção. São também distribuídos folders explicativos e a partir do momento em que o paciente identifica uma lesão com alteração do ABCDE é realizada uma foto macro e dermatoscópica da lesão pelos profissionais de enfermagem devidamente treinados.
 
Essa foto é avaliada pelo dermatologista responsável do referido hospital oncológico e, através da dermatoscopia da lesão suspeita o paciente é encaminhado imediatamente para a consulta médica no Departamento de Pele do HAC. Frente ao diagnóstico de melanoma, o paciente é tratado e seguido pelo grupo multidisciplinar, seguindo as recomendações do Grupo Brasileiro de Melanoma (GBM). 
 
No momento da abordagem ao paciente na Unidade Básica de Saúde também é realizado um questionário envolvendo perguntas sobre exposição solar, presença de melanoma ou outro câncer de pele entre os familiares, uso de proteção solar e conhecimento sobre o melanoma. Os médicos e agentes de saúde alocados nas Unidades também recebem informações sobre as lesões suspeitas de melanoma e sobre a dinâmica do programa, conferindo agilidade ao diagnóstico.
 
Para que os melanomas diagnosticados pelo Programa de Prevenção Contínua do Melanoma pudessem ser realmente avaliados, foram utilizados os dados do Registro de Câncer de Base Populacional (RCBP). Implantado na cidade desde 2006, o RCBP – Jaú é um dos 25 registros do país e possui dados coletados desde 1996. Com isso, calculou-se a análise de tendência dos coeficientes de incidência do melanoma de 1996 a 2011 de acordo com o estadio clínico. 

Resultados 

O número de casos de melanoma diagnosticados através do Programa de Prevenção do Melanoma ao longo dos anos está representado no gráfico 1.
 
Gráfico 1 - Número de melanomas diagnosticados de 2008-2014 pelo Programa de Prevenção do Melanoma, de acordo com estádio clínico (EC).
 
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Estes números, isoladamente, não perdem sua importância, mas se avaliados através do Registro de Base Populacional, pode-se perceber ao longo dos anos o impacto do programa na população. Nos gráficos 2, 3 e 4 observa-se a análise de tendência dos coeficientes de incidência de acordo com o estadio clínico na cidade de Jaú.
 
Gráfico 2 -Coeficientes padronizados de incidência do melanoma cutâneo, estadio clínico 0, ambos os sexos, Jaú, 1996 a 2011.

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Gráfico 3 -Coeficientes padronizados de incidência do melanoma cutâneo, estadio clínico I e II, ambos os sexos, Jaú, 1996 a 2011.
 
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Gráfico 4 -Coeficientes padronizados de incidência do melanoma cutâneo, estadio clínico III e IV, ambos os sexos, Jaú, 1996 a 2011.
 
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Os casos de melanoma cutâneo in situ registrados na cidade apresentaram uma tendência de incidência crescente para ambos os sexos, com um coeficiente médio de 2,3 casos por 100 mil e um incremento médio no período de 0,19/ano (p=0,030). Já os casos de melanoma cutâneo invasivos, estadios clinico I e II, apresentaram tendência de incidência decrescente no período, com um coeficiente médio de 4,6 casos por 100 mil e um decremento médio de 0,11/ano (p=0,001). Os casos avançados (estadios III e IV) apresentaram estabilidade nas taxas de incidência no período, com um coeficiente médio igual a 1,2 casos por 100.000.
 
Até dezembro de 2014 foram entrevistados 14.552 indivíduos quanto à exposição solar no trabalho, uso de filtro solar e conhecimento sobre o melanoma. A distribuição das respostas ao longo dos anos pode ser observada nos gráficos 5, 6 e 7.
 
Gráfico 5 – Distribuição dos 14.552 indivíduos entrevistados de acordo com a exposição solar no trabalho (2008-2011).
 
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Gráfico 6 – Distribuição dos 14.552 indivíduos entrevistados de acordo com o uso de filtro solar (2008-2011).
 
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Gráfico 7 – Distribuição dos 14.552 indivíduos entrevistados de acordo com o conhecimento sobre melanoma (2008-2011).
 
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De acordo com o Gráfico 5, poucos indivíduos trabalham em ambiente fechado. A grande maioria trabalha variando de meio período a todo período com exposição solar. Quanto ao uso de fotoprotetor, no Gráfico 3 se observa que a maioria dos entrevistados ao longo dos anos nunca faz uso. No Gráfico 7, quanto se questiona o conhecimento sobre o que é um melanoma, observa-se que com o passar dos anos houve um aumento da porcentagem de indivíduos conhecedores da patologia. 

Discussão 

O estudo descreve um método contínuo de prevenção e diagnóstico precoce de melanoma cutâneo para uma cidade de 130 mil habitantes. Neste Programa é oferecido um rápido acesso ao serviço especializado em oncologia e à tecnologia, através da dermatoscopia e da telemedicina, auxiliando na triagem dos casos. Através da análise de tendência do coeficiente padronizado de incidência do melanoma na população de Jaú, observa-se o real impacto deste pioneiro Programa de Prevenção através do aumento dos casos diagnosticados no estadio 0 (in situ) e diminuição dos casos nos estadios I e II. Com isso, se proporciona ao indivíduo com melanoma em fase inicial a rápida reintegração às atividades socioeconômicas. Tal fato é de extrema importância tanto para o paciente quanto para o Estado, pois o tratamento de lesões iniciais reduz os custos, gerando economia tanto para o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto para o sistema privado7.
 
Muitas campanhas educacionais foram desenvolvidas nas últimas décadas em países europeus, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos. Todas preconizam a orientação contínua da população, almejando, além da prevenção, o diagnóstico precoce do câncer de pele8,9.
 
Observa-se que a maioria dos indivíduos trabalha exposta ao sol, variando de uma parte do período ao expediente inteiro. Apenas a minoria dos mais de 14 mil entrevistados trabalha em locais fechados. Um dado alarmante é que a maioria dos entrevistados não faz uso de fotoprotetores. Estes resultados refletem a falta de informação da população brasileira quanto aos riscos da exposição solar10. Outra explicação para o não uso do filtro solar seria o elevado custo que ele representa no orçamento da população e sua ausência na lista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde. Tal fato merece atenção no sentido da intensificação da abordagem e orientação. Outra solução seria a utilização de roupas e acessórios adequados para a proteção solar.
 
A maioria absoluta dos entrevistados não sabe o que é o melanoma (Gráfico 7). Tal fato atrapalha o diagnóstico precoce desta neoplasia, pois se o indivíduo desconhece a existência da doença, não há como se prevenir. É importante seguir o exemplo dos programas contínuos de prevenção internacionais, informando e identificando lesões precocemente e de maneira ininterrupta9. É necessária a abordagem contínua da população, visando sempre a informar, ao maior número de indivíduos, as características do melanoma, os fatores de risco e o autoexame da pele. Desta forma, o índice de conscientização da população crescerá, o diagnóstico poderá ser feito de maneira precoce e, assim, o indivíduo terá melhor sobrevida. 

Conclusão 

Através dos dados do RCBP verificamos o aumento do número de casos diagnosticados em fase inicial e diminuição dos casos diagnosticados tardiamente na população de Jaú após a implantação do Programa de Prevenção do Melanoma. Esta mudança reflete a eficácia do Programa de Prevenção do Melanoma implantado desde 2007 na educação da população, no treinamento da equipe pública de saúde e no diagnóstico precoce do melanoma.
 
Este tipo de programa de prevenção é inédito, exclusivo e de baixo custo, tendo demonstrado ser eficaz na prevenção e diagnóstico precoce do melanoma em uma cidade de 130 mil habitantes do Estado de São Paulo, podendo ser facilmente reproduzido na maioria dos municípios brasileiros. 

Autores

Ana Gabriela Sálvio1, Donaldo B Veneziano2, Ary Assumpção Júnior1, Renato Zanatto1, Helen Renata Nicolini1 ,Camila Soares1 , Carla de Oliviera Lima Floret Turini1.
1 - Departamento de Pele do Hospital Amaral Carvalho de Jaú – SP
2 – Registro Hospitalar de Câncer/Registro de Câncer de Base Populacional         

Referências 

1.         Leiter, U., T. Eigentler, and C. Garbe, Epidemiology of skin cancer. Adv Exp Med Biol, 2014. 810: p. 120-40.
2.         Rigel, D.S., J. Russak, and R. Friedman, The evolution of melanoma diagnosis: 25 years beyond the ABCDs. CA Cancer J Clin, 2010. 60(5): p. 301-16.
3.         INCA, Estimativa 2014: Incidência de Câncer no Brasil/Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Coordenação de Prevenção e vigilância. 2014, Rio de Janeiro. 124.
4.         Crowson, A.N.M., C.M.; Mihm, M.C., Malignant Melanoma, in The Melanocytic Proliferations: a comprehensive textbook of pigmented lesions
2001, Wiley-Lis: New York. p. 281-397.
5.         Forsea, A.M., et al., Melanoma incidence and mortality in Europe: new estimates, persistent disparities. Br J Dermatol, 2012. 167(5): p. 1124-30.
6.         Salvio, A.G., et al., One year experience of a model for melanoma continuous prevention in the city of Jau (Sao Paulo), Brazil. An Bras Dermatol, 2011. 86(4): p. 669-74.
7.         Souza, R.J., et al., An estimate of the cost of treating melanoma disease in the state of Sao Paulo - Brazil. An Bras Dermatol, 2009. 84(3): p. 237-43.
8.         de Haas, E.R., T. Nijsten, and E. de Vries, Population education in preventing skin cancer: from childhood to adulthood. J Drugs Dermatol, 2010. 9(2): p. 112-6.
9.         Sinclair, C. and P. Foley, Skin cancer prevention in Australia. Br J Dermatol, 2009. 161 Suppl 3: p. 116-23.
10.       Duquia, R.P., et al., Prevalence and associated factors with sunscreen use in Southern Brazil: A population-based study. J Am Acad Dermatol, 2007. 57(1): p. 73-80.