Segundo um estudo nacional de Taiwan, apresentado sábado, 26, no Congresso Europeu de Câncer 2015, em Viena, os pacientes com câncer de garganta podem ter maiores taxas de sobrevida se o seu tratamento inicial inclui a cirurgia. Os resultados da equipe do Koo Foundation Sun Yat-Sen Cancer Center, em Taipei mostraram que cinco anos após o diagnóstico, a cirurgia radical foi associada com benefícios de sobrevida global significativos entre os pacientes cujo câncer de garganta havia começado a se espalhar. No entanto, menos de metade dos pacientes do estudo receberam a cirurgia.
"A ênfase na preservação de órgãos levou ao declínio da utilização de cirurgia. A quimiorradioterapia (CCRT) tornou-se o método padrão para cânceres de cabeça e pescoço que não podem ser operados e está sendo utilizada isoladamente mesmo quando a cirurgia é possível. Com o aprimoramento das técnicas cirúrgicas, incluindo procedimentos minimamente invasivos, há uma necessidade de revisitar as várias opções de tratamento e olhar para a sobrevida global dos diferentes grupos de tratamento", afirmou Chih-Tao Cheng, líder do estudo.
Cheng e colegas utilizaram os dados do Taiwan National Health Insurance Claims e do Registro de Câncer de Taiwan para identificar todos os pacientes de câncer de orofaringe e hipofaringe recém-diagnosticados no país. Foram selecionados 2.387 pacientes de câncer de orofaringe e 2.315 pacientes com câncer de hipofaringe diagnosticados entre 2004 e 2009 e acompanhados até 2012.
A análise apresentada se baseou em 1.698 pacientes com câncer de orofaringe e em 1.619 com câncer de hipofaringe, todos com doença estadios III ou IV. Estadio III são cânceres com pelo menos 4 cm de espessura ou, no caso de câncer de hipofaringe, com comprometimento das cordas vocais. Estadio IV significa que o câncer se espalhou para outros órgãos próximos.
A cirurgia radical foi realizada em pouco mais de um terço dos pacientes com câncer de orofaringe: 35% de 424 pacientes estadio III, e 38% de 1.274 pacientes estadio IVa. Cerca de metade dos pacientes com câncer de hipofaringe receberam a cirurgia: 55% dos pacientes em estadio III e 49% dos pacientes em estadio IVa.
Resultados
Os pesquisadores compararam os resultados entre aqueles que foram submetidos ou não à cirurgia, independentemente de terem recebido CCRT. Para ambos os tipos de câncer, os pacientes que receberam tratamento cirúrgico foram significativamente mais propensos a estarem vivos cinco anos após o diagnóstico do que aqueles que não o fizeram. No estadio III do câncer de orofaringe as taxas de sobrevida global em cinco anos foram de 59% para o grupo que recebeu cirurgia contra 48% para aqueles que não receberam. No câncer orofaríngeo estadio IVa, as taxas foram de 51% entre aqueles que receberam cirurgia versus 40% sem tratamento cirúrgico.
No câncer de hipofaringe estadio III, 54% daqueles que foram submetidos à cirurgia estavam vivos em cinco anos em comparação com 33% daqueles que não receram tratamento cirúrgico. No estadioIVa, esses números foram de 39% e 26%, respectivamente.
Cheng explicou que o tratamento multidisciplinar atual inclui cirurgia, quimioterapia, radioterapia e terapia-alvo. "Melhorias substanciais no tratamento de câncer de cabeça e pescoço têm sido feitas nas últimas duas décadas. No entanto, as taxas de sobrevida global para câncer de cabeça e pescoço locoregional avançado continuam insatisfatórias. Descobrimos que a cirurgia primária foi associada com melhor sobrevida global de câncer na análise da maioria dos subconjuntos, o que sugere que a cirurgia pode fornecer um benefício de sobrevida", afirmou.
Segundo o pesquisador, muitos pacientes não concordam com a cirurgia por medo do comprometimento funcional, como o impacto na fala e na deglutição. “No entanto, este estudo sugere que evitar a cirurgia pode reduzir significativamente a chance de sobrevivência", alertou.
Comparações head-to-head de cirurgia primária contra CCRT nestes tipos de câncer têm enfrentado problemas em recrutar pacientes, em parte devido à baixa incidência dessas doenças e à diversidade de tratamentos padrão. Além disso, é preciso estar ciente dos fatores de confusão envolvidos na relação entre a cirurgia e melhora da sobrevida. Esses fatores incluem sexo, idade, estadio do câncer, associação com o papilomavírus humano (HPV) e local do tumor.
"A recomendação de cirurgia primária ou CCRT para pacientes com câncer orofaríngeo avançado e de hipofaringe permanece controversa. Estes resultados preliminares foram em linha com as nossas expectativas, mas estudos mais bem elaborados são necessários para confirmar esses achados", acrescentou o especialista.
Para o co-presidente científico do Congresso, Peter Naredi, apesar de indicar que a cirurgia deve ser priorizada como uma opção de tratamento para estes pacientes, o estudo mostra claramente o quanto é importante um grupo multidisciplinar para discutir o melhor tratamento. “Espero que estes resultados tornem mais fácil recrutar pacientes em futuros estudos clínicos randomizados para que possamos aprender qual é a melhor opção de tratamento", disse Naredi.
Lisa Licitra, porta-voz da ESMO e chefe da Unidade de Câncer de Cabeça e Pescoço no Istituto Nazionale Tumori, em Milão, Itália, concorda com a necessidade do trabalho multidisciplinar. “O tratamento cirúrgico do câncer de cabeça e pescoço avançado é uma arma bem reconhecida, muitas vezes seguida de radioterapia, com ou sem quimioterapia, e pela avaliação do risco a partir de amostras de patologia. Em alguns casos selecionados (julgados por local de tumor, estadio ou idade) a cirurgia pode ser evitada e a quimioterapia e radioterapia representam o padrão de atendimento. A tomada de decisão do tratamento requer um trabalho colaborativo muito forte, com equipes multidisciplinares experientes”.
Lisa acrescenta que vários relatos de melhores resultados vem de centros de tratamento com um elevado número destes pacientes. “Estes dados sublinham a necessidade de realizar pesquisas prospectivas para elucidar o papel da cirurgia e da radioterapia dentro das abordagens de tratamento curativo", concluiu.
O estudo foi financiado pela sobretaxa de saúde e bem-estar dos produtos de tabaco em Taiwan. Um custo adicional de cerca de € 0,5 é adicionado a cada pacote de cigarros com o objetivo de desencorajar o vício. O dinheiro arrecadado é utilizado na prevenção de câncer e cuidados de saúde.
Referência: Abstract no: 2804. “Primary surgery for advanced oropharyngeal and hypopharyngeal cancers: A nationwide study in Taiwan”.