O radio-oncologista Robson Ferrigno, do COAEM, comenta estudo apresentado na AACR 2016 que indica que atrasar o tratamento com radioterapia por um período maior do que oito semanas após a cirurgia conservadora da mama está associado com aumento do risco de tumores da mama ipsilateral em mulheres com carcinoma ductal in situ (CDIS).
Por Robson Ferrigno,Coordenador dos Serviços de Radioterapia do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes
A análise retrospectiva do registro de câncer do Estado do Missouri, nos Estados Unidos, apresentada no congresso anual da American Association for Cancer Research (AACR 2016), confirma não só a necessidade de utilizar a radioterapia adjuvante nas pacientes com carcinoma ductal in situ de mama previamente tratadas com ciururgia conservadora, como também a necessidade dessa radioterapia ser realizada dentro de oito semanas após a cirurgia.
Quatro estudos prospectivos e randomizados (nível 1 de evidência) mostraram diminuição de recidiva na mama ipsilateral com a adição de radioterapia adjuvante após tratamento conservador (NSABP B17, EORTC, UK/ANZ DCIS e SWEDISH Trial).
Nenhum desses estudos mostrou aumento da sobrevida global, o que sugere que em casos de recidiva local, as mulheres puderam ser resgatadas sem impacto na curabilidade. No entanto, a estratégia de resgate padrão é a mastectomia radical, o que torna o uso da radioterapia uma estratégia adequada. Até o momento, não se identificou nenhum grupo de mulheres com carcinoma ductal in situ de mama que pudesse ter a radioterapia adjuvante após cirurgia conservadora omitida sem aumento da recidiva local.
Com relação ao dado do aumento da recidiva com o atraso do início da radioterapia nos faz lembrar a situação caótica dos pacientes brasileiros, vítimas de câncer, e que necessitam de radioterapia, vivem no âmbito do atendimento pelo SUS (75% da população).
Segundo o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado em 2011, a estrutura da rede de atenção oncológica não era suficiente para atendimento em radioterapia, havendo a necessidade de pelo menos 130 equipamentos de radioterapia (atualmente são pelo menos 200). Constatou-se nessa auditoria que a realização da radioterapia em todo Brasil pelo SUS cobria apenas 65,9% da demanda.
Além disso, os atendimentos da radioterapia, quando realizados, não eram tempestivos. O tempo médio de espera entre a data do diagnóstico e o início da radioterapia foi em média de 113,4 dias (quase quatro meses ou 16 semanas).
Desde a publicação desse relatório, nenhuma medida efetiva por parte do governo foi finalizada para amenizar essa situação caótica. Embora tenha um projeto de instalação de 80 novas soluções em radioterapia, iniciado em 2012, nenhum equipamento até agora foi instalado, o que mostra falta de efetividade e estratégia por parte do Ministério da Saúde de resolver essa situação, que com certeza, está bem pior atualmente.
Esperamos que em algum momento, algo seja feito para resolver ou pelo menos amenizar esse caos que os pacientes do SUS portadores de câncer e que necessitam de radioterapia estão vivendo e, assim, evitar que muitos deles, ainda curáveis, morram numa fila de espera perversa e desumana.
O exemplo das mulheres com carcinoma in situ de mama traz à tona essa situação. O estudo apresentado mostra que “apenas” 17,8% das mulheres tiveram o início da radioterapia mais que oito semanas no Estado do Missouri. Em comparação com o Brasil, os americanos teriam motivos de orgulho e, nós, de muita vergonha pelo que assistimos em nosso país.
O estudo
Por Sergio Azman
Ying Liu, professora de cirurgia na Escola Universitária de Medicina de Washington e membro de pesquisa no Centro de Câncer Siteman em St. Louis, Missouri, e colegas identificaram 5.916 mulheres no Registro de Câncer do Missouri que foram diagnosticadas com carcinoma ductal in situ primário entre 1996 e 2011 e foram tratadas com cirurgia conservadora da mama. Dessas mulheres, 1053 (17,8%) receberam radioterapia oito ou mais semanas após a cirurgia, período definido pelos pesquisadores como atraso. Além disso, 1.702 (28,8%) não receberam radioterapia durante o primeiro ciclo de tratamento. O restante das mulheres (53,4%) recebeu radioterapia no prazo de até oito semanas após a cirurgia.
Durante um acompanhamento de 72 meses, 182 (3,1%) desenvolveram tumores mamários ipsilaterais. Após o ajuste para scores de propensão com base em fatores como idade, raça, tamanho e grau do tumor, o risco de tumores de mama ipsilateral foi de 1,26 (95% CI, 1,00-1,59; p=0,049) para o atraso da radioterapia e 1,35 (95% CI, 1,03-1,76; p=0,03) para nenhuma radioterapia em comparação com a radioterapia em tempo oportuno.
"De acordo com as diretrizes do National Comprehensive Cancer Network (NCCN), as opções primárias de tratamento para carcinoma ductal in situ incluem a cirurgia conservadora da mama mais radiação, mastectomia total e cirurgia conservadora da mama isolada", disse Liu. "Este estudo mostra que é importante para as mulheres entenderem os benefícios da radioterapia em tempo adequado após a cirurgia conservadora da mama", acrescentou.
Atrasos aconteceram em grupos específicos
Liu e colegas identificaram vários grupos que foram significativamente afetados por atrasos na radioterapia: mulheres afro-americanas, mulheres solteiras, aquelas que receberam Medicaid (programa de saúde social dos Estados Unidos para famílias e indivíduos de baixa renda), pacientes com tumores maiores, e aqueles que foram diagnosticados mais recentemente foram mais propensas a ter um atraso no tratamento.
"Entre esses grupos, as mulheres afro-americanas, em Medicaid e com grande volume de DCIS têm um maior risco de recorrência, portanto, a oportunidade de radioterapia deve ser melhorada", disse Liu.
Os dados do estudo não explicam totalmente as razões dos atrasos entre esses grupos, mas os pesquisadores acreditam que a qualidade e a acessibilidade dos prestadores de cuidados de saúde e instalações podem ser uma possível causa. Ela acrescentou que mais pesquisas poderiam fornecer insights sobre os fatores que influenciam os atrasos e ajudar a identificar formas de incentivar as mulheres a receber radioterapia logo após a cirurgia DCIS.
Uma limitação do estudo é que durante os 72 meses de acompanhamento médio, o número de pacientes do estudo que desenvolveu tumor de mama ipsilateral foi pequeno. "Nossa conclusão preliminar deve ser confirmada em uma grande coorte de pacientes DCIS com um acompanhamento mais longo", disse. "Estudos futuros devem também abordar as contribuições da escolha de pacientes, profissionais de saúde, instalações e localização para o atraso da raterapia", concluiu.
O estudo foi financiado pela Foundation for Barnes-Jewish Hospital e Breast Cancer Research Foundation. Liu declara que não há conflitos de interesse.
Referência: Abstr 2576 - Radiation therapy delay and risk of ipsilateral breast tumors in women with ductal carcinoma in situ
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