Até 70% dos sobreviventes de câncer relatam medo de recorrência de câncer (do inglês, FCR - fear of cancer recurrence) de moderado a alto, o que pode afetar negativamente o acompanhamento médico, humor, relacionamentos, trabalho, definição de metas e qualidade de vida. Em um estudo randomizado de fase II (LBA 10000), a intervenção psicológica chamada Conquer Fear mostrou reduzir substancialmente o medo de recorrência imediatamente após a intervenção, bem como após três e seis meses. Os resultados foram apresentados hoje, 2 de junho, na ASCO 2017.
"A redução do medo da recorrência no grupo de intervenção psicológica foi grande o suficiente para melhorar o bem-estar psicológico e emocional dos sobreviventes", afirmou a autora de estudo, Jane Beith, oncologista médica da Universidade de Sydney, na Austrália. "A maioria dos participantes eram mulheres jovens com câncer de mama, mas esperamos que a intervenção seja apropriada para sobreviventes de outros tipos de câncer com medo de recidiva de moderado a alto", acrescentou.
A intervenção psicológica Conquer Fear é baseada em um novo framework teórico desenvolvido pelos autores (a intervenção foi desenvolvida para pesquisa e ainda não é utilizada na prática clínica). Terapeutas treinados entregaram a intervenção em cinco sessões individuais e presenciais de 60 a 90 minutos durante 10 semanas.
Entre os aspectos enfocados pelo Conquer Fear estão a aceitação da incerteza inerente sobre a recidiva do câncer; o estabelecimento de estratégias para controlar a preocupação; oferecer aos sobreviventes mais controle sobre onde depositar sua atenção; ajudá-los a se concentrar nos seus objetivos de vida; e escolher um nível sensível de adesão ao rastreamento do câncer.
Sobre o estudo
Os pesquisadores randomizaram aleatoriamente 222 sobreviventes de câncer de mama de estágio I-III, câncer colorretal ou melanoma que relataram alto medo de recorrência para a intervenção Conquer Fear ou treinamento de relaxamento (grupo controle). Todos os sobreviventes completaram o tratamento do câncer de dois meses a cinco anos antes da inscrição no estudo e se encontravam livres de câncer no momento.
Os participantes foram randomizados para a intervenção (n=121) ou braço de controle de treinamento de relaxamento (RT) (n=101). O endpoint primário foi a redução no FCR (total FCRI) imediatamente após a conclusão da intervenção. As avaliações de acompanhamento ocorreram imediatamente, 3 e 6 meses pós-tratamento. A análise de dados foi feita por intenção de tratar.
Uma diferença de 14,5 pontos em FCR foi considerada clinicamente significativa. As alterações a longo prazo no FCR e os resultados secundários foram avaliados utilizando modelos de regressão linear equipados com equações de estimativa generalizadas (GEE), ajustadas para o FCR no baseline.
Os sobreviventes do grupo controle receberam cinco sessões de 60 minutos de relaxamento, realizadas individualmente e presencialmente. As sessões foram realizadas ao longo de 10 semanas por terapeutas treinados e incorporaram relaxamento muscular, relaxamento meditativo e técnicas de visualização e relaxamento rápido. Ambos os grupos receberam instruções para a prática domiciliar.
Para verificar a mudança no medo da recorrência do câncer, os pesquisadores usaram pontuações totais de um questionário validado de 42 itens chamado Fear of Cancer Recurrence Inventory ou FCRI. Os escores variam de 0 a 168, com pontuações mais altas indicando maior medo de recorrência. Os sobreviventes completaram o questionário no momento de inscrição no estudo, imediatamente após a intervenção, e três e seis meses depois.
Principais resultados
O escore médio de FCRI no baseline foi de 82,7 no braço de intervenção e 85,7 no braço controle. O endpoint primário do estudo, o índice total de medo de recorrência do câncer, foi significativamente reduzido no grupo de intervenção (18,1 pontos em média) em comparação com o grupo controle (7,6 pontos em média), imediatamente após a intervenção. Esse índice representa um efeito padronizado de 0,44, dentro do intervalo considerado clinicamente importante.
A diminuição nos escores de FCRI continuou ao longo do tempo, com diferença significativa entre os grupos aos 6 meses, diminuindo em 27,2 pontos em média no grupo de intervenção e 17,8 pontos em média no grupo controle.
Os pesquisadores também exploraram outros resultados do paciente, incluindo distress câncer-específico, distress geral (ansiedade, depressão e estresse) e qualidade de vida. A intervenção psicológica teve um efeito positivo maior sobre esses resultados do que o treinamento de relaxamento oferecido ao grupo controle.
Os autores do estudo observaram que o Conquer Fear se mostrou efetivo em formato presencial, mas é uma intervenção intensiva em tempo e recursos. Por isso, acreditam que outros formatos, como a entrega via internet, em grupo ou por telefone, podem ser possíveis. Uma abordagem de cuidados intensivos também pode ser considerada, realizada apenas em pacientes com medo severo de recorrência recebendo intervenção presencial.
"Neste estudo, as intervenções foram realizadas por psico-oncologistas experientes. É possível que os psicólogos comunitários ou outros profissionais que tenham treinamento básico em terapia cognitiva possam entregar as intervenções, com treinamento e supervisão adequados", observou Beith.
O estudo foi financiado pela Cancer Australia, beyondblue e National Breast Cancer Foundation.
Referência: Abstract LBA10000: Long-term results of a phase II randomized controlled trial (RCT) of a psychological intervention (Conquer Fear) to reduce clinical levels of fear of cancer recurrence in breast, colorectal, and melanoma cancer survivors. - Citation: J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr LBA10000) - Jane McNeil Beith et. Al.
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ASCO 2017