Onconews - Estratégias no tratamento de tumores ginecológicos

EVA_ANGELICA_NET_OK.jpgNo Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO 2017), a cirurgia teve papel de destaque no programa científico de gineco-oncologia. A oncologista Angélica Nogueira-Rodrigues (foto), presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG) e chair de ginecologia do LACOG, comenta alguns dos estudos que concentraram as atenções.

O tratamento do carcinoma epitelial de ovário (CEO) continua como um desafio clínico, assim como a melhor abordagem para pacientes com carcinoma de endométrio (CE) de alto risco.
 
Apesar de dados robustos da importância da pan-histerectomia sem evidência de doença macroscópica residual no CEO em estadio inicial, não há evidência nível 1 sobre o papel da linfadenectomia (LDN) pélvica e para-aórtica em pacientes com ressecção macroscópica completa e linfonodos clinicamente negativos.
 
O estudo LION (abstr. 5500)1, conduzido pelo grupo europeu AGO, randomizou 647 pacientes estádios IIB-IV entre LDN ou não após ressecção macroscópica completa. A mediana de linfonodos ressecados no grupo da LDN foi 57, e 56% das pacientes apresentaram micrometástases.
 
A análise do grupo europeu mostrou que não houve diferença na sobrevida global (SG) entre os braços: 69 meses nas pacientes sem LDN e 66 meses nas submetidas à LDN (HR 1,06, 95% CI; 0,83-1,34, p = 0,65); nem na sobrevida livre de progressão (SLP), 26 meses em ambos os braços (HR 1,11, 95% CI; 0,92-1,34 p = 0,30). No braço submetido à LDN, a cirurgia foi mais longa, resultou em mais perda de sangue e transfusões, mais relaparotomias (12,1% vs 5,9%; p=0,006), readmissões hospitalares (8,0% vs 3,1%; p=0,006) e mortes até 60 dias após a cirurgia (3,1% vs 0,9%; p=0,049). Com maiores taxas de complicação e sem benefício em sobrevida, a LDN sistemática deve ser evitada em pacientes com CEO.
 
Na doença recidivada, o mesmo grupo apresentou resultados do DESKTOP III (abstr. 5501)2, estudo prospectivo randomizado que avaliou o papel da citorredução secundária em pacientes com CEO na primeira recidiva. As pacientes elegíveis deveriam ter intervalo livre de platina mínimo de 6 meses, ­­­­­­performance status (PS) 0, ascite < 500 ml e ressecção completa na 1a cirurgia.
O DESKTOP III inscreveu 407 pacientes, que foram randomizadas entre cirurgia seguida de quimioterapia ou quimioterapia isolada, conforme o padrão da instituição. A SLP foi de 14 meses no braço sem cirurgia e de 19,6 meses no braço com cirurgia (HR:0,66; p<0,001). Os dados de SG ainda não estão maduros. Com esta evidência, em pacientes com ótimo PS e sensíveis à platina, a citorredução secundária deve ser ao menos considerada até que os dados de SG estejam maduros.
 
Endométrio
 
No congresso de Chicago dois estudos muito esperados avaliaram a melhor abordagem para pacientes com carcinoma de endométrio (CE) de alto risco. O PORTEC III (abstr.5502)3 avaliou prospectivamente 686 pacientes com CE de alto risco, randomizadas (1:1) para RT (48,6 Gy) ou QTRT (dois ciclos de cisplatina 50 mg/m² nas semanas 1 e 4 da RT, seguido de 4 ciclos de carboplatina AUC5 e paclitaxel 175 mg/m² a cada 21 dias). A SG em 5 anos para o braço de QTRT versus RT foi de 81,8% vs 76,7%; (HR 0,79; 95%CI;  0,57-1,12, p = 0,183). Também não houve diferença significativa entre os braços na sobrevida livre de falha (failure free survival, FFS) em 5 anos, salvo nas pacientes com estádio III que apresentaram maior benefício com a combinação: FFS em 5 anos foi de 69,3% para QTRT vs 58,0% para RT (95% CI; 0,45-0,97, p = 0,032), e a SG em 5 anos para o estádio III foi de 78,7 % vs 69,8% (p=0,114).
 
Alinhado com o PORTEC III, o estudo GOG 258 (abstr.5505)4 também randomizou prospectivamente 813 pacientes com CE estádios III/IVA, ou I/II de células claras ou seroso, entre QT (carboplatina e paclitaxel por 6 ciclos) e QTRT. As pacientes no braço de tratamento combinado apresentaram menor incidência de recorrência vaginal, pélvica e para-aórtica (3% vs 7%, HR= 0,36; 10% vs 21%, HR=0,43) comparado à QT isolada, mas metástases à distância foram mais frequentes no braço combinado em comparação com o braço de QT isolada (28% vs 21%, HR=1,36).
 
Outro estudo que merece destaque é o CHECKMATE 358 (abstr.5504)5. O estudo avaliou a eficácia de nivolumabe em pacientes com tumores HPV dependentes e ≤2 linhas prévias de tratamento. Em 24 pacientes tratadas, a taxa de resposta foi 20,8%, com taxa de controle de doença de 70,8%. Todas as respostas foram em pacientes com câncer de colo de útero (26,3%), independente da expressão de PD-L1 ou status do HPV. São dados encorajadores que justificam prosseguir a exploração de imunoterapia e criam novas perspectivas para pacientes com tumores HPV-dependentes.
 
Referências:
 
1 - Abstract 5500: LION: Lymphadenectomy in ovarian neoplasms—A prospective randomized AGO study group led gynecologic cancer intergroup trial. - J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5500)
 
2 - Abstract 5501: Randomized controlled phase III study evaluating the impact of secondary cytoreductive surgery in recurrent ovarian cancer: AGO DESKTOP III/ENGOT ov20. - J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5501)

3 - Abstract 5502: Final results of the international randomized PORTEC-3 trial of adjuvant chemotherapy and radiation therapy (RT) versus RT alone for women with high-risk endometrial cancer. - J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5502)
 
4 - Abstract 5505: A randomized phase III trial of cisplatin and tumor volume directed irradiation followed by carboplatin and paclitaxel vs. carboplatin and paclitaxel for optimally debulked, advanced endometrial carcinoma. - J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5505)
 
5 - Abstract 5504: An open-label, multicohort, phase I/II study of nivolumab in patients with virus-associated tumors (CheckMate 358): Efficacy and safety in recurrent or metastatic (R/M) cervical, vaginal, and vulvar cancers.- J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5504)