Na retrospectiva 2017, Andrey Soares (foto), chair do LACOG-GU e oncologista clínico do CPO e do Hospital Israelita Albert Einstein, discute os avanços no câncer de próstata hormônio sensível.
O cenário do câncer de próstata tem mudado de forma importante e acelerada, com avanços em todas as fases da doença. Alguns avanços ainda não estão disponíveis na prática clínica, mas são bastante animadores, com potencial de mudar a história natural da doença e seu tratamento. É o caso de exames genéticos nos estágios iniciais, capazes de predizer o risco de progressão após prostatectomia e o potencial benefício de radioterapia adjuvante, que poderão auxiliar na decisão de quais pacientes devem ou não ser tratados.Em fases mais avançadas, as avaliações dos receptores de andrógenos mutados, presença de algumas mutações enzimáticas, alteração nos genes reparadores do DNA, alterações no PTEN ou a presença ou não das variantes splice também ajudam a orientar estratégias de tratamento, sendo que no último caso já existe até um teste disponível para uso na prática clínica. Os radioisótopos também farão parte deste armamentário, com dados mais maduros com Lutécio e Actinium. Das novidades já disponíveis podemos citar o uso mais expressivo da ressonância multiparamétrica de próstata e do PET CT PSMA1-15.
No cenário da doença metastática sensível a castração, que já havia mudado desde os dados do estudo CHAARTED, em 2017 tivemos mais novidades. Revisitando o estudo CHAARTED, nele os pacientes que receberam bloqueio androgênico associado a 6 ciclos de docetaxel apresentaram benefício de sobrevida global da ordem de 13 meses (HR-0,73). Neste estudo, os pacientes foram estratificados entre alto e baixo volume (alto volume: 4 ou mais lesões ósseas e/ou doença visceral). Muito se discutiu sobre esta divisão, uma vez que o benefício foi estrondoso nos pacientes de alto volume de doença, com ganho de 17 meses (HR-0,63), e não apresentou benefício estatístico nos pacientes de baixo volume de doença16. O benefício da adição de docetaxel foi corroborado com a publicação do STAMPEDE, um elegante, complexo e muito interessante estudo inglês.
Neste estudo com mais de 9000 pacientes a comparação entre melhor suporte clínico (bloqueio androgênico) e melhor suporte clínico associado a 6 ciclos de docetaxel confirmou o ganho estatisticamente positivo de sobrevida aos pacientes submetidos ao tratamento quimiohormonal, com aumento de 10 meses (HR-0,76). Neste estudo, pouco diferente do CHAARTED, também foram incluídos pacientes com doença localizada de alto risco (linfonodo positivo ou ≥ 2 de: T3/4, PSA ≥ 40 ng/mL, G 8-10). Quando avaliados apenas os 61% de pacientes com doença metastática, o ganho de sobrevida global foi de impressionantes 22 meses (HR-0,73)17.
Assim como docetaxel na doença metastática resistente a castração, abiraterona mostrou-se também eficaz neste cenário, apresentando muito menos toxicidade e excelente tolerância e não seria diferente na doença metastática sensível a castração. Os estudos LATITUDE e STAMPEDE, este último um braço iniciado no final de 2011, comprovaram a eficácia de abiraterona neste cenário. Assim como docetaxel, a adição de abiraterona ao bloqueio androgênico nos pacientes com CPSCm demostrou ganho de sobrevida global estatisticamente significativo, ainda não atingido, mas com redução do risco de morte de 38% (HR-0,62).
Diferentemente do CHAARTED, os pacientes do LATITUDE deveriam apresentar aos menos 2 dos critérios a seguir: G 8-10, doença visceral e 3 ou mais lesões ósseas18.
O STAMPEDE corroborou os resultados do LATITUDE, mostrando redução do risco de morte de 37% (HR-0,63). Porém, assim como o braço de docetaxel, apenas 52% dos pacientes apresentavam doença metastática, os demais eram linfonodos positivos ou tinham 2 de 3 critérios ja expostos acima19. Comparado ao braço de docetaxel do próprio STAMPEDE, a presença de doença metastática foi inferior, sendo 61% nos pacientes que receberam docetaxel.
Alguns pontos devem ser destacados entre as diferenças do CHAARTED e LATITUDE. No estudo de docetaxel, os pacientes com doença de novo eram 75% da população, enquanto no LATITUDE 100% dos pacientes apresentavam doença de novo. A maior parte da população de alto risco inscrita no LATITUDE são pacientes com G ≥ a 8 e mais de 3 lesões ósseas, sendo 17% de doença visceral versus 24% de doença visceral no CHAARTED. LATITUDE foi interrompido prematuramente e tem tempo de seguimento mediano pequeno para esta população (30,4 meses), além de apenas 50% dos eventos terem ocorrido, mas o impacto do benefício faz com que seja improvável que este benefício não se perpetue. O impacto na redução de risco na população total dos trabalhos é semelhante, ainda não sabemos o impacto nos paciente considerados alto volume no LATITUDE e os com mais de 2 dos 3 critérios no CHAARTED.
Em 2017, mais novidades do LATITUDE na doença metastática sensível a castração |
Como esperado, uma análise entre os braços de ADT + Docetaxel versus ADT + abiraterona no estudo STAMPEDE foi feita. Importante citar que apenas análises de braços novos e adicionados podem ser comparadas com o braço padrão para ter poder estatístico. Porém, análises indiretas entre os outros braços que foram positivos são permitidas, mas apenas como geradora de hipótese. De acordo com esta possibilidade, os autores do estudo atentaram-se para avaliar os pacientes que foram randomizados ao mesmo tempo nestes braços, considerando o período entre 2011 e 2013. 566 pacientes foram avaliados, destes 60% eram pacientes metastáticos (87% de metástases ósseas), 22% linfonodos positivos. Observou-se que apenas a sobrevida livre de falência (HR: 0,51; p< 0,001) e a sobrevida livre de progressão (HR: 0,65; p- 0,005) foram estatisticamente significativas em favor dos pacientes que receberam abiraterona. Este benefício se deu exclusivamente pela menor falha de PSA nestes pacientes, o que se deve ao uso contínuo da medicação ao invés de apenas 6 ciclos de quimioterapia. A sobrevida livre de progressão metastática (HR: 0,77; p- 0,08), eventos esqueléticos sintomáticos (HR: 0,83; p- 0,38), sobrevida câncer específica (HR: 1,02; p- 0,92) e sobrevida global (HR: 1,16; p- 0,4) foram iguais para ambos os grupos. A toxicidade é outro ponto de discussão entre ambas as drogas, porém o que vimos foi incidência de toxicidade de qualquer grau em 100% dos pacientes tratados com docetaxel e em 99% dos pacientes tratados com abiraterona. Em relação a eventos maior ou igual grau 3 a incidência foi de 50% e 48%, respectivamente. O tipo de toxicidade foi diferente entre os tratamentos, sendo hematológica a mais importante entre os que receberam quimioterapia e cardiovascular e hepática nos que receberam o novo agente hormonal. As toxicidades tardias também foram bastante superponíveis entre os tratamentos, com incidência de maior ou igual grau 3 na ordem de 11% para ambos os tratamentos em 1 e 2 anos20.
Os desfechos reportados pelos pacientes no estudo LATITUDE também foram mostrados no congresso europeu de 2017. Como era esperado, além de mostrar eficácia, a droga foi muito bem tolerada, com indicadores favoráveis em todas as análises de qualidade de vida (redução da pior dor, redução da interferência da dor, fadiga, interferência da fadiga, escala de qualidade de vida e degradação de qualidade de vida)21.
A escolha entre um tratamento ou outro ainda não está definida. A decisão deve ser feita de acordo com a experiência do oncologista e características clínicas dos pacientes em relação ao perfil de toxicidade de cada droga, além de levar em conta os custos dos tratamentos e a preferência do paciente em relação aos prós e contras de cada medicação.
Entre dúvidas e anseios, resta a expectativa de biomarcadores preditivos para escolha de cada tratamento em relação à eficácia e potencias toxicidades. E a preocupação de como serão os mecanismos de resistência dos tumores tratados mais precocemente em ambientes quase que totalmente privados de testosterona. Será que nestes casos não teremos uma indiferenciação mais importante e casos mais agressivos nas progressões?
Apesar de algumas dúvidas, os resultados do LATITUDE e STAMPEDE trazem uma excelente notícia aos pacientes e mais uma opção efetiva para o tratamento do câncer de próstata metastático. No cenário de doença localizada ainda é preciso aguardar dados mais maduros dos estudos para sua incorporação clínica de rotina.
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