O estudo PRODIGE-24 foi um dos destaques do panorama GI na ASCO 2018 ao demonstrar ganho mediano de 20 meses de sobrevida com mFOLFIRINOX no tratamento adjuvante no câncer de pâncreas ressecado. Confira a análise do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG).
Anelisa Coutinho, Duílio Rocha, Rachel Riechelmann, Renata D’Alpino e Rui Weschenfelder, do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)
Câncer de pâncreas
LBA4001 - Unicancer GI PRODIGE 24/CCTG PA.6 trial
O estudo randomizado de fase III PRODIGE-24 foi a grande ausência sentida na sessão plenária da ASCO 2018. Considerado practice-changing, o trabalho demonstrou que mFOLFIRINOX adjuvante é um dos maiores avanços já observados na terapia do tumor pancreático e deve ser considerado um novo padrão em doentes aptos.
Até o momento, estudos sobre quimioterapia adjuvante em câncer de pâncreas mostraram sobrevida mediana em torno de 20 a 28 meses. O padrão até então, gencitabina + capecitabina, tornou-se referência por aumentar de sobrevida mediana em 2,5 meses em relação à gencitabina isolada.
O trabalho PRODIGE-24 randomizou 439 pacientes com idades entre 18 e 79 anos com adenocarcinoma ductal pancreático não metastático, 21-84 dias após a ressecção R0 ou R1, com bom status de desempenho (WHO PS ≤ 1) para receber gencitabina (N= 246) ou mFOLFIRINOX (N=247) por seis meses. O endpoint primário foi sobrevida livre de doença (SLD). Endpoints secundários incluíram sobrevida global (SG), sobrevida livre de metástases (SLM) e eventos adversos (EA).
Resultados
Após acompanhamento mediano de 30,5 meses, a mediana de sobrevida livre de doença foi muito maior no grupo mFOLFIRINOX do que no grupo gencitabina (21,6 meses vs. 12,8 meses; HR = 0,59 (95% IC, 0,47-0,74), assim como a mediana de SG (54,4 meses vs. 34,8 meses; HR = 0,66 (95% IC, 0,49-0,89). O benefício do mFOLFIRINOX foi observado em todos os subgrupos avaliados.
O tratamento com mFOLFIRINOX também prolongou significativamente o tempo de sobrevida livre de metástases (mediana de 30,4 meses vs. 17,7 meses com gencitabina; HR = 0,59 (95% IC, 0,46-0,76).
Em relação ao perfil de segurança, mais pacientes apresentaram efeitos colaterais graves (principalmente hematológicos) no grupo mFOLFIRINOX em relação ao grupo tratado com gencitabina (76% vs. 53%), mas os efeitos colaterais foram gerenciáveis.
No entanto, oferecer mFOLFIRINOX a pacientes em recuperação de uma cirurgia pancreática é um desafio, pois a toxicidade é expressiva. É preciso selecionar pacientes aptos, com ECOG 0 e 1. O próximo passo será explorar o momento ideal da quimioterapia, avaliando o papel de mFOLFIRINOX como quimioterapia neoadjuvante.
Câncer colorretal
LBA3503 - A UNICANCER phase III trial of hyperthermic intra-peritoneal chemotherapy (HIPEC) for colorectal peritoneal carcinomatosis (PC): PRODIGE 7
No câncer colorretal, o estudo randomizado de fase III PRODIGE 7 avaliou o papel da quimioterapia intraperitoneal (HIPEC) com oxaliplatina após cirurgia citorredutora em pacientes com carcinomatose peritonial por câncer colorretal. A apresentação era extremamente aguardada pois não havia nenhum estudo randomizado em doença peritoneal de câncer colorretal nos últimos 15 anos. Os dados mostraram que a adição de HIPEC com oxaliplatina não fornece benefícios adicionais sobre a cirurgia e oferece maior toxicidade.
Foram elegíveis pacientes (n=256) com câncer colorretal estádio IV, com índice de carcinomatose peritoneal (PCI) ≤25. Os pacientes foram randomizados (1: 1), estratificados por centro, ressecção macroscópica completa (R0/1 vs R2) e quimioterapia sistêmica neoadjuvante. Os participantes foram tratados com citorredução (CRS) mais HIPEC com oxaliplatina (n=133) ou apenas CRS (n=132), em associação com quimioterapia sistêmica. O endpoint primário foi sobrevida global (SG), e os endpoints secundários incluíram sobrevida livre de recidiva (SLR) e toxicidade.
Após acompanhamento médio de 63,8 meses, a mediana de SG foi 41,2 meses (95% IC 35,1-49,7) no grupo não-HIPEC e de 41,7 meses (95% IC: 36,2-52,8) no braço HIPEC (HR = 1,00; 95% IC: 0,73-1,37; p = 0,995). Não se esperava que a SG mediana no grupo controle tivesse sido tão alta.
A mediana de sobrevida livre de recidiva foi de 11,1 meses no braço não HIPEC e 13,1 meses no braço HIPEC, (HR = 0,90; IC 95%: 0,69-1,90; p = 0,486), enquanto as taxas de SLR em 1 ano foram de 46,1% no braço não-HIPEC e 59% no braço HIPEC.
Em uma análise de subgrupos de acordo com o índice de carcinomatose peritoneal, os autores estratificaram os pacientes em três grupos: até 10 de PCI, de 11 a 15, e de 16 a 25. No subgrupo intermediário (PCI 11 a 15) houve benefício de sobrevida com adição de HIPEC em relação aos outros grupos. No entanto, o número de pacientes nesse subgrupo foi muito pequeno, e a questão ainda fica em aberto, aguardando a realização de novos estudos com foco nesse subgrupo. Outro detalhe importante é que a quimioterapia hipertérmica foi realizada com oxaliplatina, e não se sabe se os resultados seriam diferentes com mitomicina, outro quimioterápico amplamente utilizado.
Inibidores de bomba de próton
Abstract 3614 - Effects of proton pump inhibitors (PPIs) on FOLFOX and XELOX regimens in colorectal cancer (CRC)
Apresentado na sessão de pôster, outro estudo em câncer colorretal que deve trazer um impacto importante na prática clínica foi a série retrospectiva canadense que avaliou a influência da utilização concomitante de um inibidor de bomba de próton em pacientes com câncer colorretal estádio II e III submetidos a tratamento adjuvante com CAPOX ou FOLFOX. Alguns trabalhos já demonstraram que o uso concomitante de capecitabina com omeprazol eleva o pH e diminui a absorção da capecitabina, e pode piorar o resultado. Agora, na avaliação em adjuvância, os resultados mostram que o uso concomitante de inibidores de bomba de próton aumenta significativamente o risco de recorrência: a taxa de recorrência aos 3 anos foi significativamente inferior nos usuários de PPI tratados com CapOx (69.5 versus 82.6%, p=0.029); não houve diferenças no grupo tratado com Folfox. O estudo traz à tona o uso indiscriminado dessa classe de medicamentos e demonstra a importância de questionar os pacientes sobre o uso e sugerir a interrupção, se possível.