Um estudo clínico randomizado com 357 pacientes com câncer de cabeça e pescoço em tratamento com radioterapia demonstrou que o uso de tecnologia móvel e sensores para monitoramento remoto proporcionou sintomas menos severos relacionados ao câncer e seu tratamento. Além disso, o rastreamento remoto diário permitiu a detecção precoce dos sintomas e intervenções mais rápidas, o que impactou a qualidade de vida, e reduziu complicações e custos de assistência. “O estudo CYCORE corrobora que a monitorização contínua do paciente melhora os sintomas e diminui os riscos associados ao tratamento, possivelmente influenciando os resultados", afirma a oncologista Aline Chaves (foto), médica na Dom Clínica de Oncologia e chair do LACOG – Cabeça e Pescoço. Os resultados do estudo serão apresentados sábado, 02 de junho, na ASCO 2018.
"É interessante ressaltar que essa monitorização mais ativa – baseada principalmente no PRO (Patient Reported Outcome) demonstrou ganho de sobrevida – em estudo apresentado na Plenária da ASCO de 2017”, acrescenta a especialista, que ressalta a alta incidência do tumor no Brasil, principalmente câncer de cavidade oral e laringe. “Mais de 70% dos pacientes tem o diagnóstico em fase avançada da doença, necessitando de tratamento multimodal – geralmente cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Devido a esse tratamento agressivo os pacientes necessitam de uma equipe multidisciplinar integrada para suporte e reabilitação, com capacidade de melhorar a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes”, diz.
Métodos
Pacientes com câncer de cabeça e pescoço (n = 357) completaram o MD Anderson Symptom Inventory (MDASI) com 28 itens no início da radioterapia (baseline), conclusão da radioterapia (6-7 semanas pós-baseline), e 6-8 semanas após a conclusão do tratamento. A pesquisa contempla sintomas gerais que são comuns em pacientes de câncer, como dor, fadiga e náusea, e sintomas particularmente relevantes no câncer de cabeça e pescoço, como dificuldade para engolir ou mastigar, queimação/rash cutâneo e problemas com a degustação.
A gravidade e a interferência dos sintomas foram avaliadas em escalas de 0 a 10; pontuações mais baixas indicaram melhores resultados.
O estudo utilizou um sistema de tecnologia chamado CYCORE (sigla em inglês para CYberinfrastructure for COmparative Effectiveness REsearch), desenvolvido de forma colaborativa por quatro instituições através de subsídios do National Cancer Institute. Os participantes foram aleatoriamente designados para o CYCORE (n=169) ou para o tratamento usual (n=188), que consiste em visitas semanais ao médico.
Os pacientes do braço CYCORE receberam sensores (braçadeiras de pressão arterial e balanças de peso) habilitados para Bluetooth, e tablets móveis com Wi-Fi proprietário. Um hub/roteador de rede de longa distância (WAN) transmitia suas leituras de sensores e um aplicativo móvel transmitia seus dados de sintomas por meio de uma infraestrutura que garantia a confidencialidade das informações.
Para o grupo CYCORE, os médicos revisaram os dados do aplicativo e as transmissões dos sensores remotamente todos os dias da semana e poderiam intervir no cuidado, se necessário. Tanto o CYCORE como os participantes de cuidados habituais tiveram visitas semanais ao médico.
Resultados
A idade média foi de 60 anos (variando de 25 a 86 anos), 21% eram do sexo feminino, 85% eram brancos e 54% completaram o ensino superior. Os escores médios do MDASI basal foram semelhantes em pacientes randomizados para CYCORE ou tratamento usual. Os escores médios da gravidade dos sintomas gerais e específicos para câncer foram menores no grupo CYCORE versus tratamento usual no final da RT (2,92 vs. 3,4, p = 0,003; 4,21 vs 4,83, p = 0,009), e em 6 a 8 semanas após a conclusão da radioterapia (1,69 vs 1,96; p = 0,003; 1,78 vs. 2,11, p = 0,009).
A maioria dos pacientes (80% ou mais) aderiu ao monitoramento diário. Os escores refletindo como vários sintomas interferiram nas atividades da vida diária foram praticamente os mesmos em ambos os grupos durante todo o período do relatório da pesquisa.
Os autores concluíram que os pacientes randomizados para o grupo CYCORE durante o RT autorreferiram menor gravidade dos sintomas gerais e específicos para o câncer de cabeça e pescoço em comparação com o grupo de cuidados habituais. Os pesquisadores querem agora determinar por quanto tempo o benefício de uma intervenção CYCORE poderia persistir, e esperam implementar a intervenção CYCORE em ambientes não acadêmicos de tratamento de câncer.
“Novas tecnologias (novas modalidades de radioterapia, cirurgia, novas drogas) são fundamentais para o avanço do tratamento do câncer. Mas não podemos esquecer que cuidar do paciente não é apenas oferecer o novo, mas oferecer o cuidado essencial – que está em nossas mãos, principalmente na realidade de recursos escassos, como o Brasil”, conclui Aline.
O estudo recebeu financiamento do National Institutes of Health.
Referência: Abstract 6063: Using mobile and sensor technology to identify early dehydration risk in head and neck cancer patients undergoing radiation treatment: Impact on symptoms - Susan K. Peterson et al