Onconews - Lung ART: Radioterapia pós-operatória não mostra benefício no câncer de pulmão com envolvimento mediastinal (N2)

cecille bxA radioterapia pós-operatória (PORT) em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) após ressecção completa e após quimioterapia (neo) adjuvante não mostrou diferença estatisticamente significativa na sobrevida livre de doença (SLD) em 3 anos, de acordo com dados apresentados no ESMO 2020 pela médica especialista em radioterapia Cécile Le Pechoux (foto), do Institut Gustave Roussy, em Paris, França (LBA3).

PORT no CPCNP completamente ressecado em pacientes com envolvimento nodal mediastinal (pN2) tem sido assunto de debate por muitos anos, uma vez que meta-análise publicada em 1998 lançou dúvidas sobre os benefícios nessa população de pacientes. Nesta metanálise sugeriu-se que PORT era detrimental em estádios iniciais (I e II), porém para aqueles com doença linfonodal N2 não houve efeitos adversos significantes (2). Nenhum dos 10 estudos incluídos nos dados desta metanálise utilizou quimioterapia adjuvante, padrão para os dias atuais, e 3 estudos eram dedicados a estádios mais iniciais (pN0). Destes 10 estudos, 8 permitiam utilização de radioterapia com cobalto, técnica antiga, desatualizada e não mais recomendada, potencializando toxicidades. No entanto, dados mais recentes sugeriram que a atual e mais moderna radioterapia pós-operatória pode melhorar os resultados, refletindo avanços na seleção de pacientes e a adoção de tecnologias mais sofisticadas (3,4,5,6,7).

O ensaio clínico randomizado apresentado no ESMO 2020 explorou o papel da moderna PORT do mediastino em pacientes com CPCNP completamente ressecado com envolvimento nodal comprovado histologicamente/citologicamente.

Um total de 501 pacientes foi incluído na análise de intenção de tratar, dos quais 252 receberam PORT ao longo de cinco semanas (54 Gy/27-30 frações) e 249 entraram no braço de controle (sem PORT). A radioterapia tridimensional (3D) era mandatória e a área de tratamento era limitada à estação nodal envolvida e áreas adjacentes de risco, conforme localização do tumor. A análise de segurança foi realizada em 487 pacientes. Os pacientes eram estadiados com PET/CT e imagem do cérebro e recebiam quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante ao tratamento cirúrgico.

A sobrevida livre de doença foi de 47,1% no braço PORT e 43,8% no braço controle, portanto, não estatisticamente significativa, com razão de risco de = 0,85 (IC 95% = [0,67; 1,07]; p = 0,16). A sobrevida global em três anos foi de 66,5% (IC 95% = [59; 73]) dos pacientes no braço PORT em comparação com 68,5% (IC 95% = [61; 75]) no braço controle, ambas acima do esperado. A falha mediastinal foi reduzida quase pela metade utilizando PORT, de 46% para 25%. PORT foi associado a uma diferença, não significativa, de 15% em redução de sobrevida livre de doença nos pacientes estádio IIIAN2, sem diferença em sobrevida global. 

A toxicidade cardiopulmonar foi maior para PORT (G3-4 11% vs 5%) e  de grau 3-5 precoce e tardia foi, respectivamente, 7 e 20% no PORT vs 3,2 e 7,7% no braço controle.

“A PORT não pode ser recomendada como padrão para todos os pacientes com CPCNP em estágio II e III com envolvimento nodal mediastinal. Entretanto, pode ser potencialmente útil para alguns pacientes porque diminui a taxa de recidiva mediastinal em quase 50%”, analisou a primeira autora do estudo, a radio-oncologista Cécile Le Pechoux, do Institut Gustave Roussy, em Paris, França. “Isso deve ser equilibrado com o risco de toxicidade cardiopulmonar. Precisamos fazer uma análise mais aprofundada para determinar se certos pacientes podem efetivamente se beneficiar”, acrescentou ela.

O professor Rafal Dziadziuszko, radio-oncologista da Universidade Médica de Gdansk, Polônia, comentou os resultados. “A radioterapia para o mediastino após a cirurgia e após a quimioterapia adjuvante não deve ser recomendada como padrão de tratamento. Isso mudará a prática de muitas instituições que adotaram o uso padrão da radioterapia nesses pacientes. Podemos dizer com segurança que não há benefício e existe dano potencial. Quaisquer benefícios potenciais em alguns pacientes são compensados ​​pelo risco maior de toxicidade cardiopulmonar”, analisou.

O estudo está registrado na plataforma ClinicalTrials: NCT00410683.

graficos LungART

Referências:

1 - Abstract LBA3_PR ‘An international randomized trial, comparing post-operative conformal radiotherapy (PORT) to no PORT, in patients with completely resected non-small cell lung cancer (NSCLC) and mediastinal N2 involvement. Primary end-point analysis of Lung ART (IFCT-0503, UK NCRI, SAKK) NCT00410683.’

2 - PORT Meta-analysis Trialists Group. Postoperative radiotherapy in non small-cell lung cancer: systematic review and meta-analysis of individual patient data from nine randomised controlled trials. Lancet 1998;352: 257–263

3 - Douillard JY, Rosell R, De Lena M, et al: Impact of postoperative radiation therapy on survival in patients with complete resection and stage I, II, or IIIA non-small-cell lung cancer treated with adjuvant chemotherapy: The adjuvant Navelbine International Trialist Association (ANITA) randomized trial.Int J RadiatOncol Biol Phys 72:695-701, 2008

4 - Lally BE, Zelterman D, Colasanto JM, et al: Postoperative radiotherapy for stage II or III non–small-cell lung cancer using the Surveillance, Epidemiology, and End Results database. J Clin Oncol 2006; 24:2998-3006.

5 - John L Mikell, Theresa W Gillespie, William A Hall, et al. Postoperative radiotherapy is associated with better survival in non-small cell lung cancer with involved N2 lymph nodes: results of an analysis of the National Cancer Data Base. J Thorac Oncol. 2015;10(3):462-71. doi: 10.1097/JTO.0000000000000411.

6 - Robinson CG, Patel AP, Bradley JD, et al: Postoperative radiotherapy for pathologicN2 non–small-cell lung cancer treated with adjuvant chemotherapy: A review of the National Cancer Data Base. J Clin Oncol 2015; 33:870-876.

7 - Corso CD, Rutter CE, Wilson LD, Kim AW, Decker RH, Husain ZA. Re-evaluation of the role of postoperative radiotherapy and the impact of radiation dose for non-small-cell lung cancer using the National Cancer Database. J Thorac Oncol. 2015; 10(1):148-55. doi: 10.1097/JTO.0000000000000406.