O anticorpo monoclonal anti PD-1 dostarlimab conferiu resposta completa em todos os pacientes com câncer de reto localmente avançado com deficiência no mismatch repair que receberam o agente como tratamento de primeira linha. Os resultados foram apresentados no ASCO 20221 e publicados simultaneamente na New England Journal of Medicine2. O cirurgião colorretal Rodrigo Oliva Perez (foto) analisa os resultados.
A quimioterapia e radioterapia neoadjuvantes seguidas de ressecção cirúrgica do reto é um tratamento padrão para o câncer de reto localmente avançado. Um subgrupo de pacientes é mismatch repair deficiente, e responde ao bloqueio de PD-1 no cenário metastático. “Nossa hipótese foi de que o câncer de reto mismatch repair deficiente localmente avançado é sensível ao bloqueio de checkpoint, o que poderia alterar a necessidade de quimiorradioterapia e cirurgia”, explicaram os autores.
Nesse estudo prospectivo de Fase 2, o anticorpo monoclonal anti-PD-1 dostarlimab como agente único foi administrado a cada 3 semanas por 6 meses em pacientes com adenocarcinoma de reto estágio II ou III com deficiência no mismatch repair. Este tratamento deveria ser seguido por quimiorradioterapia padrão e cirurgia. Os pacientes que tiveram uma resposta clínica completa após a conclusão da terapia com dostarlimab prosseguiriam sem quimiorradioterapia e cirurgia. Os desfechos primários foram resposta clínica completa sustentada 12 meses após a conclusão da terapia com dostarlimab ou resposta patológica completa após a conclusão da terapia com dostarlimab com ou sem quimiorradioterapia, e resposta global à terapia neoadjuvante com dostarlimab com ou sem quimiorradioterapia.
Resultados
Doze pacientes iniciaram o tratamento e têm pelo menos 6 meses de seguimento. Todos os 12 (100%, IC 95%:74%-100%) obtiveram uma resposta clínica completa sem evidência de tumor na ressonância magnética, FDG-PET, visualização endoscópica, exame de toque retal ou biópsia. Até o momento, nenhum paciente necessitou de quimiorradiação ou cirurgia, e nenhum caso de progressão ou recorrência foi observado durante o acompanhamento (intervalo de 6 a 25 meses). Não foram observados eventos adversos graves > grau 3.
“O câncer de reto localmente avançado com deficiência no mismatch repair é extremamente sensível ao bloqueio de PD-1 por agente único. É necessário um acompanhamento mais longo para avaliar a duração da resposta”, concluíram os autores.
Informações sobre o ensaio clínico: NCT04165772.
Preservação de órgão no câncer de reto com instabilidade de microssatélites – Já é hora parar comemorar?
Por Rodrigo Oliva Perez, cirurgião colorretal, coordenador do núcleo de coloproctologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e do Centro Oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo
Foi com muito entusiasmo, e até de certa forma com um pouco de euforia, que os resultados do estudo “PD-1 Blockade in Mismatch Repair–Deficient, Locally Advanced Rectal Cancer” foram recebidos depois de sua apresentação na ASCO 2022, com publicação simultânea na revista New England Journal of Medicine.
De fato, a observação de 100% de resposta clínica completa depois do tratamento com imunoterapia sem a necessidade de radioterapia ou quimioterapia é realmente surpreendente. No entanto, quem sabe um pouco de moderação caiba neste momento de euforia com um olhar crítico de quem viu a evolução e os problemas relacionados à estratégia de preservação de órgão no adenocarcinoma do reto com resposta clínica completa tratados sem cirurgia. Para isso é preciso antes entender as diferenças entre o que já se sabe e o que está sendo publicado agora.
Primeiro, a experiencia com preservação de órgão sem cirurgia até o presente momento é quase exclusivamente derivada de pacientes com adenocarcinoma de reto onde 95% dos casos são proficientes no mecanismo de reparo (portanto MMRp ou MMS). Segundo, trata-se na grande maioria dos casos de pacientes tratados com radioterapia (de curso longo) e quimioterapia concomitante (mais recentemente com o emprego de quimioterapia de consolidação).
Guardadas as devidas diferenças, vamos aos problemas com a preservação de órgãos no contexto da experiência que já existe disponível. Primeiro, uma proporção significativa (até 35%) dos casos que apresentam resposta clínica completa e são tratados sem cirurgia apresentarão recrescimento do tumor (do inglês, tumor regrowth)3,4. Ainda não está claro que todos os pacientes possam ser resgatados e que o tratamento cirúrgico ofereça os mesmos resultados quando comparado ao tratamento cirúrgico imediato depois do tratamento.
Segundo, o risco de recrescimento do tumor somente diminui de maneira significativa depois de 3 anos de uma resposta clinica sustentada.5 Terceiro, o recrescimento tumoral (que nada mais é de uma persistência do tumor disfarçada de resposta clínica completa) pode ser “pior” do ponto de vista biológico do que o próprio tumor original. As subpopulações celulares que resistem ao tratamento podem estar “super-selecionadas”, dando origem a um tumor com maior potencial de agressividade biológica que sua contrapartida original.6
Por último, pacientes com recrescimento tumoral parecem estar sob maior risco de desenvolvimento de metástases à distância. Pacientes que têm resposta clínica completa apresentam risco de metástases que passa a ser mínimo a partir de 5 anos desde o diagnóstico do tumor primário. Em pacientes com recrescimento do tumor, o risco de metástases à distância somente diminui com 5 anos do diagnóstico do recrescimento do tumor (e não do tumor primário).7
Neste contexto, com um número restrito de pacientes tratados com imunoterapia, seguimento limitado de (mediana) 12 meses e com padrão ainda desconhecido de recrescimento do tumor, tanto do ponto de vista local, como do ponto de vista de disseminação metastática, um mínimo de moderação é altamente recomendado aqui antes de qualquer comemoração antecipada. Até que tenhamos dados um pouco mais robustos, com número maior de pacientes, seguimento mais prolongado e dados objetivos de resgate local e sistêmico de pacientes com recrescimento do tumor, a impressão é de que neste momento estamos diante de dados muito preliminares, apesar de muito promissores.
Não há dúvida de que os tumores MMRd respondem ao bloqueio de PD-1. Que isto seja suficiente para o tratamento sem cirurgia com preservação de órgão, talvez seja outra história que ainda não está esclarecida. Aguardaremos as cenas dos próximos capítulos.
Referências:
1 - Single agent PD-1 blockade as curative-intent treatment in mismatch repair deficient locally advanced rectal cancer.
First Author: Andrea Cercek, MD
Meeting: 2022 ASCO Annual Meeting
Session Type: Oral Abstract Session
Session Title: Late-Breaking Abstract Session: Presentation and Discussion of LBA5
Abstract #: LBA5
DOI: 10.1200/JCO.2022.40.17_suppl.LBA5
2 - PD-1 Blockade in Mismatch Repair–Deficient, Locally Advanced Rectal Cancer - Andrea Cercek, M.D., Melissa Lumish, M.D., Jenna Sinopoli, N.P., Jill Weiss, B.A., Jinru Shia, M.D., Michelle Lamendola-Essel, D.H.Sc., Imane H. El Dika, M.D., Neil Segal, M.D., Marina Shcherba, M.D., Ryan Sugarman, M.D., Ph.D., Zsofia Stadler, M.D., Rona Yaeger, M.D., J. Joshua Smith, M.D., Ph.D., Benoit Rousseau, M.D., Ph.D., Guillem Argiles, M.D., Miteshkumar Patel, M.S., Avni Desai, M.D., Leonard B. Saltz, M.D., Maria Widmar, M.D., Krishna Iyer, M.D., Ph.D., Janie Zhang, M.D., Nicole Gianino, M.S., Christopher Crane, M.D., Paul B. Romesser, M.D., Emmanouil P. Pappou, M.D., Ph.D., Philip Paty, M.D., Julio Garcia-Aguilar, M.D., Mithat Gonen, Ph.D., Marc Gollub, M.D., Martin R. Weiser, M.D., Kurt A. Schalper, M.D., Ph.D., and Luis A. Diaz, Jr., M.D. - June 5, 2022 - DOI: 10.1056/NEJMoa2201445
3 - van der Valk MJM, Hilling DE, Bastiaannet E, Meershoek-Klein Kranenbarg E, Beets GL, Figueiredo NL, et al. Long-term outcomes of clinical complete responders after neoadjuvant treatment for rectal cancer in the International Watch & Wait Database (IWWD): an international multicentre registry study. Lancet. 2018;391(10139):2537-45.
4 - Dattani M, Heald RJ, Goussous G, Broadhurst J, São Julião GP, Habr-Gama A, et al. Oncological and Survival Outcomes in Watch and Wait Patients With a Clinical Complete Response After Neoadjuvant Chemoradiotherapy for Rectal Cancer: A Systematic Review and Pooled Analysis. Ann Surg. 2018;268(6):955-67.
5 - Fernandez LM, Sao Juliao GP, Figueiredo NL, Beets GL, van der Valk MJM, Bahadoer RR, et al. Conditional recurrence-free survival of clinical complete responders managed by watch and wait after neoadjuvant chemoradiotherapy for rectal cancer in the International Watch & Wait Database: a retrospective, international, multicentre registry study. Lancet Oncol. 2021;22(1):43-50.
6 - Bettoni F, Masotti C, Correa BR, Donnard E, Dos Santos FF, Sao Juliao GP, et al. The Effects of Neoadjuvant Chemoradiation in Locally Advanced Rectal Cancer-The Impact in Intratumoral Heterogeneity. Front Oncol. 2019;9:974.
7 - Fernandez LM SJG, Renehan AG, Beets GL, Papoila AL, Vailati BB, Bahadoer RR, Kranenbarg EMK, Roodvoets AGH, Figueiredo NL, Van De Velde CJH, Habr-Gama A, Perez RO, International Watch & Wait Database Consortium (IWWD). The risk of distant metastases in patients with clinical complete response managed by watch & wait after neoadjuvant therapy for rectal cancer – The influence of local regrowth in the International Watch and Wait Database (IWWD). Dis Colon Rectum. 2022;(Forthcoming).