A quimiorradioterapia concomitante (CCRT) usando cisplatina a cada 3 semanas (DDP) 100mg/m2 por 3 ciclos é considerada a opção não cirúrgica padrão para o tratamento do carcinoma espinocelular localmente avançado de cabeça e pescoço (LAHNSCC). Muitos preferem cisplatina (DDP 40 mg/m2) semanalmente, assumindo que não seja inferior, com melhor radiosensibilização e menos toxicidade, mas não existem evidências robustas para apoiar a prática. Agora, estudo de não inferioridade selecionado para apresentação oral no ASCO 2022 demonstrou que a CCRT com DDP semanal não é inferior a DDP a cada 3 semanas, é melhor tolerada, com menos interrupções, hospitalizações e toxicidade e deve ser considerada como um dos padrões de tratamento. O oncologista Thiago Bueno Oliveira (foto), do A.C.Camargo Cancer Center, comenta os resultados.
Esse ensaio clínico randomizado, multicêntrico, de não inferioridade, comparou DDP 100 mg/m2 (Controle como C) a cada 3 semanas por 3 ciclos x DDP 40 mg/m2 (Teste como T) semanalmente por 7 semanas com radioterapia concomitante como terapia definitiva no carcinoma espinocelular localmente avançado de cabeça e pescoço não nasofaríngeo. O endpoint primário foi a taxa de controle locorregional (LRC) em 2 anos. Endpoints secundários incluíram sobrevida global, sobrevida livre de progressão, toxicidade, conformidade, entre outros. Assumindo taxa de controle locorregional de 60%, poder de 80%, erro alfa de 5% e margem de não inferioridade de 10%, foram necessários 143 pacientes em cada braço (incluindo 10% não avaliáveis).
Resultados
Entre abril de 2018 e janeiro de 2021, foram randomizados 278 pacientes. A mediana de idade foi de 56 anos (variação 19-70), e 89,6% eram do sexo masculino. Os sítios primários foram orofaringe (59,6%), laringe (17,5%), hipofaringe e cavidade oral (11,6%). O estágio TNM foi estágio III (29,1%), estágio IVA (50,5%) e IVB (20,4%). 13% dos orofaríngeos que foram testados para p16 foram considerados positivos. ECOG PS foi de 0-1 em 78,9%. 135 em cada braço foram elegíveis para tratamento e 132 receberam alguma forma de tratamento.
As características do baseline (Chi square/Fisher’s exact test) foram bem equilibradas, exceto maior número de pacientes com FEVE <50% no braço T (p=0,035). 87,2% dos pacientes no braço C e 81,6% no braço T receberam ≥ 60 Grays (p=0,94), 78,6% no braço C e 81,6% dos pacientes no braço T receberam ≥ 200 mg/m2 de DDP (p=0,31). Houve mais atrasos no tratamento no braço C (p = NS).
Interrupções de tratamentos (p=0,035), hospitalizações (p=0,004), uso de fluidos IV adicionais (p= <0,001), mucosite (p=0,029), mielossupressão (P=0,021), toxicidade renal (p=< 0,001), vômitos (p=0,002), hiponatremia (p=0,004) foram todos significativamente maiores no braço C. Houve 10 mortes por toxicidade no braço C e 7 no braço T. 81,6% no braço C e 85,4% dos pacientes no braço T alcançaram resposta completa (CR) + resposta parcial (PR; p = 0,055). As taxas de controle locorregional em 2 anos foram 57,69% no braço C e 61,53% no braço T, com uma diferença absoluta de 3,84% (one sided 95% CI= -6.15, 13.80), que está dentro da margem de não inferioridade pré-definida de -10%.
As taxas cumulativas de controle locorregional em 2 anos foram 52,6% em T e 47,4% em C (log-rank p = 0,426; HR 0,86 [IC 95%: 0,60-1,23]) por estimativas paramétricas de sobrevida, com uma diferença absoluta de 5,2% (95% CI = -7,7, 18,2), novamente dentro da margem pré-definida. Não houve diferença significativa na mediana de tempo para falha locorregional (C=21,23 meses e T= NR; p=0,45), sobrevida global (C=30,50 meses e T= 25,46; p=0,59) e sobrevida livre de progressão (C= 20,60 meses e T= 20,66; p=0,46).
“Este ensaio acadêmico confirma que a CCRT com DDP semanal não é inferior a 3 DDP a cada 3 semanas, é mais bem tolerada e com menos interrupções, hospitalizações e toxicidade, e deve agora ser considerada como um dos padrões de tratamento nessa população de pacientes”, concluíram os autores.
Para Bueno, este é mais um estudo randomizado comprovando a não inferioridade de cisplatina 40 mg/m2 semanal concomitante a radioterapia em comparação com doses altas (100 mg/m2 D1, D22 e D43) em câncer de cabeça e pescoço localmente avançado, seja no cenário de tratamento definitivo ou adjuvante. “Cabe chamar a atenção nestes trabalhos a dose intensidade do tratamento, com a maioria dos pacientes atingindo dose cumulativa de cisplatina maior ou igual a 200 mg/m2. Este, provavelmente, é o aspecto mais importante da quimiorradioterapia baseada em cisplatina, a dose acumulada, independente da posologia utilizada”, avalia.
Informações sobre o ensaio clínico: CTRI/2018/03/012422.
Referência: An open-label, noninferiority phase III RCT of weekly versus three weekly cisplatin and radical radiotherapy in locally advanced head and neck squamous cell carcinoma (ConCERT trial).
First Author: Atul Sharma, MD
Meeting: 2022 ASCO Annual Meeting
Session Type: Oral Abstract Session
Session Title: Head and Neck Cancer
Track: Head and Neck Cancer
Subtrack: Local-Regional
Abstract #: 6004
Clinical Trial Registry Number: CTRI/2018/03/012422
Citation: J Clin Oncol 40, 2022 (suppl 16; abstr 6004)
DOI: 10.1200/JCO.2022.40.16_suppl.6004