Onconews - NExTstudy: qual o melhor regime neoadjuvante no câncer de esôfago avançado?

juliana florinda rêgo 22 bxO tratamento neoadjuvante é o padrão de cuidados para carcinoma esofágico de células escamosas (ESCC), em pacientes com doença localmente avançada. Estudo apresentado em sessão oral no ASCO GI 2022 comparou o duplo e o triplo regime de quimioterapia e quimiorradioterapia como opção de tratamento neoadjuvante. Juliana Florinda Rego (foto), oncologista do Hospital Universitário Onofre Lopes (UFRN) e da Clínica Oncocentro/AMO, e diretora do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), analisa os resultados do trabalho.

Foram inscritos pacientes com ESCC estágio clínico IB, II, III (excluindo T4, UICC 7ª edição) de 44 instituições. Os pacientes elegíveis foram randomizados 1:1:1 para CF neoadjuvante (cisplatina 80 mg/m2 no dia 1 mais 5-FU 800 mg/m2 nos dias 1-5 Q3W /2 curso), DCF (docetaxel 70 mg/m2 no dia 1, cisplatina 70 mg/m2 no dia 1, mais 5-FU 750 mg/m2 nos dias 1-5 Q3W/3 curso), ou CF-RT (cisplatina 75 mg/m2 no dia 1 mais 5-FU 1000 mg/m2 nos dias 1-4 Q4W/2c urso, radiação 41,4 Gy/23 fr). O endpoint primário foi a sobrevida global (SG). Endpoints secundários incluíram sobrevida livre de progressão (SLP, percentual de ressecção R0, percentual de resposta objetiva por terapia neoadjuvante, resposta patológica completa (pCR) e segurança. As diferenças na SG foram avaliadas por intenção de tratar (ITT) usando o teste de log-rank estratificado. A data de corte dos dados para análise foi 20 de julho de 2021.

Resultados

Os autores descrevem que 601 pacientes foram inscritos de 5 de dezembro de 2012 a 20 de julho de 2018, compreendendo os diferentes regimes:  199 CF,202 DCF e 200 CF-RT, sendo 88,2% homens com idade mediana de 65 anos (30-75), 62,6% com estágio clínico III (não T4).

Em um acompanhamento (intervalo) mediano de 4,2 anos, a SG mediana nos braços CF, DCF e CF-RT foi de 4,6 anos, não alcançado (NR) e 6,0 anos, respectivamente. A SG em 3 anos foi de 62,6%, 72,1% e 68,3%, respectivamente (teste de log-rank estratificado: p = 0,006 para CF vs. DCF ep = 0,12 para CF vs. CF-RT). Pela análise de regressão de Cox estratificada para SG, a razão de risco (HR) [IC 95%] foi de 0,68 [0,50–0,92] para CF vs. DCF e de 0,84 [0,63-1,12] para FC vs. CF-RT.

A mediana de sobrevida livre de progressão nos braços CF, DCF e CF-RT foi de 2,7 anos, NR e 1 ano, enquanto a SLP em 3 anos foi de 47,7%, 61,8% e 58,5%, respectivamente. A ressecção R0 foi alcançada em 168 (84,4%), 173 (85,6%) e 175 (87,5%) pacientes, enquanto a resposta patológica completa (pCR) foi de 4 (2,2%), 34 (18,6%) e 65 (36,7%), respectivamente.

Em relação à segurança, durante a terapia neoadjuvante, neutropenia febril no braço CF, DCF e CF-RT foi de 1,0%, 16,3% e 4,7%, e esofagite (grau>3) ocorreu em 1,0%, 1,0% e 8,9%, respectivamente. A morte relacionada ao tratamento foi observada em 3 (1,5%), 4 (2,0%) e 2 (1,0%) pacientes nos braços CF, DCF e CF-RT, respectivamente.

“A DCF melhorou significativamente a SG em relação à CF como terapia neoadjuvante para ESCC localmente avançado, com perfil de toxicidade gerenciável. DCF representa um novo padrão de tratamento neoadjuvante para essa população”, concluem os autores.

Informações adicionais sobre o ensaio clínico: UMIN000009482. 

Resultados não devem implicar em mudança de conduta no país

Por Juliana Florinda Rêgo (foto), oncologista do Hospital Universitário Onofre Lopes (UFRN) e da Clínica Oncocentro/AMO, e diretora do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)

O estudo de fase III (NExTstudy) é um estudo asiático que analisou 3 regimes de tratamento neoadjuvante para o carcinoma epidermóide de esôfago, sendo o braço controle a quimioterapia exclusiva com cisplatina e 5-FU (DCF versus CF e CF-RT versus CF). Como mostrado acima, houve um ganho de sobrevida global para o grupo da quimioterapia tripla (mSG: NR vs 4,6 anos), além de uma maior taxa de resposta (72,1% vs 62,6%); porém, estes ganhos foram à custa de uma maior toxicidade medular (neutropenia febril 16,3% versus 1%). Já o braço da quimiorradioterapia, apesar de ter apresentado uma maior taxa de resposta patológica completa (36,7% vs 2,2%), não mostrou ganho significativamente estatístico em sobrevida global e em sobrevida livre de progressão. 

Alguns pontos merecem destaque neste estudo. O primeiro deles é que a população incluída foi exclusivamente asiática. Além disso, o braço controle escolhido foi diferente do que é utilizado como padrão na maioria dos centros brasileiros (QT com carboplatina + paclitaxel associada a RT - estudo CROSS - N Engl J Med 366:2074, 2012). Somado a isso, recentemente tivemos a incorporação do nivolumabe adjuvante naqueles pacientes que não obtiveram resposta patológica completa após terapia trimodal (QT + RT + cirurgia) - N Engl J Med 384:1191, 2021 - o que não foi utilizado em nenhum dos braços do estudo. Desta forma, sem a inclusão da terapia padrão atual adotada em nossos centros (QT + RT + cirurgia + nivomumabe) como braço controle, a aplicabilidade destes dados para nossa realidade é baixa e acredito que não implicará em mudança de conduta pelos oncologistas brasileiros. 

Talvez, em um cenário em que não seja possível utilizar a radioterapia neoadjuvante aos moldes do estudo CROSS, fazer quimioterapia exclusiva com DCF seja uma opção interessante a ser considerada, com a devida atenção para a toxidade esperada com este esquema terapêutico. Este cenário de tratamento neoadjuvante com quimioterapia exclusiva em neoplasia de esôfago já havia sido discutido na ASCO 2021 com a publicação dos dados iniciais do estudo Neo-AEGIS, no qual, o uso de QT + RT foi semelhante à QT exclusiva ((ECF/ECX/EOF/EOX pre-2018, FLOT em 2019/20) nos adenocarcinomas de esôfago. Apesar de histologias diferentes em relação ao JCOG1109, estes dados endossam a idéia da quimioterapia neoadjuvante quando a radioterapia não puder ser realizada.

Referência: A randomized controlled phase III trial comparing two chemotherapy regimen and chemoradiotherapy regimen as neoadjuvant treatment for locally advanced esophageal cancer, JCOG1109 NExTstudy
First Author: Ken Kato, MD, PhD
Meeting: 2022 ASCO Gastrointestinal Cancers Symposium
Session Type: Oral Abstract Session
Session Title: Oral Abstract Session A: Cancers of the Esophagus and Stomach
Track: Esophageal and Gastric Cancer
Subtrack: Therapeutics
Abstract #: 238
Clinical Trial Registry Number: UMIN000009482
DOI: 10.1200/JCO.2022.40.4_suppl.238