A sustentabilidade está no centro de muitas discussões no Congresso anual da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO 2022), que acontece entre os dias 9 e 13 de setembro, em Paris, França. “Por definição, sustentabilidade é ser capaz de manter processos importantes e de alta qualidade ao longo do tempo. Na oncologia, vendo o aumento dos casos de câncer, precisamos nos perguntar como podemos garantir que o processo essencial de cuidar dos pacientes possa ser mantido”, disse a presidente da ESMO, Solange Peters, em conferência de imprensa na abertura do encontro.
“A sustentabilidade engloba a noção de evitar a degradação, o que significa que também temos que olhar para a manutenção da qualidade – que, no câncer, inclui a disponibilidade e o acesso a medicamentos anticâncer. Também inclui qualidade de vida, que ainda depende do meio ambiente, e como Sociedade precisamos começar a olhar para a sustentabilidade ambiental de tudo o que fazemos”, acrescentou.
Ressaltando a natureza multifacetada da sustentabilidade como um objetivo social, o Late Breaking Abstract 1 (LBA1) apresentado no evento oferece uma compreensão mais profunda da relação há muito estabelecida entre poluição do ar e câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) em indivíduos que nunca fumaram, evidenciando o vínculo entre as mudanças climáticas e a saúde humana. “A poluição tem uma associação conhecida com o câncer de pulmão, mas não sabíamos se, e como, ela causa diretamente a doença”, disse o autor do estudo e co-presidente científico do ESMO 2022, Charles Swanton, do Francis Crick Institute e Cancer Research UK Chief Clinician, em Londres, Reino Unido.1
A pesquisa, baseada em estudos humanos e de laboratório, mostrou para uma população de quase meio milhão de pessoas que vivem na Inglaterra, Coréia do Sul e Taiwan que a exposição a concentrações crescentes de partículas no ar (PM) de 2,5 micrômetros (μm) de diâmetro estava ligada a aumento do risco de CPCNP com mutações no gene EGFR, conhecidas por estarem presentes em cerca de metade das pessoas com câncer de pulmão que nunca fumaram. Em modelos de camundongos de laboratório, as mesmas partículas poluentes (PM2.5) foram vistas como causadoras diretas do câncer de pulmão, agindo através da inflamação do tecido pulmonar, conduzindo a liberação da molécula interleucina-1β, que faz com que as células epiteliais se transdiferenciem em células cancerígenas. Na presença de mutações no EGFR e em outro gene ligado ao câncer de pulmão, KRAS, essas células podem florescer em um tumor.
“Essas mutações podem ser encontradas em mais da metade das biópsias de tecido pulmonar normal e são um processo natural do envelhecimento. Eles são necessários, mas não suficientes para provocar o câncer: é em combinação com a poluição que as células-tronco cancerígenas podem se expandir e iniciar um tumor. Isso começa a explicar como carcinógenos ambientais que não induzem a mutações no DNA podem causar câncer”, disse Swanton, derivando dessa descoberta um mandato de saúde pública para diminuir os níveis desses poluentes, que são produzidos pela combustão de combustíveis fósseis. “Temos que alcançar uma redução de 50% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 e, ao fazê-lo, reduziremos naturalmente os níveis de PM2.5. Todos nós podemos desempenhar um papel aqui: precisamos pedalar mais, caminhar mais. Vale a pena ter em mente que o PM2.5 causa 8 milhões de mortes por ano, não apenas devido ao câncer, mas também a outras doenças como doenças cardiovasculares, derrames, demência – isso é mais do que as mortes causadas pelo tabaco em todo o mundo”, destacou.
À luz do fato de que sua pesquisa confirmou que o bloqueio da interleucina-1β poderia inibir o início do câncer de pulmão, bloqueando a transformação induzida pela poluição das células das vias aéreas em células-tronco cancerígenas, Swanton também sugeriu que o direcionamento da interleucina-1β deve ser mais explorado como uma nova abordagem potencial para a prevenção do câncer.
Prevenção é a estratégia mais sustentável
As descobertas ocorrem em um contexto em que a incidência global de câncer respiratório está aumentando, com novos casos anuais previstos para saltar cerca de 70% nas próximas duas décadas. Somente na Europa, tendências semelhantes observadas para outras doenças malignas podem resultar em um aumento na mortalidade geral por câncer, de 2 milhões de mortes anuais em 2020 para até 3 milhões em 2040.2 Como se acredita que até metade de todos os cânceres pode ser evitável, a prevenção é considerada pela Organização Mundial da Saúde como a estratégia mais custo-efetiva e, portanto, a mais sustentável para o controle do câncer em longo prazo.
“A Visão ESMO 2025, deixou muito claro que, se quisermos ter sucesso no combate ao câncer, precisamos desenvolver um plano claro para prevenção primária e secundária, continuar a oferecer os melhores cuidados para tumores que não podem ser prevenidos e apoiar adequadamente a sobrevida ao câncer. Concentrar-se em apenas uma dessas áreas e negligenciar as outras levaria ao fracasso”, disse a Diretora de Políticas Públicas da ESMO, Rosa Giuliani.
Em linha com o compromisso da Sociedade de promover a prevenção do câncer baseada em pesquisa, representantes da ESMO se juntaram à Lena Sharp, membro do Conselho Executivo da European Oncology Nursing Society (EONS), Regional Cancer Centre, Estocolmo, Suécia, para anunciar o lançamento da Cancer Prevention across Europe Campaign (PrEvCan).
Liderada pela EONS com a ESMO como parceira principal ao lado de outras organizações internacionais, a campanha, durante um período de um ano, dedicará cada mês a promover e explicar as evidências científicas para cada uma das 12 recomendações do Código Europeu Contra o Câncer (ECAC) para prevenir a doença, começando em outubro com o tabagismo como um dos mais importantes fatores de risco de câncer.
A campanha terá como alvo não só o público em geral, incluindo os grupos mais vulneráveis que podem ser difíceis de alcançar com promoção da saúde e aconselhamento sobre estilo de vida, mas igualmente profissionais de saúde, que, de acordo com Sharp, podem desempenhar um papel mais proeminente no apoio a programas de vacinação e triagem.
“Durante algum tempo, acreditamos que a prevenção deveria estar sob responsabilidade dos médicos de família, mas começamos a entender que a prevenção da doença deve estar, pelo menos em parte, nas mãos dos especialistas de uma doença específica, para convencer as pessoas sobre sua importância. Particularmente após a COVID, um certo grau de suspeita pode acontecer na medicina. Você precisa ter certeza de que tudo o que você propõe tem uma base – e uma dessas bases para a prevenção do câncer é a carga do câncer, o que ele representa não apenas em termos de anos de vida perdidos, mas também em termos de sustentabilidade de nossas sociedades e sistemas de saúde”, afirmou a presidente da ESMO, ressaltando que os oncologistas devem ver a prevenção como parte integrante do cuidado oncológico, também porque a ciência da prevenção ainda requer mais dados.
A importância de detecção precoce
Para tumores que atualmente não são evitáveis, o rastreamento e a detecção precoce têm o potencial de maximizar as chances de sobrevida dos indivíduos e aliviar a carga sobre os sistemas de saúde, reduzindo a proporção de pacientes com doença avançada que necessitam de terapias e cuidados crônicos e caros.
Um estudo apresentado na edição deste ano pode levar a uma grande mudança de paradigma neste campo ao confirmar a viabilidade de um teste sanguíneo para a detecção precoce de vários tumores (do inglês, multi-cancer early detection - MCED) como método de triagem para até 50 tipos diferentes de câncer simultaneamente.3
“Este é um dos primeiros estudos em que a detecção do DNA do câncer no sangue nos permitiu detectar o câncer em um estágio inicial”, disse o co-presidente científico do ESMO 2022, Fabrice André, oncologista do Institute Gustave Roussy, em Villejuif, França. “Se esse teste funcionar, no futuro, será uma boa notícia para os pacientes, mas a maioria dos centros de câncer não está equipada para aumentar as cirurgias para centenas de pacientes com tumores em estágio inicial. Com este estudo de referência, surge a necessidade de um alerta para que os hospitais vejam o que acontecerá em 10 anos e comecem a trabalhar em sua infraestrutura”, observou.
“A ESMO 2022 é uma celebração da colaboração entre cientistas básicos e profissionais de saúde para promover o melhor cuidado aos nossos pacientes. Alguns dos avanços que serão discutidos nos próximos quatro dias vieram da pesquisa básica, de estudos biológicos de vermes, leveduras, bactérias e plantas – mas levaram 30 ou 40 anos de ciência meticulosa. Precisamos que nossos financiadores reconheçam isso e sustentem o investimento em pesquisas básicas para gerar os medicamentos do futuro”, afirmou Swanton, destacando o tempo e a persistência necessários para transformar resultados de pesquisas promissores em inovações significativas para os pacientes.
Confira a cobertura completa do ESMO 2022 no ONCONEWS.
Referências:
1 LBA1 ‘Mechanism of action and an actionable inflammatory axis for air pollution induced non-small cell lung cancer in never smokers’ será apresentado por Charles Swanton na Presidential Symposium 1 – Sábado, 10 de setembro, 16:30 a 18:00 CEST no Paris Auditorium. Annals of Oncology, Volume 33 Supplement 7, September 2022
2 Globocan
3 Abstract 903O ‘A prospective study of a multi-cancer early detection blood test’ será apresentado por Deb Schrag na proffered paper session “Basic science and translational research” - Domingo, 11 de setembro, 16:30 a 18:00 CEST no Orléans Auditorium. Annals of Oncology, Volume 33 Supplement 7, September 2022
4 The ESMO ANMS 2.0 survey about access to cancer medicines será discutida na educational session “The Universal Health Coverage (UHC) dilemma: Can we afford to pay for what we want?” – Sábado, 10 de setembro, 8:30 a 10:00 CEST no Marseille Auditorium