Estudo apresentado no ESMO GI 2022 avaliou o impacto da mutação BRAF-V600E nas características imunológicas do microambiente tumoral (TME) e alterações genômicas associadas em pacientes com câncer colorretal (CRC) com alta instabilidade de microssatélites (MSI-H) ou deficiência de reparo (dMMR). O oncologista André Murad (foto) analisa os resultados.
A variante V600E do gene BRAF e o status MSI-H/dMMR parecem estar biologicamente interligados, mas o real impacto desta variante no microambiente tumoral e nas características imunometabolômicas de tumores CCR MSI-H/dMMR ainda não está bem caracterizado.
Nesta análise, os pesquisadores avaliaram tumores com mutação BRAF-V600E, considerando carga de mutação tumoral (TMB), carga tumoral de neoantígeno (NTB, ScanNeo), expressão de PD-L1, imunoinfiltração e vias imunometabolômicas canônicas (82 assinaturas de genes). Foram analisados 459 tumores CCR MSI-H/dMMR, dos quais 123 (27%) abrigavam mutações BRAF V600E e 336 (73%) eram BRAF selvagem (wt).
Os autores identificaram que os tumores MSI-H/dMMR BRAF V600E foram mais frequentes em mulheres (69% vs. 55%; p = 0,01), não hispânicos ou não latinos (100% vs. 73%; p = 0,001), assim como em pacientes mais velhos (idade mediana: 76 anos vs. 62 anos; em comparação com o BRAFwt, os tumores BRAFV600E exibiram TMB significativamente maior (mediana: 49 mut/MB vs. 36 mut/MB; p < 0,001) e foram mais frequentemente associados ao status TMB-Alto (> 10 mut/MB; 100% vs. 95 %; p = 0,008); no entanto, não foram observadas diferenças significativas para carga tumoral de neoantígenos, escore imunológico ou infiltração de células T (CD4 ou CD8). A infiltração de células NK foi maior na coorte BRAFV600E (tumores BRAFwt, tumores BRAF V600E abrigaram maior frequência de mutações em MSH6 (42% vs. 20%), B2M (33% vs. 16%), BRCA2 (31% vs. 12%), ATM (23% vs. 12%) e TP53 (30% vs. 19%), mas menor frequência de MSH2 (3,3% vs. 11%).
Em todos os tumores BRAF V600E a análise identificou glicerofosfolipídio, galactose, sinalização celular dependente de ciclina, nucleotídeo e inflamação TH1. Cinco vias foram reguladas negativamente (Wnt, Notch, inflamação TH17, amino açúcar e sinalização de células-tronco de câncer).
"O câncer colorretal com alta instabilidade de microssatélites ou deficiência de reparo e mutação BRAF V600E sofre ampla reprogramação metabólica (por exemplo, glicerofosfolipídio, galactose, nucleotídeo). Um aumento no metabolismo lipídico, particularmente com inflamação NK, sugere que os tumores com mutação BRAF V600E podem estar associados a um componente imune não clássico. BRAF V600E e BRAF wtCRCs exibiram infiltração de células NT e T semelhantes, sugerindo que ambos provavelmente se beneficiam de inibidores de checkpoint imunológico", conclui a análise.
André Murad observa que a identificação do subgrupo de CCR que apresenta MSI-H/dMMR é atualmente imprescindível porque o tratamento de escolha nesse cenário são os inibidores de checkpoint imunológico. No entanto, cerca de 1% a 2% dos CCR MSI-H/dMMR também apresentam a mutação BRAF V600E. “Esse estudo se propôs a responder a questão: qual é o impacto da mutação BRAF V600E no microambiente imunológico dos pacientes com CCR MSI-H/dMMR?”, explica.
“Nesta revisão retrospectiva de mais de 450 pacientes, todos tinham status MSI-H ou dMMR, e o status da mutação BRAF era conhecido. Os autores compararam então o microambiente imunológico dos dois subgrupos de tumores: BRAF wt e BRAF com mutação V600E. Os resultados demonstraram que provavelmente ambos os genótipos carregam o mesmo microambiente imunológico, o que igualmente sugere que ambos também se beneficiam com o tratamento com inibidores de checkpoint imunológico, o que foi corroborado nas análises de subgrupos do ensaio clínico KEYNOTE-177, que comparou o uso de pembrolizumabe versus quimioterapia como tratamento de primeira linha para pacientes com CCR avançado MSI-H/dMMR”, contextualiza o especialista.
“Diante desses resultados, a pergunta seguinte a ser respondida é: devemos combinar inibidores de checkpoint, inibidores de BRAF e inibidores de EGFR no intuito de melhorarmos ainda mais os resultados obtidos com a imunoterapia isolada em primeira linha para pacientes com CRC MSI-H/dMMR e com mutação de BRAF-V600E? Novos ensaios clínicos estão em andamento para que esta pergunta possa ser em breve respondida”, diz.
“Outro questionamento que precisa ser equacionado através de ensaios clínicos bem desenhados, uma vez que a imunoterapia passa a ser a opção de primeira linha para pacientes com CCR avançado MSI-H/dMMR, é qual será a melhor opção de segunda linha nos casos de progressão ou não resposta, como o uso de quimioterapia associada a terapia anti-EGFR para tumores BRAF/KRAS/NRAS wt e a combinação de terapia direcionada para BRAF mais terapia anti-EGFR para um pacientes cujos tumores apresentem mutação BRAF-V600E”, conclui Murad.
Referência: LBA SO-34 Impact of BRAF-V600E mutation on immunologic characteristics of the tumor microenvironment (TME) and associated genomic alterations in patients with microsatellite instability-high (MSI-H) or mismatch-repairedeficient (dMMR) colorectal cancer (CRC) - M. Salém et al.