O regime fluorouracil, leucovorina, irinotecano e oxaliplatina (FOLFIRINOX) já tem demonstrado melhor sobrevida no adenocarcinoma pancreático metastático e resultados promissores como quimioterapia de downstaging e neoadjuvante nos tumores localmente avançados. No ASCO 2023, estudo de fase 2 que avaliou a eficácia de FOLFIRINOX perioperatório em dois grupos, antes da cirurgia ou apenas após em pacientes com câncer pancreático ressecável mostrou resultados que não suportam a quimioterapia neoadjuvante como padrão de tratamento para esses pacientes. O cirurgião oncológico Felipe Coimbra (foto), líder do Centro de Referência de Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo Cancer Center, comenta os resultados.
Neste estudo randomizado de fase 2 (NORPACT-1) foram incluídos pacientes de 12 centros nórdicos no período de 2017-2021. Os pacientes com câncer de cabeça de pâncreas ressecável foram randomizados para receber quatro ciclos neoadjuvantes de FOLFIRINOX seguidos de cirurgia e oito ciclos adjuvantes de mFOLFIRINOX ou cirurgia inicial e mFOLFIRINOX adjuvante (12 ciclos). O endpoint primário foi a sobrevida global em 18 meses após a data de randomização (intenção de tratar (ITT)). A sobrevida global foi estimada com o método Kaplan-Meier e as diferenças entre os braços de tratamento foram analisadas com testes log rank.
Resultados
Os autores descrevem que 140 pacientes foram randomizados (quimioterapia neoadjuvante, n=77; cirurgia inicial, n=63). A idade média foi de 66,5 anos (IQR 59, 72), enquanto 115 (82,1%) e 25 (17,9%) pacientes apresentavam ECOG 0 e 1, respectivamente. A SG mediana por ITT foi de 25,1 meses [95% CI 17,2-34,9] com quimioterapia neoadjuvante e 38,5 meses [95% CI 27,6-não atingido] com cirurgia inicial (p=0,096). A proporção de pacientes vivos em 18 meses por ITT foi de 59,7% [IC 95% 48,9-70,7] e 73,0% [IC 95% 62,0-84,0], respectivamente (p=0,100). As taxas de ressecção foram de 81,8% (63/77) no grupo neoadjuvante e de 88,9% (56/63) no grupo de cirurgia inicial (p=0,342). No grupo neoadjuvante, 61 (79,2%) pacientes iniciaram FOLFIRINOX neoadjuvante.
A conclusão dos quatro ciclos planejados foi de 60%, com reduções de dose e atrasos em 70% e 28,3%. A análise por protocolo (PP) de 60 pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) que receberam no mínimo um ciclo de FOLFIRINOX neoadjuvante em comparação com 55 pacientes no braço de cirurgia inicial mostrou SG mediana de 23,0 meses [95% CI 16,2-34,9] e 34,4 meses [IC 95% 19,4-não atingido] (p=0,158). A taxa de início de quimioterapia adjuvante foi de 66,2% e 74,6% (p=0,282) por ITT. Em pacientes com PDAC ressecado, a taxa foi de 86,4% e 89,8% (p=0,593).
Em relação à segurança, de 120 pacientes recebendo pelo menos uma dose de quimioterapia neoadjuvante e/ou adjuvante (população de segurança), 57,5% (42/73) no grupo neoadjuvante e 40,4% (19/47) no grupo de cirurgia inicial apresentaram pelo menos um evento adverso grau ≥ 3 (p=0,067). Na análise por protocolo, FOLFIRINOX neoadjuvante foi associado a uma taxa significativamente maior de ressecção N0 (p=0,002) e R0 (p=0,011).
“FOLFIRINOX neoadjuvante não melhorou a sobrevida global em comparação com a cirurgia inicial no câncer de cabeça de pâncreas ressecável. Nossos resultados não suportam a quimioterapia neoadjuvante como padrão de tratamento para esses pacientes”, afirmam os autores.
Coimbra ressalta que se trata de um dos poucos estudos que avaliaram o uso de quimioterapia neoadjuvante em pacientes com tumores ressecáveis baseados em parâmetros anatômicos, sem, no entanto, considerar fatores biológicos como a presença de linfonodomegalias, elevação do marcador CA 19.9, sintomas ou outros pontos normalmente considerados na prática clínica na maioria dos centros de tratamento de câncer pancreático, assim como fatores clínicos. “Não há também, por ora, informações sobre protocolos de drenagem de via biliar ou biópsia pré-operatória”, diz.
Para o especialista, este resultado se torna especialmente curioso pela contradição dos dados favoráveis pela cirurgia, em que o grupo que fez neoadjuvância teve maior taxa de ressecção R0 e menos linfonodos comprometidos, provavelmente pelo efeito de downstaging da quimioterapia, indicando tendências aparentemente paradoxais. “Provavelmente o seguimento de longo prazo da sobrevida destes pacientes deve ajudar a esclarecer tais resultados. De qualquer forma, não há realmente como indicar FOLFIRINOX neoadjuvante em adenocarcinoma de cabeça de pâncreas baseados nos resultados deste estudo. Por outro lado, também não se pode descartar a possibilidade, pois há alguns pontos inusitados sobre o estudo que impedem uma afirmação definitiva sobre o status do FOLFIRINOX neoadjuvante no futuro”, avalia.
Para finalizar, o cirurgião destaca alguns pontos que considera importantes. “Primeiro, menos da metade dos pacientes concluíram os 4 ciclos de quimioterapia neoadjuvante, um nível inferior ao esperado nesses casos. Segundo, chama atenção que exatamente o grupo com melhores resultados cirúrgicos e patológicos, R0 e N0, tiveram pior evolução. Terceiro, no grupo adjuvante a minoria dos pacientes recebeu o protocolo FOLFIRINOX, a maioria dos pacientes acabou trocando o esquema para outro baseado em gencitabina de forma não muito clara”, observa.
“Portanto, não se pode tirar conclusões definitivas sobre o impacto específico do FOLFIRINOX perioperatório nos resultados de sobrevida. Esperamos que outros estudos em andamento tragam respostas mais conclusivas sobre seu potencial benefício na doença ressecável”, conclui Coimbra.
Referência: LBA4005 - Short-course neoadjuvant FOLFIRINOX versus upfront surgery for resectable pancreatic head cancer: A multicenter randomized phase-II trial (NORPACT-1).
First Author: Knut Jørgen Labori, MD PhD
Meeting: 2023 ASCO Annual Meeting
Session Type: Oral Abstract Session
Session Title: Gastrointestinal Cancer—Gastroesophageal, Pancreatic, and Hepatobiliary
Track: Gastrointestinal Cancer—Gastroesophageal, Pancreatic, and Hepatobiliary
Subtrack: Pancreatic Cancer - Local-Regional Disease
Abstract #: LBA4005