A histerectomia simples com dissecção linfonodal pélvica é uma opção de tratamento segura para pacientes com câncer de colo do útero de baixo risco em estágio inicial, conferindo menor morbidade e benefício de qualidade de vida. Os resultados são do estudo SHAPE, um dos destaques do programa científico do ASCO 2023. “Este estudo muda a prática clínico-cirúrgica por apresentar resultados robustos de segurança, que incluíram adequada análise de qualidade de vida”, afirma a cirurgiã oncológica Audey Tsunoda (foto).
Nas últimas 2 décadas, tem havido uma tendência para cirurgias menos radicais em pacientes com câncer de colo do útero de baixo risco. Dados retrospectivos sugeriram que cirurgias menos radicais podem ser seguras e associadas a menor morbidade. “Para pacientes com câncer do colo do útero em estágio Ia a IB2 elegíveis para cirurgia, a histerectomia radical tem sido o padrão de tratamento há décadas, e há muito tempo se discute sobre o de-escalonamento dessa intervenção e o potencial de impactar a chance de cura,” disse Kathleen N. Moore, especialista da ASCO. “O estudo SHAPE confirma que, em pacientes cuidadosamente selecionadas, a radicalidade da cirurgia pode ser reduzida com segurança para uma histerectomia simples sem afetar os resultados, inaugurando uma nova abordagem cirúrgica mais individualizada para mulheres com câncer cervical em estágio inicial”, acrescenta.
O SHAPE é um estudo randomizado, prospectivo, de fase 3, de não inferioridade, que entre dezembro de 2012 e novembro de 2019 incluiu 700 mulheres com idades entre 24 e 80 anos e câncer cervical em estágio inicial de baixo risco, definido como estágio 1A2 ou 1B1 da doença, grau 1, 2 ou 3, com lesões menores ou iguais a 2 centímetros, com invasão estromal de até 10mm em um cone ou de menos de 50% do estroma cervical na ressonância pré operatória. O objetivo foi comprovar que a histerectomia simples (SH) é tão eficiente quanto a histerectomia radical (RH) para mulheres com câncer cervical em estágio inicial de baixo risco (LRESCC).
As participantes foram recrutadas em 12 países e 130 centros de tratamento, e randomizadas para receber lifadenectomia pélvica com ou sem pesquisa de linfonodo sentinela e histerectomia radical (RH) ou histerectomia simples (SH) após estratificação por grupo cooperativo, linfonodo sentinela, estádio, tipo histológico e grau do tumor.
O endpoint primário foi a taxa de recorrência pélvica em 3 anos (PRR3). Para demonstrar a não inferioridade da histerectomia simples em relação à histerectomia radical, o limite superior de um intervalo de confiança unilateral de 95% para a diferença na taxa de recorrência pélvica em 3 anos deveria ser menor ou igual a 4%.
A análise de intenção primária de tratar (ITT) incluiu todas as pacientes randomizadas. A análise por protocolo (PP) incluiu pacientes elegíveis no início do estudo e sem evidência de doença mais avançada encontrada no momento da cirurgia ou no anátomo-patológico final, com base no tratamento recebido. Os endpoints secundários incluíram sobrevida livre de recidiva extrapélvica (ERFS), sobrevida global (SG) e qualidade de vida (QoL).
Resultados
As características das pacientes foram bem equilibradas: a mediana de idade foi de 44 anos (24-80); 91,7% eram estágio 1B1 e 61,7% tinham histologia escamosa. 50% das histerectomias foram realizadas por via laparoscópica (56% SH vs. 44% RH), 25% por via robótica (24% vs. 25%) e 23% por via abdominal (17% vs. 29%). 4,4% das pacientes apresentavam metástases linfonodais (4,1% SH e 5,1% UR) e 3,1% tinham extensão extrauterina (2,6% SH e 3,7% UR). Um total de 8,8% das mulheres recebeu terapia adjuvante pós-cirúrgica (9,2% HS e 8,4% RH).
Com mediana de seguimento de 4,5 anos, foram identificadas 21 recidivas pélvicas (11 SH e 10 UR). A taxa de recorrência pélvica em 3 anos (PRR3) foi de 2,5% nas pacientes tratadas com histerectomia simples e 2,2% naquelas tradas com histerectomia radical (DPRR3 0,35% com 95% UCL 2,32%) na análise ITT; 2,8% com SH e 2,3% com RH (DPRR3 0,42% com 95% UCL 2,56%) na análise PP.
A sobrevida livre de recidiva extrapélvica (ERFS) e a sobrevida global em 3 anos foram, respectivamente, 98,1% e 99,1% com histerectomia simples; e 99,7% e 99,4% com histerectomia radical (p=0,10 e p=0,87). Pacientes que receberam histerectomia radical tiveram incidência significativamente maior de incontinência urinária relacionada à cirurgia (11,0% vs. 4,7% com SH; p=0,003) e retenção urinária (9,9% vs. 0,6% com SH; p<0,0001) durante o acompanhamento. As escalas de qualidade de vida como imagem corporal, dor e melhor atividade sexual com diferença significativa entre os dois grupos ao longo do tempo foram todas a favor da histerectomia simples, com tendência a se equipararem aos 24 meses de seguimento.
A abordagem cirúrgica (cirurgia abdominal versus abordagem cirúrgica minimamente invasiva) não pareceu influenciar o risco de recorrência em nenhum dos grupos. A taxa de margens cirúrgicas positivas foi baixa em ambos os grupos (2,6% no geral; 2,1% com SH vs. 2,9% com RH). Neste estudo, a taxa de linfonodos positivos foi de 3,3% (SH) e 4,4% (RH), p=0,55. Enquanto a chance de apresentar linfedema foi de 10,4% (SH) e 10,5% (RH).
"Com os resultados do estudo SHAPE, está confirmado que abordagem linfonodal com a remoção dos paramétrios (histerectomia radical) é equivalente à histerectomia simples para mulheres com câncer de colo inicial de baixo risco (estádio IA2 ou IB1, </= 2cm no maior eixo, <50% invasão estromal na RNM ou <10mm invasão em um cone). A presença de invasão linfovascular não foi excludente. A morbidade e a qualidade de vida favoreceram as mulheres que realizaram histerectomia simples", observa Audrey.
"Este estudo muda a prática clínico-cirúrgica, por apresentar resultados robustos de segurança, que incluíram adequada análise de qualidade de vida. Embora não desenhado para as variáveis, também favorece a possibilidade de se utilizar cirurgia minimamente invasiva e a relevância do linfonodo sentinela, para potencial redução do linfedema", conclui.
Os pesquisadores planejam investigar melhor a qualidade de vida e os dados de saúde sexual, realizar uma análise de custo-efetividade e utilidade de custo da abordagem radical versus simples, e identificar fatores de risco associados a recorrência em estudos futuros.
O estudo foi liderado pelo Canadian Cancer Trials Group e financiado pelo Canadian Institutes of Health Research e Canadian Cancer Society.
Referência: An international randomized phase III trial comparing radical hysterectomy and pelvic node dissection (RH) vs simple hysterectomy and pelvic node dissection (SH) in patients with low-risk early-stage cervical cancer (LRESCC): A Gynecologic Cancer Intergroup study led by the Canadian Cancer Trials Group (CCTG CX.5-SHAPE).
First Author: Marie Plante
Meeting: 2023 ASCO Annual Meeting
Session Type: Clinical Science Symposium
Session Title: Knives Out: Surgical Management of Gynecologic Cancers
Track: Gynecologic Cancer
Subtrack: Cervical Cancer
Abstract #: LBA5511