Pesquisadores brasileiros descobrem um novo subgrupo de pacientes com LMA resistente ao tratamento atual e propõem uma mudança na terapia para este grupo, com drogas já utilizadas no mercado. Diego Pereira Martins (foto) é o primeiro autor do estudo destacado no ASH 2023, em análise que descreve um novo subgrupo de pacientes com LMA. Os resultados refinam ainda mais a estratificação dos pacientes e fornecem alternativas de tratamento para o grupo com prognóstico mais sombrio.
Mutações em TP53 (TP53mut) estão presentes em aproximadamente 10% dos pacientes com leucemia mieloide aguda (LMA) e representam um subgrupo único de pacientes com prognóstico muito ruim. Embora os mecanismos exatos da leucemogênese induzida pela mutação TP53 (TP53mut) ainda não tenham sido descritos, considera-se que as alterações transcricionais associadas à supressão da via de sinalização TP53 conferem um prognóstico sombrio aos pacientes com TP53mut.
Nesta análise, os pesquisadores avaliaram o perfil molecular de uma grande coorte de pacientes com LMA (n = 823) e identificaram um novo subgrupo de mau prognóstico, que apesar de possuirem o TP53 selvagem (TP53 WT), compartilham fortes semelhanças com os pacientes com TP53mut. “Os pacientes incluídos neste novo grupo apresentam expressão aumentada da isoforma oncogênica do gene TP73 – o ΔNp73, que não possui o domínio da transativação, mas ainda se liga à cromatina”, descrevem. A análise revelou que o programa transcricional e metabólico da LMA com altos niveis de ΔNp73 se assemelha fortemente ao da LMA com TP53mut, sendo enriquecido para assinaturas de células-tronco leucêmicas (‘17LSC´ e ‘LSC UP´).
Pereira-Martins e colaboradores mostram que, de acordo com o perfil mutacional de LMA (ΔNp73alto/TP53 WT), existe frequentemente a co-ocorrência de mutações U2AF1, SRSF2, TET2 e RUNX1. A superexpressão lentiviral do ΔNp73 em células CD34+ saudáveis aumentou a proliferação celular e foi associada a uma retenção das características de célula tronco. A superexpressão ΔNp73 em modelos de LMA com o TP53 WT resultou na resistência aos medicamentos comumente utilizados como terapias citotóxicas padrão nos protocolos de indução da LMA (por exemplo, citarabina [AraC], venetoclax (VEN) ± azacitidina (AZA) e inibidores de FLT3, como o midostaurin, quizartinib e gilterinib). Do outro lado, a superexpressão do ΔNp73 em modelos de LMA com TP53mut não aumentou a resistência aos medicamentos, suportando a ideia de que o gene ΔNp73 atua de maneira similar a mutações no TP53 na LMA.
Esses resultados foram validados utilizando amostras primárias de pacientes diagnosticados com LMA de novo, tratadas ex vivo (n = 80). As amostras com alta expressão da isoforma deltaTP73 (ΔNp73alto) foram mais resistentes a várias terapias citotóxicas, incluindo VEN + AZA. A superexpressão do ΔNp73 em amostras primárias de leucemia promielocítica aguda (LPA, n = 10) permitiu um enxerto eficiente em modelos de xenotransplante in vivo, resultando na colonização de órgãos secundários e esplenomegalia, o que não foi observado nos controles.
Para identificar os mecanismos pelos quais o ΔNp73 controla a transformação oncogênica, a análise envolveu sequenciamento RNA-seq e ChIP-seq em busca de alvos transcricionais diretos de TP53, ΔNp73 e da isoforma transcricionalmente ativa do TP73, o TAp73. As análises de sequenciamento revelaram que ΔNp73 e TP53 competem pelos mesmos genes alvo. A superexpressão ΔNp73 resultou na perda completa da ligação de TP53 e na regulação negativa destes loci, incluindo a regulação negativa dos genes alvo TP53 conhecidos CDKN1A, BBC3 e GAS6, mas também do próprio TP53. Análises de enriquecimento de conjuntos de genes de programas moleculares em células com superexpressão ΔNp73 revelaram sua associação com “LSC UP”, “alvos do CEBPA (CCAAT Enhancer Binding Protein Alpha”) e “transdução de sinal por TP53”, indicando que ΔNp73 resulta em uma fenocópia da LMA com TP53mut.
Dados de acessibilidade à cromatina em pacientes com LMA revelaram uma região com acessibilidade diferencial no íntron 2 (+24 Kb após o local de início da transcrição, referido como pico B) do gene TP73, com funções regulatórias desconhecidas na expressão de TP73 na LMA. Para acessar as funções potenciais desta região que conduz à expressão de ΔNp73, células CRISPR/Cas9-KO MOLM13 foram geradas sem a região de pico B (MOLM13-KO). As células MOLM13-KO exibiram expressão reduzida de ΔNp73, e após altas doses de estresse induzido por AraC, a capacidade de regular positivamente a expressão de ΔNp73 foi anulada.
Como o CEBPA (CCAAT Enhancer Binding Protein Alpha) era um fator de transcrição previsto para se ligar ao pico B, Pereira-Martins e colaboradores investigaram se o CEBPA poderia regular a expressão das diferentes isoformas do TP73. CEBPA-KD em células LMA resultou na diminuição dos níveis de ΔNp73 e restaurou a expressão de TAp73, sugerindo que o CEBPA controla o equilíbrio das isoformas distintas de TP73. A inibição farmacológica do CEBPA usando o medicamento Guanfacine (GFC), aprovado pela FDA, diminuiu os níveis de ΔNp73 e restaurou a sensibilidade do medicamento contra vários agentes citotóxicos em células de LMA com superexpressão ΔNp73. Além disso, a combinação de GFC + VEN apresentou fortes efeitos sinérgicos em uma coorte de amostras obtidas de pacientes diagnosticados com LMA, tratados ex vivo (n = 20), incluindo pacientes com TP53mut, que são frequentemente resistentes a VEN.
“Aqui, descrevemos um novo subgrupo de pacientes com LMA que apresenta o TP53WT, mas se comporta de maneira semelhante à LMA com TP53mut devido à expressão da isoforma ΔNp73 que prejudica a sinalização de TP53. Este subgrupo de pacientes apresenta um prognóstico muito ruim e é resistente aos medicamentos usados em pacientes com LMA”, descrevem. “Identificamos uma nova região que impulsiona a expressão de isoformas oncogênicas de TP73, que é controlada pelo CEBPA, e a inibição do CEBPA pelo GFC aumentou a sensibilidade a terapias citotóxicas em LMA do tipo TíP53mut. Nossos achados refinam ainda mais a estratificação dos pacientes e fornecem alternativas de tratamento para esse grupo de pior prognóstico”, concluem os pesquisadores.
Diego Pereira Martins é pesquisador associado da University Medical Centre Groningen (nos Paises Baixos) e atualmente realiza o seu visiting fellowship no Kings College of London (no Reino Unido). Essa pesquisa foi parte do seu doutorado, realizado em colaboração com os médicos. Cesar Ortiz, no programa de clínica médica da faculdade de medicina da USP de Ribeirão Preto, (FMRP-USP), sob supervisão do médico Eduardo M. Rego, em colaboração com a Universidade de Groningen, nos Países Baixos, durante o programa de duplo-doutoramento.
Referência: 839 CEBPA-Driven Expression of the Transcriptionally Inactive deltaTP73 Isoform Phenocopies TP53mutated Poor Risk and Drug-Resistant Acute Myeloid Leukemia. Diego Pereira-Martins et al.