Apesar dos avanços no entendimento da importância dos cuidados paliativos para pacientes com malignidades hematológicas, os profissionais responsáveis pelo tratamento ainda demoram para solicitar o envolvimento da especialidade na linha de cuidados. É o que aponta estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Selecionado como pôster no ASH 2023, o trabalho é fruto da pesquisa de pós-graduação da onco-paliativista Alini Ponte, e tem o hematologista Marco Aurelio Salvino como orientador e primeiro autor.
"Um número significativo de pacientes apresenta elevada carga de sintomas, e muitos ainda morrem em decorrência de suas doenças. A integração adequada dos cuidados paliativos (CP) apresenta forte potencial para melhorar a qualidade de vida desta população. No entanto, as estratégias de CP são subutilizadas devido a diversas barreiras no contexto de alta incerteza prognóstica. Portanto, é crucial implementar ferramentas práticas e gatilhos para discussões oportunas sobre os objetivos do cuidado e das consultas especializadas em cuidados paliativos", observam os autores.
A Pergunta Surpresa - "Você ficaria surpreso se este paciente morresse nos próximos 12 meses?" é um instrumento simples e viável para estimativa intuitiva de mortalidade entre pacientes com diferentes tipos de doença avançada, com o objetivo de melhorar a consciência prognóstica entre os profissionais de saúde. Em 2016, este instrumento foi introduzido na Diretriz de Integração de Cuidados Paliativos no Padrão de Cuidados Oncológicos da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO).
Este estudo de coorte prospectivo foi realizado entre agosto e dezembro de 2021 por meio da aplicação de entrevistas com hematologistas do Hospital de Clínicas da Universidade Federal da Bahia (HUPES-UFBA). Foram incluídos pacientes adultos (idade ≥18) com malignidades hematológicas internados na enfermaria de Hematologia do Hospital das Clínicas durante o período do estudo. A pergunta surpresa (do inglês, SQ – surprise question) foi respondida pelos médicos responsáveis pelos pacientes no momento da inclusão. As informações clínicas foram extraídas dos prontuários médicos.
Resultados
Durante o período do estudo, 76 pacientes foram incluídos após aplicação dos critérios de exclusão (idade<18 e não HM). A mediana de idade foi de 48,8 anos (DP 17,2) e a maioria dos participantes era do sexo feminino (58%). Quanto ao diagnóstico, 38,2% tinha leucemia aguda, 25% linfoma R/R (refratário/recidivante) e 30,3% mieloma múltiplo R/R.
Quarenta e nove pacientes (64,5%) apresentavam baixo performance status (ECOG 3 ou 4), e a maioria dos pacientes (57,9%) estava recebendo terapia modificadora da doença. Os médicos responderam "Não, eu não ficaria surpreso" (positivo, SQ+) para 43 (57%) pacientes. Após 12 meses, 35 pacientes (46%) faleceram, dos quais 31 (89%) pertenciam ao grupo SQ - "Não".
A sensibilidade da SQ foi de 88% e a especificidade de 72%. O valor preditivo positivo foi de 72%, o valor preditivo negativo foi de 88% e a acurácia foi de 79%. Notavelmente, embora os médicos tenham descoberto que 43 (57%) pacientes tinham uma expectativa de vida inferior a 12 meses, apenas 24 (31,6%) estavam sendo acompanhados com cuidados paliativos no momento da entrevista.
Em síntese, em estudos anteriores, a pergunta surpresa demonstrou estimar corretamente a morte entre 68,3% dos pacientes com câncer hematológico. Em nosso estudo, a pergunta surpresa demonstrou alta sensibilidade e potencial uso clínico. "No entanto, mesmo dentro de um centro com plena disponibilidade de uma equipe de cuidados paliativos dedicada a pacientes com doenças avançadas e de alta morbidade e mortalidade, como leucemia aguda, a equipe de hematologia raramente encaminhava pacientes para cuidados paliativos. Estratégias eficazes para integrar os cuidados paliativos neste cenário são cruciais", concluíram os autores.
Além de Alini e Salvino, ambos da Pós-Graduação em Medicina e Saúde da UFBa, fazem parte do estudo Diego Lopes Paim Miranda, David Pereira Ferreira, Sheila Freitas, Monica Borges Botura Oliveira, Lais Teixeira Silva e Marianna Batista Vieira Lima e Edvan Crusoe (chefe do serviço de Hematologia da UFBa).
Referência: 2429 Major Challenges for Palliative Care in Oncohematology: Analysis of the “Surprise Question” in a Reference Center