Estudo brasileiro selecionado para o ASH 2023 buscou apresentar resultados e identificar fatores prognósticos para a sobrevida de adultos recém-diagnosticados com leucemia linfoblástica aguda de células T (LLA-T), utilizando dados de um estudo multicêntrico de registro de mundo real realizado na América Latina. O hematologista Wellington Fernandes da Silva (foto), médico do ICESP/FMUSP, é o autor sênior do trabalho.
A leucemia linfoblástica aguda de células T (LLA-T) corresponde a cerca de 25% de todos os casos recém-diagnosticados de leucemia linfoblástica aguda (LLA) em adultos. Embora a maioria dos protocolos de tratamento pediátrico classifique os pacientes com base no seu fenótipo, esta abordagem raramente é aplicada a adultos.
“Há uma escassez de coortes relatadas com foco específico na LLA-T em adultos. Frequentemente, esses casos são estudados juntamente com casos de células B, apesar de suas notáveis diferenças biológicas, ou agrupados com linfoma linfoblástico de células T, que apresenta um prognóstico mais favorável em comparação com LLA-T”, observam os autores.
O estudo considerou dados de registro de quatro centros acadêmicos no Brasil, e incluiu pacientes com idade igual ou superior a 15 anos com LLA-T recém-diagnosticada entre janeiro de 2009 e junho de 2022. Os dados clínicos foram coletados de prontuários médicos após aprovação ética.
A sobrevida global (SG) e sobrevida livre de eventos (EFS) foram calculadas pelo método de Kaplan-Meier, com análise multivariada (MVA) de regressão de Cox para encontrar fatores de risco e análise de risco concorrente para recidiva.
Resultados
Foram incluídos 97 pacientes, com mediana de 27 anos de idade (variação de 15 a 82). LLA-T tímica foi responsável por 51% dos casos. Mediastino volumoso foi encontrado em 48% e a positividade da avaliação inicial do líquido cefalorraquidiano (LCR) foi de 12,5% (por morfologia ou citometria de fluxo).
A maioria dos pacientes (88%) foi tratada com regimes de inspiração pediátrica (baseados em asparaginase [ASP]), principalmente GMALL adaptado (43%) e BFM adaptado (22%). A asparaginase de E. coli nativo foi utilizado em 76% e asparaginase peguilado (PEG-ASP) foi utilizado nos demais casos.
Durante a apresentação ou tratamento, 15% dos indivíduos apresentaram trombose em qualquer local, sendo a maioria dos casos associada ao uso de asparaginase (64%) e diagnosticada durante a indução (64%). Seguindo o regime de primeira linha, 77,3% dos pacientes alcançaram resposta completa (CR).
No geral, 11,3% dos pacientes morreram durante a fase de indução, enquanto 8% foram refratários primários. A análise univariada para resposta completa mostrou correlação com idade (p=0,002), tamanho volumoso (p=0,016) e uso de asparaginase (p=0,009). A mediana de follow-up foi de 6 anos.
O transplante alogênico de células-tronco (aloHSCT) foi realizado em 18 pacientes, sendo 11/18 na primeira resposta completa. A sobrevida global em cinco anos e a sobrevida livre de eventos em 5 anos foram de 43,7% (95% CI: 34,4-55,5) e 36,4% (95% CI 27,9-47,5), respectivamente. Ao longo do acompanhamento, a taxa de recidiva em 5 anos e a mortalidade sem recidiva (NRM) foram de 35,6% e 27,9%, respectivamente.
Entre os pacientes submetidos a aloHSCT, a sobrevida global em 5 anos foi de 64%. Na análise univariada, a idade avançada (HR 1,02 [1,01-1,04], p<0,01) foi associada a menor SG. Por outro lado, LLA-T tímica (HR 0,54 [0,3-0,96], p=0,03) e uso de ASP (HR 0,35 [0,17-0,716], p<0,01) foram associados a maior SG. A contagem inicial de glóbulos brancos não foi estatisticamente associada à sobrevida global.
Os pesquisadores também realizaram uma análise de subgrupos com foco na população adulta e jovem adulta (AYA, idade entre 15-45 anos). Neste subgrupo (n=85), 89% foram tratados com regimes de inspiração pediátrica e a sobrevida global em 5 anos foi de 46,5%. Na análise univariada, a trombose (HR 2,21 [1,09-4,48], p=0,02) foi associada à menor SG, enquanto a LLA-T tímica (HR 0,48 [0,24-0,93], p=0,03) e o uso de ASP (HR 0,317 [0,13-0,75], p<0,01) foram associados a maior SG. Na análise multivariada para jovens adultos, LLA-T tímica (HR 0,50 [0,25-0,98], p = 0,04) e trombose (HR 2,23 [0,97-5,13], p = 0,054) permaneceram associadas à SG, enquanto a idade avançada não foi (HR 1,004 [0,96 - 1,04], p=0,81).
Em síntese, os resultados relatados neste registro de LLA-T na América Latina são comparáveis aos relatórios mais antigos de grandes grupos em todo o mundo. “Atualmente, grupos europeus relataram taxas de SG superiores a 70% para adultos com LLA-T. No entanto, no nosso cenário, mesmo na população de jovens adultos a sobrevida global foi decepcionante. Isso pode ser atribuído ao aumento da mortalidade não-recidiva (NRM) devido à toxicidade do tratamento e ao acesso limitado ao transplante alogênico de células tronco (TCTH), o que pode ter contribuído para esses achados”, observam os autores.
“A LLA-T tímica continua sendo um subtipo de menor risco. Além disso, a trombose emergiu como um fator de risco independente para a sobrevida global na população de jovens adultos, o que é uma descoberta nova que merece mais pesquisas. Até onde sabemos, este é o primeiro estudo focado especificamente na LLA-T em pacientes adultos da América Latina”, concluíram os autores.
Além de Silva, participaram do estudo os pesquisadores Diego Luz e Eduardo Magalhães Rego (ICESP/FMUSP); Bruno Kosa Lino Duarte (UNICAMP); Yve Oliveira e Jordana S. R. Aragao (INCA), Camila Piaia e Ires Bezerra Massaut (Centro de Pesquisas Oncológicas - CEPON); e Elvira Deolinda Rodrigues Pereira Velloso e Vanderson Rocha (Hospital das Clínicas/USP).