Onconews - INTERLACE: quimio de indução + quimiorradiação no câncer de colo do útero localmente avançado

Eduardo PaulinoA quimioterapia de indução seguida de quimiorradiação melhorou significativamente a sobrevida livre de progressão e sobrevida global em pacientes com câncer de colo do útero localmente avançado e deve ser considerada um novo padrão de tratamento. Os resultados são do estudo GCIG INTERLACE1, apresentado na Sessão Presidencial 2 do ESMO 2023. “Com a avaliação de um tratamento já utilizado na grande maioria dos hospitais públicos brasileiros, o resultado do INTERLACE tem o potencial de mudar a prática clínica também no Sistema Único de Saúde”, avalia o oncologista Eduardo Paulino (foto).

O câncer de colo do útero localmente avançado (LACC) é tratado com quimiorradiação (CRT). No entanto, muitos pacientes recidivam e morrem de doença metastática. Um estudo de viabilidade demonstrou uma boa taxa de resposta à quimioterapia de indução (CI) semanal de curta duração administrada antes da quimiorradiação (CRT) padrão e o ensaio INTERLACE investigou se esta abordagem melhora tanto a sobrevida livre de progressão (SLP) como a sobrevida global (SG).

No estudo, foram randomizados pacientes com câncer de colo uterino estágios FIGO 2008 IB1 com linfonodos positivos, IB2 até IVA, com subtipo escamoso ou não escamoso, para quimioterapia de indução com 6 ciclos semanais de carboplatina (auc2) + paclitaxel (80 mg/m2) seguido de radioquimioterapia e braquiterapia ou o mesmo tratamento sem a quimioterapia de indução. Todos os centros foram submetidos à garantia de qualidade da radiação. Os endpoints primários foram SLP (hazard ratio alvo [HR] 0,65) e SG (HR alvo 0,65-0,70).

Resultados

Entre novembro de 2012 e novembro de 2022, 500 pacientes (mediana de 46 anos, variação de 24 a 78) foram recrutados em 32 centros de 5 países. A distribuição dos estágios foi: IB1/2; 9%, II;77%, IIIB;11% e IVA;3%. 57% eram linfonodo negativo e 82% subtipo escamoso. Os braços estavam equilibrados. 92% dos pacientes no braço de quimioterapia de indução receberam 5/6 ciclos de carboplatina/paclitaxel. O intervalo mediano entre QT de indução e CRT foi de 7 dias. 84% (CI/CRT) vs. 89% (CRT isolada) receberam 4/5 ciclos de cisplatina. No braço CRT, 92% e 89% completaram feixe externo e braquiterapia, respectivamente; os valores correspondentes no braço IC/CRT foram 97% e 95%. O tempo médio de tratamento global para CRT foi de 45 dias em ambos os braços.

Eduardo Paulino (foto), oncologista do Instituto Nacional do Câncer (INCA), observa que apesar de dois estudos prévios demonstrarem resultados conflitantes com quimioterapia adjuvante pós quimiorradioterapia (estudo Mexicano2 e o OUTBACK3), o estudo INTERLACE (no cenário neoadjuvante) demonstrou um ganho positivo de 9% em sobrevida livre de progressão e 8% de sobrevida global em 5 anos, dados considerados estatisticamente e clinicamente relevantes.

“Importante salientar que o braço controle do INTERLACE não performou pior que o esperado (SLP e SG no braço controle do estudo OUTBACK foi de 61% e 71% respectivamente, e no INTERLACE 73% e 80%, considerando que no OUTBACK tivemos mais pacientes estágio IIIB/IV [24% vs 14%] e com linfonodos positivos [50% vs 43%])”, afirma. “Outro ponto relevante foi a mediana de tratamento com radioterapia no INTERLACE que foi de 45 dias, e no OUTBACK cerca de 40% das pacientes terminaram a radioterapia com mais de 8 semanas. Conforme esperado, observamos menor número de recorrências à distância com a quimioterapia de indução (12 vs 20%)”, acrescenta.

Eventos adversos de grau ≥3 foram observados em 59% (CI/CRT) vs. 48% (CRT isoladamente). O acompanhamento médio foi de 64 meses. A taxa de SLP em 5 anos foi de 73% com CI/CRT e 64% com CRT isoladamente (HR 0,65; 95% CI: 0,46-0,91, p=0,013). As taxas de SG correspondentes em 5 anos foram de 80% e 72% (HR 0,61: 95% CI:0,40-0,91, p=0,04).

“Os dados do INTERLACE vêm em importante momento para as pacientes com câncer de colo uterino. A maioria das pacientes se encontra em países em desenvolvimento, onde a incorporação de tecnologias de alto custo torna-se praticamente inviável a curto/médio prazo. Com uma quimioterapia que já é utilizada na grande maioria dos hospitais públicos brasileiros, o resultado do INTERLACE tem o potencial de mudar a prática clínica também no Sistema Único de Saúde”, conclui Paulino.

O estudo foi financiado pela Cancer Research UK (EudraCT: 2011-001300-35).

Referências:

1 - LBA8 - A randomised phase III trial of induction chemotherapy followed by chemoradiation compared with chemoradiation alone in locally advanced cervical cancer: The GCIG INTERLACE trial

2 - Dueñas-González A, Zarbá JJ, Patel F, Alcedo JC, Beslija S, Casanova L, Pattaranutaporn P, Hameed S, Blair JM, Barraclough H, Orlando M. Phase III, open-label, randomized study comparing concurrent gemcitabine plus cisplatin and radiation followed by adjuvant gemcitabine and cisplatin versus concurrent cisplatin and radiation in patients with stage IIB to IVA carcinoma of the cervix. J Clin Oncol. 2011 May 1;29(13):1678-85. doi: 10.1200/JCO.2009.25.9663. Epub 2011 Mar 28. PMID: 21444871.

3 - Mileshkin LR, Moore KN, Barnes EH, Gebski V, Narayan K, King MT, Bradshaw N, Lee YC, Diamante K, Fyles AW, Small W Jr, Gaffney DK, Khaw P, Brooks S, Thompson JS, Huh WK, Mathews CA, Buck M, Suder A, Lad TE, Barani IJ, Holschneider CH, Van Dyk S, Quinn M, Rischin D, Monk BJ, Stockler MR. Adjuvant chemotherapy following chemoradiotherapy as primary treatment for locally advanced cervical cancer versus chemoradiotherapy alone (OUTBACK): an international, open-label, randomised, phase 3 trial. Lancet Oncol. 2023 May;24(5):468-482. doi: 10.1016/S1470-2045(23)00147-X. Epub 2023 Apr 17. PMID: 37080223.