Após dois anos de acompanhamento, pacientes com câncer de esôfago submetidos à vigilância ativa tiveram uma sobrevida global não inferior e melhor qualidade de vida em curto prazo em comparação com aqueles tratados com o padrão de cirurgia. Os resultados são do estudo SANO, apresentado em sessão oral de Tumores Gastrointestinais (Trato Digestivo Alto) no ESMO 2023. O oncologista Rivadávio Oliveira (foto), do Hospital do Câncer de Londrina, comenta os resultados.
“Um terço dos pacientes com câncer de esôfago apresenta resposta patológica completa após quimiorradioterapia neoadjuvante (nCRT) mais esofagectomia. A vigilância ativa pode ser uma alternativa para pacientes com resposta clínica completa”, observaram os autores.
Nesse ensaio randomizado por cluster escalonado de não inferioridade, pacientes com resposta clínica completa (sem doença residual 6 e 12 semanas após a quimiorradioterapia neoadjuvante) foram submetidos a vigilância ativa (cirurgia apenas quando detectado recrescimento locorregional) ou cirurgia padrão. O desfecho primário foi a sobrevida global (SG) a partir do dia da resposta clínica completa. A não inferioridade foi definida como hazard ratio (HR) <1,77 para mortalidade na vigilância ativa após dois anos. Os desfechos secundários foram resultados operatórios, sobrevida livre de doença (SLD), taxa de disseminação à distância e qualidade de vida (QVRS, EORTC QLQ-C30).
Resultados
Cerca de 198 pacientes foram submetidos a vigilância ativa e 111 pacientes foram submetidos à cirurgia padrão. O acompanhamento médio foi de 34 meses para vigilância ativa e 50 meses para cirurgia padrão. A sobrevida global na vigilância ativa foi não inferior à cirurgia padrão (HR 0,88, limite superior de 95% 1,40, p = 0,007).
Durante a vigilância ativa, 69 pacientes (35%) mantiveram resposta clínica completa, 96 pacientes (48%) desenvolveram recrescimentos locorregionais e 33 pacientes (17%) desenvolveram metástases à distância. A taxa R1 foi de 2% em ambos os grupos e a mortalidade pós-operatória em 90 dias foi de 4% (vigilância ativa) versus 5% (cirurgia padrão). A mediana de sobrevida livre de doença para vigilância ativa foi de 35 (95% CI 31 – 41) versus 49 meses (95% CI 38 – NA) para cirurgia padrão (HR 1,35, 95% CI 0,89 – 2,03, p = 0,15).
Aos 30 meses após a nCRT, 43% dos pacientes com vigilância ativa versus 34% com cirurgia padrão desenvolveram metástases à distância (OR 1,45, 95% CI 0,85 – 2,48, p = 0,18). A qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) foi estatisticamente significativamente melhor aos seis (p = 0,002) e nove meses (p = 0,007) para vigilância ativa.
“Após um acompanhamento de dois anos, os pacientes submetidos à vigilância ativa tiveram uma sobrevida global não inferior e melhor qualidade de vida em curto prazo em comparação com a cirurgia padrão. A esofagectomia adiada para recrescimento locorregional foi segura. É necessário um acompanhamento prolongado para avaliar a eficácia a longo prazo da vigilância ativa”, concluíram os autores.
Identificação do ensaio clínico: NTR6803 11/08/2017.
O estudo foi financiado pela Dutch Cancer Society (KWF) e pela Netherlands Organisation for Health Research and Development (ZonMw).
Seguimento após quimioterapia e RT neoadjuvante pode ser uma alternativa à cirurgia em alguns pacientes com neoplasia de esôfago
Por Rivadávio Antunes de Oliveira, coordenador da residência médica do Hospital do Câncer de Londrina
O estudo SANO foi um estudo clínico randomizado de não inferioridade em que pacientes com resposta clínica completa (isso é, sem doença residual vista na sexta e décima segunda semana, após a quimiorradiotetapia), foram para vigilância ativa (n=198) ou cirurgia standard of care (n=111). No braço de vigilância ativa, ressecção cirúrgica só foi realizada apenas em pacientes com recrescimento locorregional provado ou na ausência de disseminação metastática.
Ocorrer de fato isso na prática clínica é muito gratificante, já que estamos falando de pacientes frágeis, com comorbidades que são relevantes, e ainda, numa cirurgia extensa que requer extrema cautela e não é isenta de complicações no pós operatório. De fato, os dados do estudo SANO são bem encorajadores.
Algo que merece ser comentado é a questão da histologia. Sabemos por estudos prévios que geralmente o subtipo escamoso tem respostas objetivas mais acentuadas na quimiorradioterapia, do que o subtipo adenocarcinoma. De qualquer forma, ainda não temos dados concretos estratificados por histologia no estudo SANO. Apesar disso, os dados de resposta patológica completa (pCR), favoreceram o subtipo escamoso (49% x 23%), ao adenocarcinoma.
Alguns pontos a serem mencionados são: a contaminação da análise intention to treat (ITT) com cross over em pacientes randomizados por cluster escalonado, pode ser um viés; ainda sem dados concretos e precisos quanto à histologia; dois anos apenas de acompanhamento, o que é um tempo curto, para concluir algo definitivo.
Em suma, é um estudo de não inferioridade, que mostra que pode haver sim uma viabilidade no conceito de avaliação de resposta clínica em pacientes selecionados para vigilância ativa. Sugere que a sobrevida global pode ser não inferior nos termos da vigilância comparada à cirurgia naqueles com resposta clínica completa. Aguardamos outras análises por estratificação e a maturidade do estudo.