Onconews - Dose de RT no câncer de próstata de alto risco

Hanriot Net OKEmbora a organização do ASCO GU 2024 tenha destacado o estudo GETUG-AFU 18, o debate sobre o escalonamento da dose de radioterapia no câncer de próstata de alto risco merece análise mais detida. “Enquanto regimes como o do GETUG-AFU 18 continuam em utilização especialmente nos EUA, boa parte do mundo já adotou em suas rotinas os regimes de hipofracionamento moderado em 20 frações ou o de ultra-hipofracionamento em 07 frações”, explica Rodrigo Hanriot (foto), Coordenador do Serviço de Radioterapia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que comenta os resultados.

O estudo GETUG-AFU 18, patrocinado pela Unicancer, mostrou que aumentar a dose de radioterapia (RT) em combinação com terapia de privação androgênica (ADT) de longo prazo é uma estratégia eficaz e segura em pacientes com câncer de próstata de alto risco. Os resultados foram apresentados no ASCO GU 2024 por Christophe Hennequin e revelam que o escalonamento da RT de 70Gy para 80 Gy aumentou a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão bioquímica ou clínica na população avaliada.

Neste estudo randomizado de fase III (GETUG-AFU 18) foram elegíveis pacientes com adenocarcinoma de próstata de alto risco (cT3-T4 ou PSA≥ 20 ng/ml ou escore de Gleason ≥ 8-10) com status de linfonodos negativo na tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Os pacientes foram randomizados para RT com dose escalonada (80 Gy) ou dose convencional (70 Gy) em frações diárias de 2Gy e com 3 anos de ADT em ambos os braços. A randomização (1:1) foi estratificada em dissecção de linfonodos pélvicos (PLND; sim ou não) e instituição. A irradiação nodal pélvica (46 Gy) foi realizada rotineiramente em todos os pacientes (82,9%), exceto no caso de PLND negativo. O endpoint primário foi a sobrevida livre de progressão bioquímica ou clínica (bcSLP) em 5 anos após a definição ASTRO-Phoenix. Endpoints secundários incluíram sobrevida global (SG), toxicidade aguda e tardia (CTCAE v3) e qualidade de vida. Para melhorar a bcSLP de 65 para 75% (Hazard Ratios [HR] = 0,67), foram necessários ,500 pacientes (a= 5% e 1-b= 80%) com 197 eventos em 5 anos.

Foram incluídos 505 pacientes entre junho de 2009 e janeiro de 2013. As principais características da população foram idade mediana de 70,6 anos (variação de 52 a 80); 268 (53,1%) pacientes com escore de Gleason ≥ 8; valor mediano de PSA de 13,8 ng/ml (0,4-109,9); 62,3% dos pacientes com cT3 e 16,4% com PLND.

Os resultados mostram que a bcSLP foi significativamente melhor no braço de RT com dose escalonada em comparação com o braço de RT convencional (HR = 0,56, [IC 95%, 0,40-0,76], p = 0,0005). A bcSLP de 5 anos foi de 91,4% (IC de 95%, 87,0-94,4) e 88,1% (IC de 95%, 83,2-91,6), e a bcSLP de 7 anos de 88,1% (IC de 95%, 83,1-91,7) e 79,2% (IC 95%, 73,1-84,0) em RT com dose escalonada e RT convencional, respectivamente.

O escalonamento de dose também mostrou diferenças significativas na sobrevida específica do câncer de próstata (HR = 0,48 [IC 95%, 0,27-0,83], p = 0,0090) e na sobrevida global (HR = 0,61 [IC 95%, 0,44-0,85], p = 0,0039). Nenhum fator prognóstico foi identificado para bcSLP.

 Em relação às toxicidades tardias, não houve diferença significativa entre os braços, com 78,2% e 76,1% de toxicidade ≥ Grau 2 com RT com dose escalonada e RT convencional, respectivamente.

“A RT com escalonamento de dose em combinação com ADT de longo prazo é eficaz e segura, aumentando não apenas a taxa de sobrevida livre de progressão bioquímica ou clínica, mas também a sobrevida específica e a sobrevida global em pacientes com câncer de próstata de alto risco, sem aumentar a toxicidade a longo prazo”, concluem os autores.

Este estudo está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov: NCT00967863.

Referência: J Clin Oncol 42, 2024 (suppl 4; abstr LBA259). DOI:10.1200/JCO.2024.42.4_suppl.LBA259

Comentários

Por Rodrigo Hanriot, Coordenador do Serviço de Radioterapia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Este não é o primeiro artigo a demonstrar que escalonamento de dose em tumores de próstata de alto risco apresenta benefício em controle local. Mas a principal questão para este estudo era se a adição de hormonioterapia de longo prazo tornaria o escalonamento de dose desnecessário, já que diversos outros estudos também já haviam demonstrado o ganho da associação hormonioterapia-radioterapia em dose escalonada (>76Gy) nestes tumores.

Contudo, o que se questiona são a dose e fracionamento empregados, de 78Gy em 39 frações diárias, e diferenças na técnica utilizada. A comparação de dose (70Gy versus 78Gy com mesmo fracionamento de 2Gy) com benefício para 78Gy já havia sido demonstrada no estudo prospectivo e aleatorizado do MD Anderson Cancer Center, com atuais 15 anos de seguimento. O primeiro estudo de 70Gy em 28 frações versus 78Gy em 39 frações, conduzido pela Cleveland Clinic, mostrou resultados comparáveis entre ambos, com benefício “logístico” para o menor tempo total de tratamento. Posteriormente, o trial canadense CCHiP com 60Gy em 20 frações, equivalente a 74Gy, PROFIT com 60Gy em 20 frações equivalente a 78Gy em 39 frações, o trial Hypro com 64,6Gy em 19 frações não inferior a 78Gy em 39 frações e finalmente o trial HYPO-RT-PC demonstrando que 42,7Gy em 07 frações não era inferior a 78Gy em 39 frações, todos com controle e toxicidade semelhantes. O benefício do hipofracionamento se consolidava.

Enquanto regimes como o do GETUG-AFU 18 continuam em utilização especialmente nos EUA, boa parte do mundo já adotou em suas rotinas os regimes de hipofracionamento moderado em 20 frações ou o de ultra-hipofracionamento em 07 frações. A recomendação para adoção de regimes hipofracionados foi inclusive endossada pelo Guideline ASTRO-ASCO-AUA, o que torna o atual estudo potencialmente “anacrônico” ou desatualizado no que se refere à dose empregada.

Quanto à toxicidade semelhante, chamou a atenção que no estudo GETUG-AFU 18 o grupo baixa dose (70Gy) recebeu a alta tecnologia do IMRT – sabidamente menos tóxica do que radioterapia conformada tridimensional – em somente 58,6% dos pacientes, e o grupo alta dose (78Gy) recebeu IMRT em 80,6% dos pacientes, diferença esta estatisticamente significativa (p<0,001). Portanto a conclusão de toxicidade igual não pode ser considerada.

Em resumo, o estudo confirma a literatura anterior quanto ao benefício da adição de hormonioterapia de longo prazo à radioterapia em tumores de alto risco, e que escalonamento de dose tem igual benefício. Basta saber se a mesma conclusão se dá para os novos fracionamentos em uso, tanto hipofracionamento moderado quanto ultra-hipofracionamento em associação a hormonioterapia.

Referências:

Int J Radiat Oncol Biol Phys 2008;70(1)67-74

Int J Radiat Oncol Biol Phys 2019;104(2)325-33

Lancet Oncol 2016;17(8)1061-9

Lancet 2019;394(10196)385-95

J Oncol Pract 2018;15(1)50-5

J Oncol Pract 2020;17(4)e537-47