Uma maior ingestão de fibras em pacientes após transplante alogênico de células hematopoiéticas está associada a um aumento na sobrevida global e diminuição na incidência cumulativa de doença do enxerto contra o hospedeiro aguda de trato gastrointestinal inferior. Os resultados são de estudo apresentado em sessão oral no ASH 2024. A brasileira Marina Burgos da Silva (foto), pesquisadora sênior no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova Iorque, é coautora do trabalho.
A fibra alimentar pode modular o microbioma intestinal e aumentar a produção de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) e ácidos biliares (BAs), que são metabólitos microbianos benéficos associados à homeostase intestinal.
Para investigar os efeitos da fibra alimentar na doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) aguda após transplante alogênico de células hematopoiéticas (alo-HCT), os pesquisadores avaliaram um modelo pré-clínico de GVHD em camundongos com concentrações definidas de fibra alimentar e analisaram os padrões alimentares de pacientes com alo-HCT. A hipótese era que que uma dieta rica em fibras em receptores de alo-HCT poderia aumentar a diversidade do microbioma intestinal, a concentração de metabólitos microbianos benéficos e diminuir o risco de DECH.
Os pesquisadores coletaram dados alimentares de alta resolução no Memorial Sloan Kettering Cancer Center (173 pacientes de alo-HCT), de 10 dias antes do transplante a 30 dias após o transplante (3.837 dias de paciente), dados de sequenciamento de 16S rRNA de amostras fecais (1.028 dias de paciente) e dados de cromatografia gasosa-espectrometria de massa (GC-MS) da concentração de SCFA fecal para uma subcoorte de pacientes com DECH GI inferior aguda (110 dias de paciente) e pacientes sem DECH (128 dias de paciente) pareados pela disponibilidade de amostra de fezes.
Foram investigadas as associações entre a ingestão longitudinal de fibras e marcadores microbianos (análise de dados longitudinais, equações de estimativa generalizadas), incluindo diversidade α, produtores de butirato e concentrações de SCFAs fecais entre pacientes com DECH de trato gastrointestinal inferior e sem DECH.
Para explicar a alta variação nas trajetórias de ingestão alimentar dos pacientes e interações de macronutrientes, foi realizada uma análise de classe de trajetória latente para identificar os padrões de ingestão alimentar do paciente e correlacionar a ingestão de fibras e a sobrevida.
Avaliamos como a fibra alimentar pode afetar a DECH em um modelo pré-clínico de DECH em camundongos (C57BL/6J em BALB/c) tratado com celulose em concentrações de 0%, 6%, 12% e 40%, e avaliamos a sobrevida (n=180, n=30 por grupo), composição microbiana fecal por sequenciamento shotgun (n=165), concentrações de SCFA por GC-MS (n=32, n=8 grupo), composição imunológica por citometria de fluxo (n=45, n=15 grupo) e a expressão gênica de células da lâmina própria de cólons de camundongos por sequenciamento de célula única (scSeq) (n=9, n=3 grupo).
Resultados
Em pacientes submetidos a transplante alogênico de células hematopoiéticas, uma maior ingestão de fibras foi significativamente associada a uma maior diversidade α microbiana (p=0,009), maior abundância de produtores de butirato (p=0,03) e uma maior concentração de butirato (p=0,02). Pacientes com DECH -GI inferior apresentaram concentrações fecais significativamente menores de butirato (p=0,03) e acetato (p=0,02) após ajuste para ingestão de fibras.
A análise de classe de trajetória latente identificou dois grupos de pacientes: alta ingestão de fibras e baixa ingestão de fibras, onde o grupo de alta ingestão apresentou uma sobrevida global significativamente melhor (log-rank p=0,04) e menor incidência cumulativa de DECH-GI inferior aguda (Gray’s p=0,04).
No modelo pré-clínico de DECH, camundongos que receberam uma dieta rica em fibras (12% de celulose) tiveram uma redução significativa na letalidade de DECH (p=0,02), maior diversidade α microbiana (p=0,02), diminuição da abundância relativa da bactéria patogênica Enterococcus faecalis (p=0,001 vs. 0%), uma maior proporção de células T reguladoras (CD4+CD25+FOXP3+) sobre células T convencionais (CD4+) (p=0,008; p=0,001) e uma maior concentração de butirato cecal (p=0,03 vs. 0%; p=0,03 vs. 6%).
A análise scSeq de células T CD4+ na dieta de 12% de celulose evidenciou um aumento significativo na expressão de genes associados à redução da DECH, incluindo IDO1 (indoleamina 2, 3-dioxigenase) e CEACAM1 (molécula de adesão celular relacionada ao antígeno carcinoembrionário 1), bem como o enriquecimento da via do ácido biliar e genes associados (p=0,01 vs. 0%; p=0,006 vs. 6%), incluindo o receptor NR4A1 ativado pelo farnesoide X.
Em síntese, os resultados indicam que uma maior ingestão de fibras em pacientes após alo-HCT está associada a um aumento na sobrevida global; diminuição na incidência cumulativa de DECH agudo do trato gastrointestinal inferior; aumento na diversidade α microbiana e produtores de butirato; e aumento nas concentrações fecais de SCFAs.
“Além disso, o consumo de uma dieta de 12% de celulose em um modelo pré-clínico de DECH leva a um aumento na α-diversidade, uma diminuição na abundância relativa de patógenos, um aumento na razão Treg/Tconvencional e uma diminuição na letalidade de DECH. Esses resultados sugerem que a fibra alimentar pode ser usada na prevenção de DECH”, concluíram os autores.
Referência:
Program: Oral and Poster Abstracts
Type: Oral
Session: 701. Experimental Transplantation: Basic and Translational: GVHD, Mucosal Immunology and the Microbiome
Saturday, December 7, 2024: 2:00 PM