De acordo com dois estudos internacionais selecionados no programa científico do ESMO 2024, mulheres que amamentam após receber tratamento para câncer de mama, incluindo aquelas com mutação BRCA da linha germinativa, não enfrentam risco aumentado de recorrência ou desenvolvimento de novos cânceres de mama. (1,2)
“Nosso estudo fornece a primeira evidência sobre a segurança da amamentação após o câncer de mama em mulheres jovens portadoras de mutação BRCA da linha germinativa”, disse Eva Blondeaux, oncologista do IRCCS Ospedale Policlinico San Martino, em Gênova, Itália, que apresenta os resultados no congresso europeu, que acontece em Barcelona de 13 a 17 de setembro. “Isso indica a possibilidade de que essas mulheres podem atingir um equilíbrio entre as necessidades da mãe e as do bebê”, analisa.
Diante da natureza hormonal do câncer de mama, havia preocupações sobre gravidez e amamentação após a doença, pois ambas envolvem alterações nos níveis hormonais. Isso foi particularmente verdadeiro para mulheres com mutação BRCA, que permanecem em alto risco de desenvolver um segundo câncer na mama contralateral. Embora estudos recentes tenham demonstrado que nem os tratamentos de reprodução assistida (3) nem a gravidez estão associados ao aumento do risco de recorrência ou a novos casos de câncer de mama (4), incluindo ocorrências em mulheres com mutação germinativa BRCA, até agora poucas evidências estavam disponíveis sobre a viabilidade e segurança da amamentação nessas mulheres.
"Espero que essas novas descobertas melhorem a maneira como aconselhamos essas pacientes", disse Blondeaux. O estudo internacional acompanhou quase 5.000 mulheres jovens portadoras de mutação germinativa BRCA que sobreviveram ao câncer de mama. Quase uma em cada quatro das 474 mulheres que posteriormente deram à luz amamentou seu bebê; pouco menos da metade não conseguiu amamentar porque ambas as mamas foram removidas para reduzir o risco futuro de câncer. Após um acompanhamento médio de sete anos após o parto, não houve diferença no número de recorrências de câncer de mama ou novos casos de câncer de mama em mulheres que amamentaram seus bebês em comparação com aquelas que não amamentaram (razão de risco de subdistribuição ajustada 1,08, intervalo de confiança de 95% 0,57-2,06, p = 0,82). Também não houve diferença na sobrevida livre de doença ou na sobrevida global.
Um segundo estudo que expande a investigação além do BRCA, abordando mulheres com câncer de mama precoce positivo para receptor hormonal, mostrou resultados semelhantes, sem riscos associados à amamentação. (2).
“Esses resultados são essenciais para mulheres que desejam engravidar e amamentar seus bebês após o câncer de mama”, disse Fedro Alessandro Peccatori, Diretor da Unidade de Fertilidade e Procriação do Instituto Europeu de Oncologia IRCCS, Milão, Itália, coautor do estudo. “É hora de começar a pensar nas sobreviventes do câncer de mama como mulheres com todos os direitos, necessidades e possibilidades de mulheres que nunca tiveram câncer”, enfatizou. “Os médicos estavam preocupados em dar a essas mulheres a chance de ter um bebê, mas recentemente mostramos que isso é seguro no curto prazo. Agora, com essas novas informações, podemos desmascarar o mito de que a amamentação não é possível nem segura para sobreviventes do câncer de mama. Elas podem ter uma gravidez e um relacionamento normais com seus bebês, incluindo a amamentação”, destacou.
O estudo internacional POSITIVE incluiu 518 mulheres que interromperam temporariamente o tratamento do câncer de mama para ter um bebê; 317 tiveram pelo menos um filho vivo e quase duas em cada três mulheres amamentaram (62%). Em dois anos do primeiro nascimento vivo, a proporção de mulheres com recorrência do câncer de mama ou novo câncer de mama foi semelhante entre aquelas que amamentaram (3,6%) e aquelas que não amamentaram (3,1%).
"Anteriormente, faltavam dados de alta qualidade sobre a viabilidade e segurança da amamentação em mulheres jovens que foram tratadas para câncer de mama. Até agora, as mulheres e os profissionais de saúde não tinham informações sobre a viabilidade da amamentação após a cirurgia do câncer de mama, sobre a segurança de interromper os tratamentos adjuvantes para amamentação e sobre as alterações hormonais relacionadas a ela", explicou Maria Alice Franzoi, oncologista e pesquisadora do Gustave Roussy, em Villejuif, França, não envolvida nos estudos. "Os dados dessas duas pesquisas serão extremamente úteis para orientar nossas discussões práticas com mulheres jovens diagnosticadas com câncer de mama", acrescentou Franzoi. A especialista destacou a necessidade de discutir sobre o planejamento de cuidados de sobrevivência – incluindo preservação da fertilidade, gravidez e amamentação – no momento do diagnóstico, para que as mulheres estejam preparadas e capacitadas durante toda a jornada do câncer de mama para a tomada de decisão compartilhada.
Referências:
1 - Blondeaux E, Delucchi V, Mariamidze E et al. Breastfeeding after breast cancer in young BRCA carriers: results from an international cohort study. Abstract 1815O, presented at the ESMO Congress 2024 (13-17 September), Proffered Paper Session on Saturday, 14 September, 14:45-16:25 (CEST) in the Pamplona Auditorium - Hall 3.
2 - Azim HA, Niman S, Partridge AH et al. Breastfeeding in women with hormone receptor-positive breast cancer who conceived after temporary interruption of endocrine therapy: Results from the POSITIVE trial. Abstract 1814O. presented at the ESMO Congress 2024 (13-17 September), Proffered Paper Session on Saturday, 14 September, 14:45-16:25 (CEST) in the Pamplona Auditorium - Hall 3.
3 - Lambertini M, Magaton IM, Hamy-Petit A-S et al. Safety of assisted reproductive techniques in young BRCA carriers with a pregnancy after breast cancer: results from an international cohort study. Abstract 266O presented at ESMO Breast Cancer 2024.
4 - Partridge AH, Niman SM, Ruggeri M et al. Interrupting endocrine therapy to attempt pregnancy after breast cancer. NEJM 2023; 388: 1645-1656
5 - Lambertini M, Blondeaux E, Agostinetto E et al. Pregnancy after breast cancer in young BRCA carriers. An international hospital-based cohort study. JAMA 2024; 331: 49-59