O oncologista Paulo Hoff (foto) assume a presidência da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) com o desafio de aumentar o acesso dos pacientes ao diagnóstico e tratamento adequado, fomentar a pesquisa clínica nacional e fortalecer programas de educação médica continuada. “A oncologia que se pratica hoje é muito diferente daquela praticada 5 anos atrás, e certamente muito diferente do que será a prática daqui a 5 anos. E a Sociedade tem que ajudar o associado a se manter atualizado”, destaca. Confira a entrevista exclusiva.
Quais as principais metas da sua gestão? Que eixos devem pautar o trabalho SBOC nos próximos anos?
Queremos continuar profissionalizando a administração da SBOC. Nas últimas gestões nós já andamos nessa direção, com um grupo de colaboradores que permita uma continuidade das propostas e estratégias que estão sendo implementadas ao longo dos mandatos. Queremos continuar nesse caminho. A profissionalização permite que a Sociedade seja equipada em infraestrutura e pessoal para garantir que as estratégias determinadas pelo corpo diretivo sejam implantadas.
Acredito que o eixo principal é o ensino, com iniciativas como a Escola Brasileira de Oncologia. A Sociedade tem como um dos seus pilares fundamentais continuar ajudando na formação e atualização dos nossos sócios. E preparar futuros sócios, atuar ajudando na formação de médicos clínicos e oncologistas, que serão os nossos sócios no futuro. Temos que aumentar a possibilidade dessas pessoas participarem dos nossos projetos. Então, ensino é muito importante, e pretendemos aprofundar os projetos tanto na graduação, na pós-graduação, como na educação médica continuada do oncologista. A oncologia é uma área de grande evolução. A oncologia que se pratica hoje é muito diferente daquela que era praticada 5 anos atrás, e certamente muito diferente do que será daqui a 5 anos. E a Sociedade tem que ajudar o associado a se manter atualizado.
O segundo eixo fundamental é acesso. Queremos dar nossa contribuição à sociedade para estudar maneiras de garantir que todo cidadão brasileiro, independentemente de ser um indivíduo com saúde suplementar ou que faça seu atendimento pelo Sistema Único de Saúde, tenha acesso, no tempo certo, ao tratamento oncológico adequado. A Sociedade tem que defender que os avanços se estendam a todos os brasileiros.
Acesso também ao diagnóstico?
Exatamente. Inclusive, acredito que hoje, na realidade brasileira, o tempo do diagnóstico talvez seja mais relevante do que discutirmos tratamentos farmacológicos, por exemplo, que é algo que temos uma atenção muito grande. Para nós, é muito importante que o paciente tenha o diagnóstico correto, rápido, até para simplificar o tratamento. A detecção precoce torna o tratamento mais fácil, mais eficiente e mais barato.
Outra questão importante é da defesa do profissional. Estamos em uma fase em que é importante que o profissional se sinta prestigiado e reconhecido, e acho que isso é uma função da Sociedade também, defender boas condições de trabalho para todos os oncologistas do Brasil. Isso é algo que não se fala muito, mas acredito ser relevante.
Finalmente, para mim um dos eixos mais importantes, é que num país como o Brasil, com um número grande de profissionais muito bem formados na área da oncologia, com estruturas de assistência estabelecidas, universidades muito preparadas, nós temos que ter mais pesquisa. Um dos pontos que queremos trabalhar é ajudar no desenvolvimento da ciência. A nossa chapa tinha como primeiro mote ciência, nós acreditamos que a ciência é que vai contribuir efetivamente com os avanços necessários para que mais pacientes se curem. E ciência se faz com pesquisa. Existe em nosso grupo o interesse de fomentar pesquisa. E como a Sociedade pode fazer isso? Aumentando os locais de capacitação de futuros cientistas, tentando atrair eventuais projetos para os nossos associados, democratizando o processo de pesquisa, e finalmente trabalhando na questão regulatória junto às agências para tentar fazer com que o processo de aprovação seja cada vez mais eficiente e ético.
A questão da capilaridade, tanto da assistência, como da realização de projetos de pesquisa, é algo que a atual diretoria pretende trabalhar?
Fico feliz que tenha mencionado essa questão, porque esse é um projeto que começou recentemente. Estamos buscando maior representatividade regional, trabalhar para ter representantes regionais que participem e são ouvidos. Realmente, precisamos fazer com que o paciente encontre um bom profissional em todo o país, não apenas em grandes centros, e que os nossos profissionais no Brasil inteiro se sintam acolhidos e representados pela SBOC. Como Sociedade, a SBOC não é em si geradora de pesquisa, mas pode ser um intermediário, um facilitador do desenvolvimento do processo.
É possível equilibrar inovação e acesso no cenário da oncologia? A medicina personalizada pode dialogar com o conceito de saúde coletiva, de saúde para todos?
Esta não é uma questão fácil, mas acho que a resposta talvez esteja no aprofundamento maior, e não menor, da medicina personalizada. Vou exemplificar com o tratamento de tumores de cólon metastático. Há uma classe de tratamento que são os anti-EGFR. Quando eles surgiram, a indicação era para praticamente 100% dos pacientes. Com o tempo, foi identificado uma série de alterações moleculares que indicam resistência a esses produtos. Então, hoje, de cada 100 pacientes com câncer de cólon e reto, somente 40 pacientes têm indicação de uso desse produto. Em termos absolutos, é uma economia de 60%, sem mexer no custo do produto. O que você fez foi refinar a indicação.
Eu entendo que a medicina personalizada é dispendiosa, é cara, mas ela é mais eficiente se for efetivamente implantada em toda a sua potencialidade, limita o escopo do número de pacientes que a utilizam. Não é solução final, mas parte da solução talvez passe por um aumento da personalização. O conceito aqui é o conceito de valor, não só o custo, mas qual o benefício que você está extraindo desse investimento. Tendo dito isso, e até por causa da desvalorização cambial recente, a realidade é que os medicamentos estão com custos bastante elevados. E acho que a sociedade não tem a solução, mas pode participar do diálogo para discutir como tornar essas medicações efetivamente disponíveis. O problema do investimento necessário para o tratamento do câncer é mundial. Não é um desafio exclusivamente brasileiro. Mas temos que achar nossos próprios caminhos.
Um desses caminhos seriam os biossimilares, por exemplo?
Com certeza. Uma das expectativas que se tem, e isso parte de um sistema capitalista, é que o aumento da competição levaria a uma redução do custo. Eu acho que o caminho do biossimilar é correto, e honestamente, acredito que não tem volta. O biossimilar fará cada vez mais parte do armamentário do oncologista, especialmente quando falamos em termos de sistema público de saúde, que precisa ser muito consciente do uso do recurso. Há que haver uma transparência em relação aos resultados, à eficiência, a farmacovigilância é importante e acho que tem que ser melhorada, tem que haver transparência em relação a esses resultados, tanto em termos de eficácia quanto em termos de toxicidade.
O SUS e a emergência sanitária da COVID-19. Que lições ficam para a sociedade e profissionais de saúde?
Foi muito importante para o Brasil ter a possibilidade de ter um sistema unificado de saúde pública nesse momento. O Brasil foi um dos países que conseguiu atender essa necessidade. Claro, tivemos algumas questões, alguns ajustes, mas no geral o sistema se saiu bem. Tivemos um aumento no número das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), que saltaram de 20 mil vagas para 40 mil vagas no país, mostrando que houve flexibilidade no sistema para acompanhar a necessidade do aumento de oferta. São coisas positivas.
Já me disseram que quem usa o SUS o considera em mais alta conta do que aqueles que não utilizam. E eu acho que o que aconteceu foi que as pessoas viram que o sistema funciona. O SUS está subfinanciado há muito tempo, poderia ser muito melhor, mas funciona. Já imaginou uma epidemia dessa magnitude se as pessoas não tivessem a possibilidade de serem atendidas gratuitamente?Coisas negativas também acontecem, e temos que aprender com elas. Umas das coisas que a pandemia nos fez perceber, por exemplo, é que o país estava altamente dependente de insumos estratégicos estrangeiros. Com o tempo, a indústria brasileira foi desaparecendo em relação a insumos de proteção, máscaras, aventais, etc, e agora está acontecendo uma retomada na produção nacional.
Outro aspecto que vale ressaltar, especialmente na oncologia, é a importância da manutenção do tratamento dos pacientes. Um número grande de pacientes não tratou adequadamente sua doença nesse período, e estamos observando uma sobrecarga nos serviços, de pacientes que estão procurando os serviços médicos com doença mais avançada, que deixaram o tratamento de lado ou levaram mais tempo para a realização do diagnóstico. Essa é uma questão que vamos ter que lidar.
Que take home message gostaria de deixar para a comunidade brasileira de oncologia?
Temos a consciência da responsabilidade que a nossa Sociedade tem de representar os médicos que hoje tratam a segunda causa mais frequente de mortes em nosso país, e estamos cientes das dificuldades para que haja tratamento adequado aos nossos concidadãos. A SBOC vai trabalhar de uma maneira transparente, ética, para fazer com que os oncologistas se sintam representados e preparados para atuar e oferecer o melhor tratamento aos nossos concidadãos que sofrem dessa doença tão difícil que é o câncer. Vamos atuar junto aos órgãos governamentais e agências reguladoras tentando, na medida do possível, dar nossa contribuição para melhorar o acesso dos pacientes.