Existe um potencial benefício do tratamento sistêmico seguido de ressecção cirúrgica radical em pacientes com câncer gástrico ou da transição esôfago-gástrica (TEG) metastático? Estudo recentemente publicado no JAMA Oncology, o AIO-FLOT3 Trial analisou esta questão. O objetivo foi avaliar os resultados do uso da quimioterapia inicial, seguido de cirurgia oncológica radical em pacientes com doença metastática limitada. Em artigo exclusivo, o cirurgião oncológico Felipe Coimbra (foto), presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), comenta o trabalho.
O câncer gástrico ainda é em nosso meio uma das principais causas de óbito por câncer no mundo (2a) e um dos mais incidentes no país (5o). As chances de cura estão diretamente relacionadas ao diagnóstico mais precoce e a um tratamento cirúrgico bem-feito, com técnica oncológica adequada. Infelizmente, nos países ocidentais, seu diagnóstico é na maioria das vezes em fases avançadas e na presença de doença metastática, onde a sobrevida global média gira em torno de 10 meses.
Mais recentemente, vários estudos e experiências de grandes centros oncológicos têm demostrado o benefício do tratamento multidisciplinar, com combinação de esquemas quimioterápicos à cirurgia oncológica em pacientes M0, porém com estadiamentos avançados e, portanto, com alto risco de recidiva local e sistêmica. Vale citar os diversos estudos ocidentais e orientais mostrando claras evidências do uso da quimioterapia peri-operatória (neoadjuvante), adjuvante, da HIPEC (quimioterapia intraperitoneal hipertérmica) em casos selecionados e suas combinações. No entanto, apesar destes grandes avanços, fica ainda a pergunta: Existe um potencial benefício do tratamento sistêmico seguido de ressecção cirúrgica radical em pacientes com câncer gástrico ou da transição esôfago-gástrica (TEG) metastáticos?
Estudo recentemente publicado no JAMA Oncology, o AIO-FLOT3 Trial analisou esta questão. O objetivo do estudo foi avaliar os resultados do uso da quimioterapia inicialmente, seguido de cirurgia oncológica radical em pacientes com doença metastática limitada.
Trata-se de estudo prospectivo, fase 2, que avaliou 252 pacientes com câncer gástrico ou da TEG, ressecável ou metastático, sendo que 60 foram classificados como doença metastática limitada, e destes 36 foram submetidos à cirurgia radical, incluindo a ressecção de metástases e tumor primário. Os pacientes eram oriundos de 52 centros especializados em câncer na Alemanha entre fevereiro de 2009 e janeiro de 2010, e estratificados em 3 grupos: ressecável (A), metástases limitadas (B) e extensa doença metastática (C).
Pacientes no grupo A receberam 4 ciclos de QT pré-operatória com fluoracil, leucovorin, oxaliplatina e docetaxel (FLOT), seguido de cirurgia, em seguida mais 4 ciclos. O grupo B recebeu pelo menos 4 ciclos do mesmo esquema de QT, e tratamento cirúrgico radical do primário e das metástases, desde que após o estadiamento os cirurgiões antecipassem chance de ressecção completa de todas as lesões (RO ou pelo menos ressecção macroscópica completa). No grupo C os pacientes receberam o mesmo FLOT e cirurgia, somente se fosse necessária alguma cirurgia para paliação. Os pacientes receberam uma média de 8 ciclos de FLOT no estudo (1-15). O endpoint foi sobrevida global.
Resultados
Do total de 252 pacientes, 238 foram elegíveis. A idade média foi de 66 anos no grupo A, 63 no grupo B e 65 no C. A doença metastática no grupo B foi assim dividida: 45% tinham somente doença linfonodal à distância, no retroperitônio; 18,3% metástases hepáticas; 16,7% pulmonar; 6,7% tinham doença peritoneal localizada; e 13,3% outros sítios. A sobrevida média foi 22,9 meses para o grupo B (doença metastática limitada e ressecável), comparada à 10,7 meses para o grupo C (equivalente a estudos anteriores para tratamento sistêmico isolado).
A taxa de resposta para o grupo B foi de 60% (10% completa, 50% parcial) e a porcentagem de pacientes submetidos à cirurgia também foi de 60%. Quando avaliada a sobrevida apenas do grupo ressecado, a sobrevida global média foi de 31,3 meses, e 15,9 meses para os que continuaram apenas com a QT.
Os autores concluíram que pacientes com doença metastática podem se beneficiar do tratamento multidisciplinar com quimioterapia inicial seguida de cirurgia mesmo no cenário de doença sistêmica, desde que a doença não seja extensa e passível de ressecção completa por equipe cirúrgica especializada.
Tal resultado corrobora que, mesmo num grupo de doença metastática não extensa, quando a ressecção cirúrgica é factível ela deve ser considerada como uma opção real de tratamento com possibilidade de sobrevida a longo prazo para estes pacientes. Abre também um racional interessante e uma perspectiva para futuros estudos clínicos para pacientes selecionados com boa resposta à quimioterapia e com cirurgia radical por grupos cirúrgicos especializados.
Este resultado valida outros estudos realizados previamente que demonstram o papel da ressecção de doença peritoneal com o uso de quimioterapia pré-operatória e intraperitoneal associada à cirurgia radical, assim como da ressecção de doença linfonodal retroperitoneal da ressecção de metástases hepáticas para o câncer gástrico em pacientes selecionados.
Portanto, assim como em doenças claramente ressecáveis, a discussão multidisciplinar entre a equipe de oncologistas clínicos, cirurgiões oncológicos, patologistas e radiologistas deve ser realizada sempre que possível antes do início do tratamento, para avaliação de todas as possibilidades terapêuticas e, assim, conferir aos pacientes uma ampla oportunidade de decisão diante das novas evidências em desenvolvimento.
Importância do estudo
Um trabalho bem conduzido, com esquema promissor de quimioterapia mostrando potencial benefício do tratamento multidisciplinar combinando quimioterapia e cirurgia radical em pacientes antes considerados para tratamento paliativo, com chances de cura e sobrevida em longo prazo.
Referência: Effect of Neoadjuvant Chemotherapy Followed by Surgical Resection on Survival in Patients With Limited Metastatic Gastric or Gastroesophageal Junction Cancer - The AIO-FLOT3 Trial - JAMA Oncol. Published online April 27, 2017. doi:10.1001/jamaoncol.2017.0515