O futuro do tratamento do câncer de pâncreas é tema do artigo do cirurgião Felipe Coimbra (foto) e colegas do Departamento de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center. O tema concentrou as atenções do Módulo Gastrointestinal Alto no Next Frontiers to Cure Cancer, evento que aconteceu entre os dias 20 e 22 de abril, em São Paulo.
*Por Felipe Coimbra
O adenocarcinoma de pâncreas se caracteriza por ser uma neoplasia extremamente agressiva, e apesar dos avanços no diagnóstico, no tratamento cirúrgico e no tratamento sistêmico, permanece como a única neoplasia, entre as mais incidentes, com sobrevida global em 5 anos de apenas 1 dígito, o que a torna uma prioridade para novas pesquisas e descobertas terapêuticas.
O Next Frontiers to Cure Cancer, através do Módulo Gastrointestinal Alto, concentrou sua programação nesta doença desafiadora, abordando as fronteiras em relação à sua epidemiologia, aspectos moleculares da sua carcinogênese, assinatura genética, avanços no diagnóstico, tendências do tratamento cirúrgico, terapias neoadjuvantes, estado de arte atual na doença metastática, novas abordagens além da terapia citotóxica e perspectivas de ciência e pesquisa para um tratamento personalizado.
Promovido pelo Departamento de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center, o painel contou com a participação de especialistas de importantes instituições nacionais, incluindo pesquisadores translacionais, epidemiologistas, radiologistas, patologistas, cirurgiões e oncologistas clínicos, além da participação cirurgião Oliver Strobel, pesquisador da Universidade de Heidelberg (Alemanha), um dos principais centros de tratamento e pesquisa de câncer de pâncreas do mundo.
Epidemiologia
Atualmente, os dados epidemiológicos mundiais mostram que o adenocarcinoma de pâncreas representa a 4ª causa de morte por câncer entre mulheres e a 5ª causa de morte entre homens, com aproximadamente 270 mil novos casos por ano e 260 mil mortes relacionadas1(Siegel R, Ma J, Zou Z, Jemal A. Cancer statistics, 2014. CA Cancer J Clin 2014;64:9-29).
O cenário para o futuro próximo é extremamente preocupante. Através de projeções epidemiológicas, estima-se que nos EUA o câncer de pâncreas se tornará a 2 ª causa de mortes relacionadasao câncer durante a próxima década, ultrapassando as neoplasias colorretais, e ficando abaixo apenas do câncer de pulmão2.(Cancer Res; 74(11); 2913–21. 2014 AACR).
Esta tendência sombria está relacionada principalmente ao seu comportamento agressivo, com alto potencial de metástases, à falta de tratamentos eficazes, ao aumento da incidência, aumento da longevidade e também pela ausência de evidência para screening populacional.
As taxas de incidência de ambos os sexos aumentam com a idade, sendo mais elevada a partir dos 70 anos. É predominantemente uma doença de idosos, e quase 90% dos casos são diagnosticados após a idade de 55 anos.
Screening e Prevenção
Não há nenhuma recomendação atual de screening populacional para o câncer de pâncreas. Entretanto, o screening é recomedado para grupos de alto risco para este tumor, como famílias com síndrome de pancreatite familiar, mutações de BRCA e síndrome de melanoma familial. Neste contexto a prevenção é de fundamental importância.
Fatores de risco potencialmente modificáveis incluem tabagismo, obesidade, diabetes mellitus, dislipidemias, dieta rica em carne vermelha e consumo de álcool. Até o momento, a melhor estratégia preventiva contra o câncer de pâncreas é a redução de riscos, incluindo mudanças no estilo de vida como cessação do tabagismo, manutenção do peso saudável, dieta rica em frutas e legumes, exercícios regulares e evitar excesso de carne vermelha e ingestão alcoólica.
Estimativas recentes sugerem que o tabagismo é o principal fator de risco externo associado ao câncer de pâncreas, sendo que o controle do tabagismo oferece a melhor estratégia disponível para reduzir a sua incidência. Estima-se que cerca de 11 a 32% dos cânceres pancreáticos poderiam ser evitados através da prevenção do tabagismo3.(Maisonneuve e Lowenfels, International Journal of Epidemiology, 2015, Vol. 44, No. 1).
Em 2009, um estudo prospectivo multicêntrico europeumostrou que o risco é reduzido para os níveis de um não-fumante após apenas cinco anos de cessação.
Microbiota e Câncer de Pâncreas
Dados recentes sugerem que a microbiota possa desempenhar um papel na carcinogênese do adenocarcinoma de pâncreas.
Existem evidências crescentes que a infecção por Helicobacter pylori é um fator de risco para o câncer pancreático, podendo estar relacionado entre 4% a 25% dos casos4 (Maisonneuve e Lowenfels, International Journal of Epidemiology, 2015, Vol. 44, No. 1).
A microbiota oral, especialmente a bactéria Porphyromonas gingivalis, relacionada a doença periodontal, também pode ter um papel no desenvolvimento do câncer de pâncreas. Alguns estudos apontam que hepatites virais crônicas também possam ser possíveis fatores etiológicos5 (ArchToxicol ,2016, 90:2617–2642).
Entretanto ainda não existem diretrizes ou recomendações em relação a estas recentes evidências. Estudos futuros com foco no microbioma humano como um marcador etiológico de susceptibilidade à doença devem lançar maior clareza sobre novas abordagens de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento do câncer de pâncreas.
Fatores Genéticos
Fatores genéticos estão relacionados a aproximadamente 10% dos Adenocarcinomas de pâncreas6 (Landi 2009; Raimondi et al. 2009).
Nos pacientes de alto risco para câncer de pâncreas, definidos como parentes de primeiro grau de pacientes com câncer de pâncreas, pacientes com síndrome de Peutz-Jeghers, síndrome de Lynch, pacientes portadores de mutações de p16 e BRCA2, pacientes com pancreatite familiar e melanoma maligno familiar, a recomendação atual, baseado em um Consórcio Internacional (CAPS – Cancer of the Pancreas Sccreening) é a realização de US endoscópico e ou ressonância magnética do abdome em intervalos regulares.
Uma ferramenta interessante, de acesso livre na internet é a “PancPRO”, que consiste em um programa de computador que estima o risco de câncer pancreático para indivíduos assintomáticos com base em um modelo epidemiológico e de susceptibilidade genética.
A quimioprevenção, com agentes como inibidores de COX , AAS , estatinas e metformina podem significar benefícios para pessoas com risco de desenvolver câncer de pâncreas , porém ainda precisa ser melhor estabelecido7 (ArchToxicol (2016) 90:2617–2642).
Terapias Neoadjuvantes e Cirurgia
Cirurgia radical é ainda considerada como a melhor opção para o tratamento potencialmente curativo e de sobrevivência a longo prazo em pacientes com adenocarcinoma de pâncreas. No entanto, apenas 20% dos pacientes têm critérios de doença ressecável.
Historicamente, o câncer de pâncreas era classificado basicamente a partir de 3 cenários: doença ressecável (20%); doença localmente avançada (30%); e doença metastática (50%) dos casos.
Um desenvolvimento promissor nos últimos anos tem sido a descrição de um subgrupo de pacientes com doença localmente avançada, definidos como borderline para ressecabilidade, e que correspondem a aproximadamente 10% dos casos.
Nos casos de adenocarcinoma localmente avançado não metastático é fundamental a avaliação de uma equipe multidisciplinar dedicada, incluindo cirurgiões e radiologistas,para definir pacientes potencialmente ressecáveis (borderline anatômico) e pacientes definitivamente irressecáveis.Além da presença de metástases à distância, a ressecabilidade é avaliada pelo grau de envolvimento do tumor primário com estruturas vasculares, principalmente tronco celíaco, artéria mesentérica superior e artéria hepática. Em relação ao acometimento da veia mesentérica superior e veia porta, é fundamental que seja avaliado a possibilidade de reconstrução para definição entre os tumores borderlines e os irressecáveis.
Apesar da definição de borderline não ser uniforme entre as Sociedades especializadas e entre Instituições - American Hepato-Pancreato-Biliary Association/ Society for Surgery of the Alimentary Tract / Society of Surgical Oncology (AHPBA/SSAO/SSO), NCCN, MD Anderson e Alliance for Clinical Trials in Oncology Group- por apresentar algumas divergências, sobretudo em relação ao grau de contato da lesão com os vasos mesentéricos e tronco celíaco, existe uma relativo consenso que estes pacientes têm uma alta probabilidade de alcançar uma ressecção R1, caso seja realizada a cirurgia de princípio.
Neste contexto, o racional de adotar uma terapia neoadjuvante com quimioterapia, associada ou não à radioterapia, tem demonstrado resultados promissores em taxa de ressecabilidade e de margens R0, alcançando em algumas séries retrospectivas e de estudos de fase II publicados pelo MD Anderson sobrevida entre 30 a 40 meses nos pacientes operados e que completaram o tratamento, a despeito ainda da falta de estudos randomizados conclusivos.
No ano de 2015 existiam mais de 3 dezenas de clinical trials em andamento para avaliar o papel da terapia neoadjuvante no cenário da doença borderline, com esquemas de quimioterapia diversos, associados ou não à radioterapia. Entre os mais recentes destaca-se o Alliance A021501, multi-institucional entre EUA e Canadá iniciado em dezembro de 2016. O trabalho incorpora terapia indutora citotóxica moderna baseada em FOLFIRINOX, seguido de radioterapia hipofracionada em um grupo apenas, reestadiamento, cirurgia, seguido de adjuvância com FOLFOX. A previsão de término é 2020.
Borderline: Mais que um conceito anatômico
O conceito de borderline tem outras dimensões, além de puramente anatômico, propostos sobretudo pelo MD Anderson, EUA, por Katz e cols em 2008, definindo o conceito de borderline clínico (paciente com 80 anos ou mais, com baixo KPS, e ou presença de comorbidades) e borderline biológico (pacientes com CA 19.9 elevado, linfonodos regionais, presença de nódulos pulmonares ou hepáticos, porém ainda sem caracterizar doença metástatica por suas pequenas dimensões, além de excessiva perda de peso), favorecendo nestes pacientes o ínicio do tratamento neoadjuvante.
No guideline do NCCN a partir de 2016, para pacientes com adenocarcinoma de pâncreas considerados borderline biológicos, recomenda-se considerar tratamento neoadjuvante mesmo que o tumor seja ressecável do ponto de vista anatômico.
Atualmente, o regime ideal de neoadjuvância ainda precisa ser definido, e existem controvérsias em relação à dose, tempo e regime de quimioterapia. Da mesma forma, a associação da quimioterapia à radioterapia também apresenta questões em aberto como tipo, dose e campo a ser empregado. A melhor sequência do tratamento multimodal também precisa ser estabelecida.
Doença Ressecável: terapia neodjuvante ou cirurgia up front?
A cirurgia seguida pelo tratamento adjuvante ainda representa o padrão de melhor evidência nos pacientes com adenocarcinoma pancreático ressecável, porém a despeito de significativas melhorias no resultado perioperatório, a sobrevida em 5 anos ainda permanece baixa, em torno de 20 a 25%.
Por outro lado, acumulam-se evidências através de estudos pré-clínicos, experimentais e moleculares, de que o adenocarcinoma de pâncreas é uma doença sistêmica, já em seus estádios iniciais, sendo imperativo que estes pacientes sejam expostos ao tratamento sistêmico.
As altas taxas de ressecções microscopicamente incompletas R1, descritas em séries históricas de grande instituições, revelando sobrevida baixa nestes pacientes (cerca de 8 a 12 meses), oferecem uma forte justificativa para o uso da terapia neoadjuvante neste cenário8 (Varadhachary, Annal S Oncology, Aug 2006, Volume 13, , pp 1035–1046).
Além disso, cerca de 25% a 48% dos pacientes não conseguem realizar a adjuvância devido à perda de performance por complicações relacionadas à cirurgia ou por progressão precoce, sendo que algumas séries relatam que menos que 50% dos pacientes conseguem terminar a adjuvância9 (Geus et AL, Surgery 2017 Volume 161, Number 3 ; Labori, Acta Oncologica 2016).
Atualmente existem 2 clinicals trials em andamento neste cenário de doença ressecável, com previsão de término em 2019:
NEPAFOX (NCT02172976), estudo alemão multicêntrico, randomizado, fase II/III, que compara gencitabina adjuvante com folfirinox na neoadjuvância e na adjuvância; e NEONAX (NCT02047513), trabalho norte-americano, randomizado fase II, comparando nab-Paclitaxel na neoadjuvância, cirurgia e adjuvância versus nab-Paclitaxel apenas na adjuvância.
Apesar de controvérsias sobre esta abordagem, pela ausência de estudos randomizados conclusivos, a terapia neoadjuvante, tanto para tumores ressecáveis como para tumores borderline, oferece a possibilidade de tratamento precoce da doença micrometastática, com maior tolerância, e evita-se uma cirurgia de grande porte em pacientes com doença de progressão rápida.
Câncer de Pâncreas Metastático: O Estado da Arte Atual
Novas combinações de drogas quimioterápicas para o tratamento do adenocarcinoma de pâncreas mudaram recentemente o paradigma no tratamento da doença metástatica, historicamente baseado em regime de gencitabina e 5FU. Diante de inúmeros estudos clínicos realizados na última década no cenário metástatico, apenas 3 estudos foram positivos e atingiram benefício clínico.
PRODIGY 4/ACCORD 11
Em 2011, o estudo PRODIGY 4/ACCORD 11 demonstrou que FOLFIRINOX, uma combinação de fluorouracil, oxaliplatina e irinotecano, apresentou sobrevida livre de progressão e sobrevida global superiores à gencitabina isolada em pacientes com doença metástatica. Entretanto, a desvantagem foi a toxicidade significativa associada a este esquema, com maior incidência de neutropenia e trombocitopenia de graus 3 ou 4.
MPACT
Em 2013, o estudo MPACT comparou a combinação de gencitabina e nab-paclitaxel versus gencitabina isolada em um total de 842 pacientes, demonstrando uma melhoria estatisticamente significativa na sobrevida mediana (8,7 meses versus 6,6 meses). Importante, este trial não excluiu pacientes idosos, ao contrário do ACCORD-11.
Toxicidades relacionadas com gencitabina e nab-paclitaxel foram, em geral, muito semelhantes às observadas com FOLFIRINOX, embora haja uma percepção de que FOLFIRINOX é melhor reservado para pacientes com melhor performance status.
Os dois regimes nunca foram formalmente comparados. Em abril de 2017 o nab-paclitaxel foi aprovado pela Anvisa para uso no Brasil neste cenário.
NAPOLI-1
Mais recentemente, em 2015, o estudo NAPOLI-1 comparou o efeito do irinotecano nanolipossomal com ou sem fluorouracil e ácido folínico, bem como a combinação fluorouracil e ácido folínico isoladamente em pacientes metastáticos que progrediram após uma abordagem inicial com gencitabina.
O irinotecano na sua forma nanolipossomal melhorou a estabilidade da droga e seu metabolito ativo, SN-38, permanece na circulação por tempo mais prolongado. A mediana de sobrevida global foi significativamente melhor para aqueles que receberam Irinotecano nanolipossomal, fluorouracil e ácido folínico (6,1 meses versus 4,2 meses) em comparação com os pacientes que não recebem irinotecano nanolipossomal. Similarmente, a sobrevida livre de progressão foi melhorada para a terapia combinada com irinotecano nanolipossomal.
Baseado neste estudo, o FDA aprovou o uso de irinotecano nanolipossomal com fluorouracilo e ácido folínico para o tratamento do adenocarcinoma de pâncreas metastático refratário à gencitabina. Ressalta-se, porém, que a toxidade foi relativamente semelhante com o FOLFIRINOX e gencitabina com nab-paclitaxel.
O Estado da arte
Embora novas combinações de quimioterapia tenham mostrado benefícios na doença metastática, o adenocarcinoma de pâncreas permenece um grande desafio na prática clínica devido a múltiplos fatores como população idosa, baixa performance clínica e uma sintomatologia limitante (caracterizada por obstrução de vias biliares, suboclusão intestinal, ascite e dor oncológica), além do controle das comorbidades associadas.
O estado da arte está em conciliar todos estes fatores, com a possibilidade de troca de esquemas terapêuticos, a partir da constatação de progressão de doença do esquema inicial, ou a necessidade frequente de redução de doses, com o desafio de manter um equilíbrio entre o ganho terapêutico, efeitos colateriais do tratamento e manutenção da qualidade de vida dos pacientes.
Assinatura genética do adenocarcinoma de pâncreas: uma neoplasia heterogênea
Recentemente,estudos de análise genômica utilizando técnicas de Next Generation e de análises de transcriptoma permitiram subclassificar o adenocarcinoma pancreático a partir de padrões de alterações específicos, permitindo reconhecer uma neoplasia heterogênea, com fenótipos e prognósticos distintos.
Particularmente, estudos genômicos têm mostrado que múltiplos subclones heterogêneos residem no mesmo tumor primário com potencial metastático diferente.
Em um estudo seminal, realizado pelo Australian Pancreatic Cancer Genomeatravés do International Cancer Genome Consortium, realizou-seo sequenciamento de todo o genoma de 100 casos de adenocarcinoma de pâncreas, sendo observado que a variação na estrutura cromossômica é um importante mecanismo de lesão do DNA na carcinogênese. A partir da variação estrutural dos cromossomos foi possível classificar os tumores em 4 subtipos: estável (20% de todas as amostras), reorganizado localmente (30%), disperso (36%) e instável (14%). De particular interesse é o fenótipo instável, em que foram encontrados mais de 200 eventos de variação estrutural, o que muitas vezes sugere danos às vias de reparo do DNA. Este subgrupo e outros que têm alterações de reparo do DNA podem ser particularmente sensíveis a quimioterápicos contendo platina e ou inibidores de PARP (Poly ADP Ribose Polymerase).
Em relação aos estudos transcriptônicos(o transcriptoma corresponde à fração do código genético de DNA que é transcrita pela RNA polimerase em moléculas de RNA), foram descritos vários subtipos, que revelaram fatores prognósticos distintos.
Collisson e colaboradores propuseram três categorias: "clássica", "quase-mesenquimal" e "exócrina-like". A forma clássica apresentou melhor prognóstico; os tumores "quase-mesenquimal" são caracterizados pela expressão relativamente alta de genes mesenquimais que se correlacionam com ocorrência precoce de transição epitélio-mesenquimal e maior capacidade de metástase.
Outra subclassificação foi descrita recentemente por Bailey et al, baseada em amostras de 96 tumores com um conteúdo epitelial superior a 40% e uma coorte de validação de 232 tumores, revelando 4 subtipos: "escamoso", "progenitor pancreático", "imunogênico" e "aberrante diferenciado endócrino exócrino.
Estas 2 classificações tem características sobrejacentes. Especificamente, o subtipo clássico se assemelha com o progenitor, o tipo exócrino com o aberrante e o quasimesenquimal com o escamoso, que carrega o pior prognóstico e fenótipo mais metastático.
Novos estudos e consensos são necessários para uniformizar estas subclassificações e determinar sua relação com prognóstico, assim como possibilitar estratégias terapêuticas dirigidas e personalizadas.
Novas abordagens terapêuticas e clinicals trials
Microambiente Tumoral
O microambiente tumoral no câncer de pâncreas caracteriza-se por ser extremamente complexo, consistindo em uma reação desmoplásica entre a matriz extracelular e componentes celulares (de fibroblastos, células estreladas, do sistema imune e células tumorais), em um meio líquido com citocinas, fatores de crescimento e exossomas constituindo um estroma denso e hipóxico que dificulta a liberação de drogas quimioterápicas. Pesquisas revelam que nos sítios metastáticos estas características se assemelham ao tumor primário.
O ácido hialurônico presente neste microambiente tumoral contribui para a elevada pressão intersticial, levando a uma vasoconstrição e impedindo a resposta imune e a entrega de quimioterápicos. Sua inibição através de um agente chamado PEGPH20 pode permitir a ação de drogas quimioterápicas neste microambiente tumoral. Um estudo de fase II apresentada na ASCO de 2015 randomizou pacientes com adenocarcinoma de pâncreas metastático para a associação com PEGPH20 com nab-paclitaxel e gencitabina, demonstrando ganho significativo de sobrevida livre de progressão nos pacientes com altos níveis de ácido hialurônico.
Este estudo fornece evidências preliminares em favor desta abordagem e representa um exemplo de como personalizar o tratamento às características do tumor do paciente.
Outro potencial alvo terapêutico é a redução da densidade estromal pelo saridegib (também conhecido como IPI-926), uma droga que diminui o tecido estromal pela inibição de Hedgehog ou pela redução da pressão do fluido intersticial através do ácido hialurônico, favorecendo a liberação e ação de drogas citotóxicas.
Terapias Alvo
Dados recentes publicados na Nature por Waddell et al relataram o complexo panorama mutacional do adenocarcinoma de pâncreas, identificando múltiplas mutações pontuais nos quatro genes principais - KRAS, TP53, CDKN2A E SMAD4, e revelando grande heterogeinade e complexidade em sua carcinogênese.
Análises de genômica revelaram altos números de alterações genéticas que contribuem para a iniciação e progressão tumoral, sendo que o KRAS oncôgenico está presente em mais 90% dos casos, representando um insulto subjacente a inúmeros eventos subsequentes que contribuem para o desenvolvimento da doença.
Esta mutação é amplamente aceita como uma "reprogramação" do metabolismo das células pancreáticas para o ambiente ácido necessário para a o colapso da matriz extracelular e invasão tumoral. Estudos dirigidos especificamente para o alvo KRAS podem, teoricamente, ser uma abordagem interessante e promissora no tratamento.
Múltiplas vias de sinalização e receptores estão associados com o desenvolvimento e progressão do adenocarcinoma pancreático, incluindo EGFR, Her2 e VEGFR. Todas estas funções desempenham um papel importante nos programas RAS / RAF / MEK / ERK e AKT /PI3K / mTOR, vias envolvidas no crescimento celular. O EGFR também tem um papel na via JAK / STAT, necessária para a ativação de cascatas de sinalização e transcrição de genes. Dessa maneira, o uso de inibidores da via JAK STAT pode ser uma abordagem promissora para o tratamento.
Apesar de evidência clara de benefício da terapia-alvo em outras neoplasias como colorretal, pulmão e rim, vários estudos clínicos falharam em mostrar benefício terapêutico para o adenocarcinoma de pâncreas, provavelmente por não ser direcionada molecularmente para sua assinatura genética.
Atualmente, com novas plataformas de next generation, análises do transcriptoma e análises protêomicas , renasce o potencial de terapias-alvos no adenocarcinoma de pâncreas, porém de forma dirigida, racional e personalizada.
Imunoterapia
Novas abordagens terapêuticas como a imunoterapia têm mostrado evidência crescente em outros tipos de câncer como o melanoma e o câncer de pulmão, e podem desempenhar um papel promissor no tratamento para o adenocarcinoma de pâncreas. Vários estudos estão em andamento para investigar o papel da imunoterapia para o tratamento do adenocarcinoma de pâncreas, que se caracteriza por ser uma neoplasia altamente imunossupressora.
Para combater esta imunossupressão e recrutar células T para o microambiente tumoral do câncer de pâncreas, inibidores de checkpoint como anti-CTLA-4, anticorpos anti-PD-1 e anti-PD-L1 estão sendo testados.
Os resultados preliminares sugerem que estas táticas podem ser bem-sucedidas na luta contra a imunossupressão, mas não levam à morte de células cancerígenas. Há um grande interesse de associação de terapias como inibidores de checkpoint combinados a vacinas terapêuticas (GVAX) e/ou em associação com quimioterapia citotóxica e radioterapia, como o estudo fase I que investiga radioterapia hipofracionada associada ao inibidor de PD-1 pembrolizumab (NCT02303990).
Estudos futuros, incluindo estudos de proteômica, devem impulsionar o desenvolvimento de novos biomarcadores a fim de selecionar o grupo de pacientes que melhor responderão à imunoterapia.
O futuro dos clinicals trials em adenocarcinoma de pâncreas
À medida que se reúne informações genômicas, proteômicas e imunológicas sobre o adenocarcinoma de pâncreas, acumulam-se evidências para abordagens de tratamento molecularmente direcionadas.
Nos EUA, atualmente há uma enorme força-tarefa em promover pesquisa translacional através de aspectos moleculares e de assinatura genética do adenocarcinoma de pâncreas associados com a realização de estudos clínicos molecularmente dirigidos e específicos, tanto no cenário para o diagnóstico precoce como na terapia neoadjuvante, adjuvante e no cenário metastático.
O NCCN recomenda que todo paciente com câncer de pâncreas seja tratado a partir de um clinical trial.
Desde 2014, nos EUA, iniciativas do “Pancreatic Cancer Action Network” como “Know Your Tumor” têm oferecido análise do perfil molecular do adenocarcinoma de pâncreas para dirigir clinicals trials específicos de acordo com as alterações encontradas,permitindo abordagens de tratamento personalizadas com intenção e esperança de chegar a tratamentos promissores com maior brevidade.
Novas Perpectivas: Abordagem multi-ômica e Terapia personalizada
Várias camadas celulares podem ser investigadas e analisadas em profundidade por seqüenciamento genômico, RNAseq, proteômica e fosfoproteômica. O “big data” adquirido a partir de estudos genômicos são mais extensos com análises genômicas do que proteômica. No entanto, a fosfoproteômica e outras modificações pós-translacionais podem criar grandes conjuntos de dados com mais de 200 mil combinações diferentes. A análise integrada destas informações permitirá ajudar a identificar as vias aberrantes mais importantes e redes de sinalização do adenocarcinoma de pâncreas, o que possibilitará a realização de inúmeros clinical trials direcionados e possivelmente mudar o paradigma dessa doença.
*Autor: Felipe José Fernàndez Coimbra é cirurgião oncologista, diretor do Departamento de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).
Referências
1 - Siegel R, Ma J, Zou Z, Jemal A. Cancer statistics, 2014. CA Cancer J Clin 2014;64:9-29
2 - Cancer Res; 74(11); 2913–21. 2014 AACR)
3 - Maisonneuve e Lowenfels, International Journal of Epidemiology, 2015, Vol. 44, No. 1
4 - Maisonneuve e Lowenfels, International Journal of Epidemiology, 2015, Vol. 44, No. 1)
5 - ArchToxicol ,2016, 90:2617–2642)
6 - Landi 2009; Raimondi et al. 2009)
7 - ArchToxicol (2016) 90:2617–2642)
8 - Varadhachary, Annal S Oncology, Aug 2006, Volume 13, , pp 1035–1046)
9 - Geus et AL, Surgery 2017 Volume 161, Number 3 ; Labori, Acta Oncologica 2016)