Antonio Augusto Ornellas (foto), médico do Departamento de Urologia do Instituto Nacional do Câncer e chefe do Serviço de Urologia do Hospital Mário Kröeff, comenta seu artigo publicado no International Brazilian Journal of Urology (IBJU), onde defende a circuncisão neonatal de rotina como forma de prevenir o câncer de pênis.
O artigo no International Brazilian Journal of Urology foi sobre um tema polêmico. A circuncisão deve ou não ser feita para prevenir o câncer de pênis? Neste interessante novo formato de abordagem para temas controversos, onde especialistas defendem diferentes opiniões, o jornal convidou a mim, que tive o auxílio do médico Paulo Ornellas, para defender o ponto de vista dos que acreditam que a circuncisão evita o surgimento do câncer. Nossos argumentos são apresentados nos parágrafos seguintes.
Este tema é controverso porque nenhuma organização médica recomenda a circuncisão neonatal universal e, ao mesmo tempo, também não defende que ela não deva ser realizada. O argumento de que este procedimento deve ser mantido dentro do âmbito de profissionais médicos é encontrado em todas as principais organizações médicas. Além disso, as organizações aconselham os profissionais médicos a cederem, em certa medida, às preferências dos pais, comumente baseadas em pontos de vista culturais ou religiosos, na decisão de concordar em realizar a cirurgia.
A circuncisão pode ser usada para tratar a fimose, a balanopostite crônica e infecções recorrentes do trato urinário. A circuncisão é contraindicada em bebês com certas anormalidades da estrutura genital como hipospadias e epispadias, curvatura da cabeça do pênis (chordee) ou genitália ambígua, porque o prepúcio pode ser necessário para a cirurgia reconstrutiva. A circuncisão também é contraindicada em prematuros e naqueles recém-nascidos que não têm boa saúde. Um indivíduo, criança ou adulto com antecedentes familiares de distúrbios hemorrágicos graves (hemofilia) não deve ser operado sem que o sangue seja verificado quanto às propriedades normais de coagulação. Uma revisão de 2010 da literatura mundial mostrou que circuncisões realizadas por médicos têm uma taxa de complicação mediana de 1,5% para recém-nascidos e 6% para crianças mais velhas, com poucos casos de complicações graves. As taxas de complicação são mais elevadas quando o procedimento é realizado por um cirurgião inexperiente, em condições não estéreis ou quando a criança está com mais de 6 anos de idade. A circuncisão não parece ter um impacto negativo na função sexual.
A prática da circuncisão neonatal exerce um fator protetor evitando a gênese do câncer de pênis. A incidência de câncer de pênis na população judaica, onde a prática da circuncisão neonatal é universalmente praticada, aproxima-se de zero. Há na literatura mundial apenas 9 relatos de câncer de pênis em judeus circuncidados no período neonatal. Em países de religião muçulmana, onde a circuncisão é realizada na infância, fora do período neonatal, há um aumento de até 3 vezes na incidência desta neoplasia. Vários estudos observaram um risco aumentado de câncer de pênis invasivo entre os homens não circuncidados na infância. A presença de um prepúcio não aumenta o risco de câncer de pênis. No entanto, a presença de fimose em homens com carcinoma de pênis é alta, variando de 44% a 85%. Fimose leva invariavelmente à retenção de esmegma, resultando em condições de irritação crônica. O esmegma encontrado sob o prepúcio de homens não circuncidados contém bactérias, outros microorganismos, células mortas da pele, mucosas e outros componentes. Pode causar inflamação crônica e infecções recorrentes que levam a aderências prepuciais e fimose. O aumento substancial do risco relativo de câncer de pênis (até 65 vezes) foi registrado entre os homens com fimose.
A infecção pelo grupo de HPV de alto risco é provavelmente a principal causa de câncer anogenital. O alto potencial de transmissão indica que seria necessária uma vacinação extensiva para reduzir substancialmente a incidência de câncer do colo do útero e do pênis causados pelos tipos de HPV de alto risco. Além disso, a vacinação de homens contra o HPV parece representar uma medida dispendiosa para a prevenção do câncer do pênis, particularmente quando se considera que o HPV de alto risco está presente em apenas metade dos tumores penianos. A vacinação contra HPV dos homens deve, contudo, ajudar a reduzir o câncer cervical, anal e orofaríngeo.
Os homens circuncidados são consistentemente menos propensos que os homens não circuncidados a ter infecção pelo HPV. Diversos estudos mostraram que a circuncisão masculina está associada a uma redução geral da prevalência de infecção genital por HPV em homens. Estes efeitos possivelmente ocorrem porque o prepúcio fornece um ambiente adequado ao redor da glande para a infecção.
Referência: Should routine neonatal circumcision be a police to prevent penile cancer? | Opinion: Yes - Vol. 43 (1): 7-9, January – February, 2017 - Antonio Augusto Ornellas, Paulo Ornellas -
doi: 10.1590/S1677-5538.IBJU.2017.01.03