A comunicação de más notícias para o paciente e sua família é tema de artigo exclusivo do oncologista Ricardo Caponero (foto), Coordenador do Centro Avançado em Terapia de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Segundo o especialista, escuta ativa, empatia, criação de vínculos e honestidade são alguns dos recursos necessários para estabelecer um diálogo adequado.
{jathumbnail off}*Por Ricardo Caponero
Deve ser muito feliz a pessoa que nunca teve que comunicar uma má notícia. Algum dia na vida alguém terminou um relacionamento, revelou preferências sexuais, reprovou ou despediu alguém, etc. Então, qual é a dificuldade em dar más notícias?
A principal diferença é que, na grande maioria das vezes, quando damos qualquer uma das notícias como as mencionadas acima, não temos responsabilidade e às vezes nem nos importamos com os resultados e efeitos que essas reações provocam no outro.
Quando profissionais de saúde comunicam más notícias, esse é seu instrumento de trabalho, parte inerente de sua atuação, e assumem responsabilidades por esse procedimento. A quase totalidade dos processos litigiosos na área de saúde decorre de falhas no processo de comunicação. Ausência de consentimento, falhas na explicação de eventuais complicações, má comunicação dos resultados esperados e assim por diante.
Desta forma, a comunicação adequada na área de saúde não é um luxo, mas uma necessidade imperiosa, um instrumento de trabalho que precisa ser dominado com maestria. Já dizia Michael Balint: “O fármaco mais usado na prática médica e o menos conhecido é o próprio médico; é urgente e fundamental estudarmos as propriedades e a farmacologia desse remédio”.
Uma má notícia é qualquer comunicação que frustre expectativas da pessoa que a recebe. O diagnóstico de uma doença crônica, uma doença grave, uma limitação funcional, sequelas de um tratamento (mesmo que transitórias), limitações no tempo ou qualidade de vida e a inevitabilidade da morte. A notícia considerada má geralmente está associada a uma perda, uma ruptura. Pode ser a perda de status, limitação funcional, degradação estética e a limitação da expectativa de vida.
Antes de qualquer comunicação é importante entender que nenhuma notícia é má por si mesma. É necessário que se compreenda qual é a perda envolvida. O diagnóstico de uma gravidez pode ser uma notícia excepcionalmente boa para um casal que estava fazendo tratamento para infertilidade, mas pode ser uma má notícia para uma menor de idade que não tinha desejo de engravidar. Mesmo a notícia da morte, em certas circunstâncias, pode não ser uma má notícia. Para entender essa ideia, nada melhor que um curta metragem de 2009, prêmio Goya de melhor curta-metragem de animação: “La Dama y La Muerte”, Direção de Javier RecioGracia, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8Zrw61WiBiQ (último acesso em 16/07/2016).
A comunicação inicial parte do emissor (profissional de saúde), mas antes que ela se inicie, o emissor ajusta sua mensagem pela caracterização do receptor, escolhendo assim o momento e a forma em que a comunicação se faz. É fácil entender isso quando pensamos numa mãe que tem que explicar para sua filha o início dos ciclos menstruais, ou quando respondemos aos nossos filhos como eles nasceram. É preciso ter um mínimo de conhecimento do que o outro sabe, como ele está e, o mais importante, o que ele quer saber.
Imagine o ridículo de você tentar comunicar o diagnóstico de uma neoplasia e começar explicando que uma “celulazinha” do seu corpo sofreu várias influências que mudaram seu comportamento e ela passou a se dividir sem controle... Aí, num belo momento, você descobre que seu interlocutor é um médico patologista. Ao oposto, se você comunicar a um paciente que ele tem um tumor estromal gastrintestinal com mutação no éxon 11 do cKIT, e ele não for da área médica, isso não fará nenhum sentido.
Desde George A. Miller sabemos que a capacidade de memorização de curto prazo é limitada a sete mais ou menos dois blocos de informação. Numa situação de comunicação de uma má notícia isso é ainda mais limitado, pois como disse Nilton Bonder, em situações de estresse, a informação não produz cognição. Por isso, depois de entender o contexto de seu interlocutor e o impacto que as notícias terão sobre ele, planeje a comunicação. Estabeleça qual é a informação mais importante que você planeja transmitir. Planeje o que terá que ser comunicado e o que você deseja obter com a comunicação.
Existem várias informações que devem ser comunicadas. Um diagnóstico, a necessidade de um procedimento, os potenciais riscos ou complicações de uma ação, etc. Muitas informações se agregam a essa informação principal, por isso é importante estruturar a comunicação para fornecer argumentos em ordem lógica, premissas, para só então chegar à comunicação principal. Por exemplo, você não pode comunicar a um paciente que ele precisa assinar o termo de anuência para uma cirurgia de vesícula sem tê-lo informado do diagnóstico, e isso vale para a maioria das situações. A comunicação precisa fazer sentido para o paciente, não pode parecer algo estapafúrdio e desconexo.
Uma vez estruturada a mensagem e conhecido o receptor é a hora de estabelecer o contexto em que a comunicação vai ocorrer. É preciso reservar tempo adequado, escolher o local apropriado e as pessoas que eventualmente estarão presentes. É absolutamente cômico que um profissional abra a porta do quarto e sem adentrá-lo noticie: aquela biópsia que fizemos ontem deu câncer mesmo, tá? Também não é muito apropriado comunicar o diagnóstico de SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) para um dos cônjuges na presença do outro. É possível que a doença tenha sido adquirida numa relação fora do casamento. Não se inquire uma adolescente sobre sua vida sexual na frente da sua mãe, a não ser que ela comece o assunto e demonstre que a mãe está efetivamente participando da conversa. Podem parecer situações evidentes, mas elas acontecem com alguma frequência, da mesma forma que outras tantas que não pareceram tão evidentes ao profissional.
Se algumas notícias devem ser dadas em privacidade, é provável que para outras seja adequado que o paciente esteja acompanhado por alguém que lhe ampare e dê suporte. Na dúvida, diga o assunto que vai abordar e pergunte ao paciente quem ele quer que esteja presente.
O ideal é dispor de tempo suficiente para realizar todo o processo de comunicação. Algumas informações podem ser dadas em minutos (por exemplo: a sua cirurgia, sobre a qual conversamos, foi marcada para amanhã), outras comunicações podem demorar mais de uma hora. Em geral as conversas de mais de uma hora não são produtivas. Se houver a expectativa de que a conversa vá ser mais longa, o assunto deve ser fracionado. Ninguém precisa comunicar tudo o que é necessário em uma única conversa.
Se o profissional precisa adequar seu tempo quanto ao momento e duração da conversa, o paciente também precisa estar com tempo e disposição para levar a conversa a termo. É um erro supor que pacientes internados tenham todo o tempo do mundo à sua disposição. Num consultório a conversa geralmente foi agendada e ambos se programaram para ela. No hospital é preciso saber se o paciente está se sentindo confortável física e psicologicamente. Escolha o momento mais apropriado para ambos. Muitos pacientes que receberam notícias desagradáveis do final da tarde para a noite vão acabar por ter uma noite de insônia.
Na dúvida sobre o ambiente ou o melhor tempo para a conversa, pergunte para o próprio paciente. Anuncie: “Eu gostaria de falar com você sobre o resultado da sua tomografia” e pergunte: “Você acha que podemos falar sobre isso agora? ” E se tiver um tempo limitado, deixe isso explícito: “Eu tenho uns quinze minutos para conversarmos agora, mas se for necessário podemos voltar ao assunto mais tarde”.
Agora que estabelecemos a estrutura da mensagem e o contexto em que ela ocorrerá, é finalmente chegada a hora da comunicação. Aqui é imprescindível lembrar-se de que muitas vezes não importa o que se diz, mas como se diz. A grande parte da comunicação (em proporções variáveis dependendo do contexto) depende do não verbal. As paráfrases (hum... sei... ãh,ãh...), a distância (proxêmica) e movimentos do corpo (cinésica) e os eventuais contatos (tacêsica) são fundamentais no processo de comunicação. [Figura 1]
Figura 1– Os campos de estudo da comunicação não verbal
Para quem tem dúvida sobre o quanto é transmitido pelo não verbal, basta assistir a um filme mudo, daqueles do Chaplin, para ver quanto da história é compreendido sem nenhuma palavra. A comunicação não verbal é percebida como mais verdadeira, podendo respaldar ou até contradizer a linguagem verbal.
Da mesma forma que na linguagem verbal é necessário comungar de uma mesma semântica, com o emprego de termos linguísticos que tenham a mesma denotação e conotação, isso também é necessário para a comunicação não verbal.
A comunicação não verbal é mais espontânea e mais difícil de ser treinada. Normalmente ela deixa transparecer o que não estamos dizendo e o que estamos verdadeiramente sentindo. Isso não quer dizer que não possamos fazer nada a esse respeito. Os atores têm por profissão a criação de personagens que não são eles mesmos, eles os compõe não só na fala, no discurso, mas nos trajes, trejeitos, forma de andar e gestos. Fazem isso “incorporando” o personagem e com muitas horas de laboratório. Esse é o trabalho do ator e várias vezes temos que fazer um pouco desse trabalho também.
Mais importante do que dominarmos a nossa linguagem não verbal, é adquirirmos maestria em reconhecer a linguagem não verbal no nosso interlocutor. É preciso “ler” os efeitos que nossa comunicação está desencadeando e ajustar nossa comunicação para modular a interação e dar continência aos conteúdos emocionais.
Esse é o passo seguinte. Por ser uma má notícia, como discutimos no início, estaremos frustrando expectativas, e isso, invariavelmente, virá associado à expressões emocionais. Acolher essas manifestações é, provavelmente, o principal diferencial entre uma conversa percebida como satisfatória de uma inadequada. É o momento de oferecer um lenço de papel, permanecer em silêncio, oferecer a mão, etc. Esse é o momento que mostramos nosso reconhecimento pelo que a comunicação está causando e o quanto nos importamos com isso.
É preciso dar vazão para que o paciente se expresse livremente. Evite comentários como “não é preciso chorar”, “não fique triste”, “não se lamente”, etc. Afinal, como não chorar se eu vou morrer; como não ficar triste se vou perder uma parte do meu corpo; como não me lamentar se eu me sinto culpado pelo que está acontecendo. Não contradiga os sentimentos do paciente. Deixe que ele os extravase, que os manifeste. Só assim será possível compreendê-lo e dar acolhimento e suporte adequado.
Cada pessoa tem sua visão particular do mundo, decorrente de suas crenças e experiências pessoais. Os mesmos fatos têm significado diferente para pessoas diferentes e em diferentes momentos de suas vidas. É muito diferente a infertilidade para alguém que não teve filhos e alguém que já teve cinco. É muito diferente a mutilação de uma mama para uma mulher jovem e uma senhora viúva (em que pesem, sempre, as individualidades). É muito diferente a proximidade da morte para um jovem adulto ou para um centenário.
Aqui entra um ponto chave, a empatia. Ser empático não é olhar para o outro, mas tentar ver a situação como o outro a vê. É muito comum as pessoas adotarem a máxima franciscana do “faça aos outros o que você desejaria que fizessem a você”. Mas não somos idênticos. O que eu gostaria para mim pode não ser o que o outro gostaria para ele, e vice-versa. Nesse sentido há um antigo provérbio dos índios Cheyenne que diz: “Não julgue o outro até ter andado duas luas nos mocassins dele”.
Lidar com as manifestações emocionais não se limita ao paciente, mas a todo seu círculo familiar. É importante reconhecer e lidar com a conspiração ou cerca de silêncio, onde parentes ou amigos tentam minimizar o sofrimento do paciente omitindo ou distorcendo informações que seriam significativas, mas desagradáveis para ele.
É preciso obter o consentimento da família para a comunicação. Não por questões éticas ou legais, dada a autonomia do paciente, mas para construir alianças. A família pode ser sua aliada ou sua inimiga, depende de como você se relaciona com ela. É de bom tom promover reuniões familiares para estabelecer alianças. Devemos lançar mão da escuta ativa, destacando relações interpessoais, promovendo confiança e reforçando vínculos entre seus membros e deles com o profissional e a equipe. Sempre devemos argumentar pela honestidade e valorizar a história familiar, ajudando-os a identificar recursos prévios para lidar com situações difíceis.
Não se pode abordar o paciente isoladamente. Somos seres em relação e vivemos envolvidos uns com os outros. Os impactos sobre um tendem a ter reflexos sobre outros, que não podem ser relegados a um segundo plano.
Cumprida toda essa tarefa é hora de voltar à nossa mensagem inicial, retomá-la, resumir a informação e, se for o caso, planejar os passos seguintes. Esse é o momento, se for o caso, de se deixar papéis para assinar ou folhetos com informações complementares. Caso sejam necessárias outras conversas, deve-se agendar ou dar uma previsão de quando elas acontecerão.
Os profissionais podem ser treinados para a comunicação, não há dúvida nisso, mas como algumas pessoas serão excelentes atores e outras “não dão para a coisa”, não podemos deixar de admitir que há pessoas que se tornam brilhantes e outras que deveriam procurar outro ramo de atividade. Nem todos nasceram com as aptidões necessárias e não importa quanto se treine, será muito difícil um elefante fazer salto com vara. Habilidades se desenvolvem, mas vocação, ou se tem, ou não se tem.
Para os vocacionados que quiserem aprimorar suas habilidades há vários cursos, artigos, programas disponíveis. Uma rápida procura na internet revelará vários métodos para o aprendizado da comunicação de más notícias.
Para encerrar, nada mais apropriado do que uma frase de Carl Gustav Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas uma outra alma humana”.
*Autor: O oncologista Ricardo Caponero é Coordenador do Centro Avançado em Terapia de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Leitura recomendada
BAILE, Walter F. et al. SPIKES—a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. The oncologist, v. 5, n. 4, p. 302-311, 2000.
BUCKMAN, Robert. Practical plans for difficult conversations in medicine: Strategies that work in breaking bad news. 2010.
BUCKMAN, Robert. The invisible effects of therapeutic failure. The oncologist, v. 15, n. 12, p. 1370-1372, 2010.
CAPONERO, R. Comunicação Médico-paciente no tratamento oncológico. São Paulo, Summus, 2015.
MONTAGU, A. Tocar: o significado humano da pele. São Paulo, Summus, 1988.
SILVA, MJP. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. 3 ed. São Paulo: Loyola; 2002.