O aumento do consumo do cigarro ilegal no Brasil foi tema de um estudo publicado no periódico Tobacco Control, em trabalho que ganhou repercussão no Lancet Oncology, e questiona avanços e limitações da política brasileira anti-tabaco. Andre Szklo (foto), da Divisão de Epidemiologia do Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), um dos autores do trabalho, traz um mini-review com os principais achados do estudo. Confira.
Estudo publicado recentemente na revista Tobacco Control mostra que o consumo de cigarros de origem ilícita cresceu cerca de 90% no Brasil entre os fumantes diários, de 2008 a 2013 [de 16,6% (15,1–18,3) para 31,1% (28,7–33,6)]. Em termos de volume de cigarros ilegais consumidos por ano, essas proporções representam o aumento das 13,0 bilhões de unidades (11,6–14,4) consumidas em 2008 para 24,3 bilhões de unidades (21,8–26,8) em 2013.
A metodologia desenvolvida para estimar o percentual do mercado ilegal de cigarros no Brasil foi derivada da pergunta sobre o valor pago pelo fumante diário na sua última compra de cigarro industrializado. Essa questão fez parte de um bloco mais amplo de perguntas sobre o uso de produtos derivados do tabaco, que foi aplicado em duas pesquisas conduzidas pelo IBGE, de representatividade nacional, realizadas em 2008 e 2013.
Dentre as várias políticas de controle do tabaco adotadas no Brasil entre 2008 e 2013, estão a introdução de advertências com imagens mais impactantes nos maços de cigarros e a proibição total de fumar em ambientes coletivos fechados, ampliada em diversos estados e municípios. Ademais, em 2012, a mudança na política de preços e impostos sobre produtos derivados do tabaco contribuiu fortemente para o aumento observado no mercado ilegal de cigarros, mas ao mesmo tempo foi, provavelmente, a maior responsável por inibir a iniciação e estimular a cessação ao fumo.
O artigo publicado na Tobacco Control mostrou que, de fato, o aumento da tributação representou mais de três quartos dos 38% de aumento no preço final de venda da marca de cigarro mais vendida no Brasil entre 2010 e 2014, o que fez com que o fumante buscasse “uma alternativa mais econômica” para permanecer fumando, consciente ou não da sua ilegalidade.
A parcela de indivíduos de 18 anos ou mais que relatou consumir cigarros diariamente caiu cerca de 20% entre 2008 e 2013 (de 13,3% para 10,8%), resultando em uma redução de aproximadamente dois milhões de fumantes diários de cigarro industrializado no período.
Mas apesar da queda observada na demanda por cigarro, a arrecadação do imposto específico sobre o tabaco cresceu quase 60% entre 2008 e 2013 (de R$ 3,2 bilhões para R$ 5,1 bilhões).
A proporção de fumantes também caiu entre os indivíduos mais desprovidos do ponto de vista socioeconômico, i.e. indivíduos com baixa escolaridade e residentes na área rural. No entanto, entre aqueles que ainda fumavam em 2013, houve um aumento do consumo do cigarro ilícito em uma escala maior do que a observada na população com maior poder econômico. Constata-se, portanto, que os ganhos poderiam ter sido ainda maiores em termos de reduzir a proporção de fumantes e diminuir a iniquidade em saúde na população brasileira.
Entre 2000 e 2007, o país implantou uma série de medidas bem-sucedidas para combater a evasão fiscal doméstica, tal como o sistema de identificação SCORPIOS que permite controlar/rastrear o produto, desde a sua fabricação. No entanto, o Brasil ainda tem necessidade de avançar no combate à entrada de produtos derivados do tabaco contrabandeados pelas suas fronteiras.
A Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), que é o primeiro tratado internacional de saúde pública celebrado sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde e que foi ratificado pelo Brasil em 2005 propõe em seu artigo 15 uma série de medidas relacionadas à redução do suprimento de tabaco, tal como o combate ao comércio ilegal de produtos derivados do tabaco. Baseado nesse artigo da CQCT foi elaborado um protocolo complementar para ajudar a eliminar o mercado ilegal de tabaco. Esse “novo tratado” recomenda estratégias de enfrentamento mais coordenadas/harmonizadas entre os diversos países envolvidos na rota do comércio ilícito e agora precisa ser ratificado pelo governo brasileiro.
Pode-se concluir que a estratégia de aumento da taxação sobre os produtos derivados do tabaco contribuiu para uma queda na proporção de fumantes (e, consequentemente, para a redução de doenças relacionadas ao uso do tabaco e dos gastos de tratamento com o fumante, em curto e longo prazo), assim como contribuiu para o aumento da arrecadação de impostos e para o aumento do consumo de cigarros de origem ilícita entre os fumantes remanescentes.
A metodologia desenvolvida e apresentada no artigo publicado na revista Tobacco Control permitiu que o Brasil produzisse estimativas da magnitude do mercado ilegal independentes daquelas fornecidas pela indústria do tabaco, gerando indicadores fundamentais para monitorar os impactos das ações de controle do tabaco no país.
Referência: Estimating the size of illicit tobacco consumption in Brazil: findings from the global adult tobacco survey (Iglesias RM, Szklo AS, Souza MC, de Almeida LM. - TobControl. 2016. doi:10.1136/tobaccocontrol-2015-052465)