O maior estudo já realizado em pacientes com seminoma na fase inicial mostrou que a radioterapia foi mais eficaz do que a quimioterapia para pacientes com doença estádio IIa, quando há comprometimento de linfonodos regionais com menos de 2 cm de diâmetro. Os resultados foram apresentados na conferência ESTRO35, encerrada dia 3 de maio em Turin, e publicados no Clinical Oncology. O radio-oncologista Robson Ferrigno (foto), do COAEM, comenta o estudo.
Por Robson Ferrigno, Coordenador dos Serviços de Radioterapia do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes
O estudo do banco de dados da US National Cancer Data Base, apresentado por Glaser SM e colaboradores no congresso da ESTRO 2016 em Turin é muito interessante porque confirma a conduta padrão que temos utillizado no tratamento dos pacientes com tumores de testículos, tipo histológico seminoma, estádios IIA (linfonodos até 2 cm), IIB (linfonodos entre 2 e 5 cm) e IIC (linfonodos maiores que 5 cm).
Os guias práticos de conduta sempre permitiram tanto a radioterapia como a quimioterapia no tratamento dos pacientes com seminoma de testículos estádio IIB, após orquiectomia inguinal, para tratamento das mestástases linfonodais.
O seminoma é um dos tumores mais rádio sensíveis da natureza e doses relativamente baixas são suficientes para erradicação da doença. A dose recomendada no estádio IIB é de 20 Gy nas regiões de drenagem linfática da hemipelve homolateral e da região periaórtica, seguida de complementação de dose (boost) na doença macroscópica até dose final de 36 Gy. Esse nível de dose localizado na região acometida é insuficiente para desenvolvimento de complicações tardias da radioterapia.
O estudo em questão, no entanto, possui algumas limitações. Trata-se de uma análise retrospectiva de banco de dados, não especifica os tipos de quimioterapia utilizados e o seguimento mediano ainda é curto para conclusões a respeito de sobrevida de longo prazo.
A grande desvantagem do emprego da radioterapia é a probabilidade aumentada dos pacientes desenvolverem segundo tumor primário. Esses eventos ocorrem após 15 a 20 anos do término da radioterapia, são a principal causa de morte em homens com câncer de testículo e não possuem relação com a dose de radioterapia utilizada (efeito estocástico).
A maior série que avaliou a incidência de segundo tumor primário em pacientes com câncer de testículo foi publicada por Travis LB e colaboradores no periódico Journal of National Cancer Institute em 2005 [Vol 97 (18); 1354-65]. Os autores avaliaram 40.576 pacientes de 14 registros de câncer da América do Norte e da Europa tratados entre 1943 e 2001. Foi observado aumento estatisticamente significativo de segundo tumor primário sólido nos pacientes que receberam apenas radioterapia (RR=2,0; 95% CI=1,9 – 2,2), nos que receberam quimioterapia (RR=1,8; 95% CI=1,3 – 2,5) e nos que receberam rádio e quimioterapia (RR=2,9; CI=1,9 – 4,2). Esse aumento foi observado por pelo menos 35 anos após o término do tratamento.
O que nos resta saber é se com os esquemas atuais de radioterapia e quimioterapia empregados, essa tendência de aumento de segundo tumor primário permanece. Os estudos terão de ter pelo menos 20 anos de seguimento para conclusões mais assertivas. Até lá, poderemos ter novos tratamentos que venham substituir tanto a rádio como a quimioterapia.
Até termos dados mais consistentes, as recomendações de tratamento continuam as mesmas, ou seja, radioterapia exclusiva para estádio IIA, rádio ou quimioterapia para estádio IIB e quimioterapia exclusiva para estádio IIIC.
O estudo
Valéria Hartt
Os pesquisadores analisaram dados de 2.437 pacientes com seminoma testicular diagnosticados entre 1998 e 2012 e identificaram que 99% dos homens com doença estadio IIa tratados com radioterapia estavam vivos após cinco anos; contra 93% dos pacientes tratados com quimioterapia (p=0,0270). Para pacientes com doença IIb, a sobrevida global em cinco anos foi de 95% entre os que receberam radioterapia e de 92% para os doentes tratados com quimioterapia (p=0,041).
Atualmente, as diretrizes americanas recomendam radioterapia, enquanto a Associação Europeia de Urologia prevê tanto a radioterapia como a quimioterapia no estadio IIa. No entanto, ambas as diretrizes são ambíguas para o padrão de tratamento na fase IIb.
"Para pacientes com seminoma testicular IIa o benefício da radioterapia persistiu após os ajustes de todos os fatores disponíveis que poderiam introduzir um viés. Para pacientes com doença estadio IIb, taxas similares de sobrevida global foram observadas”, disse Scott Glaser, médico da Universidade de Pittsburgh, EUA, que apresentou os resultados do estudo na ESTRO 35, em Turin.
O seminoma testicular é uma doença rara e os autores argumentam que diante da falta de dados randomizados e de estudos anteriores limitados por pequenos tamanhos de amostra, o trabalho atual fornece dados importantes. O estudo é liderado por Sushil Beriwal, professor de radioterapia na Universidade de Pittsburgh.
Do total, 960 pacientes tiveram doença IIa, sendo que 78% receberam radioterapia e 22% foram tratados com quimioterapia; 812 pacientes tinham doença Ilb, amostra em que 54% receberam radioterapia e 46% quimioterapia. Um total de 665 pacientes tinha doença IIc, universo em que 4% foram tratados com radioterapia e 96% com quimioterapia. "Para pacientes estadio IIc há consenso a favor da quimioterapia, mas para a fase IIa-b não há consenso quanto ao tratamento padrão ", explicou Glaser.
Para os autores, os resultados suportam a recomendação de indicar radioterapia como opção de tratamento no estadio IIa.
As limitações do estudo incluem sua natureza retrospectiva, uma vez que os pesquisadores usaram um registro nacional de dados, além do período relativamente curto de acompanhamento (média de 65 meses).
Referência: Abstract no: OC-0539, “Stage II testicular seminoma: patterns of care and survival by treatment strategy” - S.M. Glaser, J.A. Vargo, G.K. Balasubramani, S. Beriwal. Clinical Oncology (2016) in press - Doi 10.1016/j.clon.2016.02.008. Clinical Oncology is at: www.clinicaloncologyonline.net