Onconews - Diagnóstico de neoplasia intraepitelial prostática

KATIALEITE NET OKEm artigo, a patologista Katia Ramos Moreira Leite (foto), médica da FMUSP e membro da Sociedade Brasileira de Patologia, esclarece que não há correlação entre a neoplasia intraepitelial prostática de alto grau (HGPIN) e o diagnóstico de câncer em uma nova biópsia. A exemplo do que é feito com o PIN de baixo grau, a especialista defende que não seja mais reportada a presença de HGPIN, que além de não ter significado clínico, causa um stress desnecessário.

 

Por Katia Ramos Moreira Leite**

Nos últimos anos ocorreram muitas mudanças conceituais relacionadas ao câncer de próstata. Como todas as neoplasias epiteliais, o adenocarcinoma da próstata tem como precurssor uma lesão in situ, denominada por McNeal e Bostwick em 1984 como “displasia intraductal”, hoje chamada de neoplasia intraepitelial prostática ou PIN. Essa lesão era inicialmente classificada em I, II e III e mais tarde foi simplificada como de baixo e alto grau (HGPIN), sendo que o patologista só reporta essa última, uma vez que é essa a lesão que se mostrava associada ao câncer invasivo.

A princípio, a biópsia de próstata era rotineiramente feita em sextante, com seis fragmentos representativos do ápice, terço médio e base bilateralmente. Nessa ocasião os estudos demonstravam um risco de aproximadamente 35% do diagnóstico de câncer após o diagnóstico de HGPIN, estando então recomendada nova biópsia no período de seis meses a um ano.

Diversos estudos sugeriram que a biópsia em sextante, com representação de apenas 6 fragmentos, seria inadequada para o diagnóstico de câncer, sendo então realizados de rotina 12, 14, 16, 18 ou mesmo biópsia de saturação com mais de 30 fragmentos. Com o aumento do número de fragmentos retirados em cada sessão de biópsia, o poder de HGPIN na previsão do câncer de próstata em uma nova biópsia baixou para perto de 15%, porcentagem igual ao encontro de tumor em uma segunda biópsia após diagnóstico benigno.

Uma das alterações mais significativas no câncer de próstata foi a revisão da graduação proposta por Gleason, que resultou na abolição dos padrões 1 e 2 e tornou o score 6 (3+3) o tumor de mais baixo grau. Em novembro de 2014, um novo consenso da International Society of Urological Pathology (ISUP) propôs uma classificação variável de 1 a 5, sendo que o grau 1 corresponde ao grau 6 (3+3) de Gleason, o grau 2 ao 7 (3+4), grau 3 ao 7 (4+3), grau 4 aos scores 8 (4+4), (3+5) e (5+3) e o grau 5 aos scores de Gleason 9 e 10.

O grupo da Hopkins havia publicado previamente um artigo provocativo propondo uma discussão quanto ao comportamento do adenocarcinoma Gleason 6 (3+3) ou ISUP 1, já que muitos estudos demonstram a falta de características de mau prognóstico e a ausência de progressão ou morte pela doença. O título contundente dessa publicação ‘Gleason score 6 adenocarcinoma: should it be labeled as cancer?’ reforçou a conduta conservadora que já vinha sendo tomada por alguns centros, tornando a observação vigilante ou active surveillance a primeira opção para o manejo de pacientes com tumores de baixo grau. Essa conduta se baseia nos dados de que muitos homens morrem com o câncer de próstata e não do câncer de próstata e que o tratamento curativo desses pacientes poderia ser caracterizado como um overtreatment, não trazendo benefício e proporcionando riscos de efeitos colaterais com impacto na qualidade de vida.

Apesar dessa grande mudança em relação ao diagnóstico e tratamento do câncer de próstata, nós patologistas continuamos a reportar a neoplasia intraepitelial de alto grau (HGPIN). Essa nomenclatura, além de não ter significado clínico, assusta sobremaneira os pacientes, causando um stress desnecessário.

Além disso, uma lesão que no passado era referida por muitos patologistas como um ‘HGPIN florido’ é hoje chamada de ‘carcinoma intraductal’, que tem conotação prognóstica importante e se relaciona com carcinoma invasivo de graduação de Gleason superior a 7 (ISUP 2) e com a presença de tumores não órgão-confinados.

Como não existe correlação entre HGPIN e câncer em uma nova biópsia, gostaríamos de propor que, a exemplo do que fizemos com o PIN de baixo grau, não reportemos mais a presença de HGPIN, evitando o stress que esse diagnóstico pode causar em pacientes e médicos.

*Esse editorial foi publicado no International Brazilian Journal of Urology; 2016 Mar-Apr; 42(2): 180–182. doi: 10.1590/S1677-5538.IBJU.2016.02.02

**Katia Ramos Moreira Leite é patologista, chefe do Laboratório de Investigação Médica da Disciplina de Urologia da FMUSP, médica do Hospital Sírio-Libanês e vice-presidente para Assuntos Acadêmicos da Sociedade Brasileira de Patologia

Referências 

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