Em um estudo publicado recentemente na revista Nature, uma abordagem funcional foi utilizada para avaliar o impacto de cerca de 4 mil variantes localizadas no gene BRCA1. O grupo de pesquisadores utilizou um método específico de edição genômica, chamado de CRISPR/Cas9, para criar em linhagens celulares todas as alterações possíveis em regiões específicas de BRCA1. Gabriel Macedo (foto), biólogo molecular, pesquisador e membro do Programa de Medicina Personalizada do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, analisa o trabalho.
Por Gabriel Macedo
Um dos principais desafios no campo da medicina genômica é a interpretação correta acerca da patogenicidade e impacto clínico de variantes genéticas identificadas em testes de diagnóstico molecular. Este problema fica bastante evidente quando consideramos o grande número de variantes de significado incerto ou VUS (do inglês, variants of uncertain significance) já identificadas em genes com relevância clínica, em que a identificação de uma variante patogênica pode alterar de maneira significativa o manejo do paciente. De um lado estão os laboratórios, que muitas vezes enfrentam dificuldades na interpretação e classificação acurada de alterações genéticas, em parte devido à falta de evidências em relação à variante em questão. Já do outro, estão os clínicos que necessitam de resultados precisos para uma tomada de decisão efetiva.
Descoberto na década de 90, o gene BRCA1 está entre os principais genes associados à predisposição hereditária ao câncer. Variantes germinativas que alteram a função proteica de BRCA1 aumentam de forma significativa o risco de câncer de mama e ovário, principalmente. Desta forma, identificar uma alteração germinativa patogênica pode auxiliar no aconselhamento genético dos pacientes e seus familiares, na tomada de medidas redutoras de risco de câncer e, mais recentemente, direcionar o uso de tratamentos específicos.
Em um estudo publicado recentemente na revista Nature, uma abordagem funcional foi utilizada para avaliar o impacto de cerca de 4.000 variantes localizadas no gene BRCA1. O grupo de pesquisadores utilizou um método específico de edição genômica, chamado de CRISPR/Cas9, para criar em linhagens celulares todas as alterações possíveis em regiões específicas de BRCA1. Para cada uma das variantes criadas in vitro foi atribuído um score que permitiu classificar a alteração em funcional, não funcional e de impacto intermediário. Usando esta estratégia, demonstrou-se que 72,5% das variantes avaliadas em BRCA1 foram funcionais, 21,1% não funcionais e 6,4% de efeito intermediário. Dentre as variantes missense (aquelas em que a troca de base leva à alteração de um aminoácido), classe de alterações que compõe a maior parte das VUS, 21,1% e 8,1% foram identificadas como não funcionais e com efeito intermediário, respectivamente.
O objetivo seguinte dos pesquisadores foi avaliar a concordância entre os scores funcionais obtidos no estudo e as interpretações clínicas presentes no ClinVar, um dos mais utilizados bancos de dados públicos de correlações genótipo-fenótipo. A partir desta abordagem, 25% das VUS e 49,2% das variantes com interpretações conflitantes entre laboratórios presentes no ClinVar foram classificadas como não funcionais. O estudo também demonstrou que variantes presentes em baixas frequências populacionais apresentam mais chances de causar impacto deletério na função da proteína e, consequentemente, aumentar o risco de câncer.
Os scores funcionais obtidos também se mostraram superiores àqueles obtidos por abordagens computacionais, reforçando a importância de se avaliar com cautela resultados a partir do uso de ferramentas de bioinformática, comumente empregadas na interpretação de testes genéticos.
Os resultados obtidos no estudo permitiram avanços importantes no conhecimento do impacto funcional e clínico de variantes genéticas de BRCA1 e os achados já podem auxiliar laboratórios clínicos na interpretação mais acurada de testes genéticos. Além disso, a abordagem utilizada no estudo poderá ser expandida para a avaliação de variantes em inúmeros outros genes associados a câncer.
Referência: Findlay, G. M., Daza, R. M., Martin, B., Zhang, M. D., Leith, A. P., Gasperini, M., … Shendure, J. (2018). Accurate classification of BRCA1 variants with saturation genome editing. Nature. doi:10.1038/s41586-018-0461-z