Onconews - Emprego da radioterapia com IMRT no SUS: é custo-efetivo?

antonio cassio assis pellizzon 2 NET OKEm artigo exclusivo, o radio-oncologista Antonio Cassio Assis Pellizzon (foto), chefe do Departamento de Radio-Oncologia do A.C.Camargo Cancer Center, discute a custo-efetividade da oferta de radioterapia de alta tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Por Antonio Cassio Assis Pellizzon

A introdução de novas tecnologias na saúde vem causando impacto nos indicadores clínicos e econômicos, e análises de custo-efetividade permitem avaliar sua eficiência.

Um dos avanços tecnológicos da radioterapia (RT) é a técnica de radioterapia com modulação da intensidade do feixe - IMRT (Intensity Modulation Radiation Therapy), que melhora a distribuição de dose da RT, consequentemente aumentando a possibilidade de controle da doença e reduzindo a dose de radiação entregue aos tecidos e órgãos normais ao redor da área ou leito tumoral. Com isso, além do ganho terapêutico, se reduz a toxicidade relacionada ao tratamento.

Em contrapartida, a oferta de RT de alta tecnologia para a população atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é limitada, por não pertencer ao rol de procedimentos autorizados pela Agência Nacional de Saúde, bem como pelo limitado número de centros e recursos humanos capacitados a ofertar tal tecnologia.

A RT historicamente não captura com exatidão seus custos reais, em função de grande variação nos custos de insumos, análises e metodologias de custeio. Isso não ocorre apenas no Brasil, mas mundialmente. Infelizmente, frente às grandes variações nas cotações do dólar e pela inexistência de equipamentos, acessórios e insumos de produção nacional, esse custo se torna cada vez mais difícil de ser avaliado.

Nos últimos anos, várias revisões foram feitas sobre a falta de acesso à RT, com base em diferentes regiões geográficas do mundo, como a África, Ásia-Pacífico, Europa, América Latina e América do Norte. A classificação dos países pelos seus níveis de rendimento nacional per capita, com base nas definições do Banco Mundial, são rendimento elevado, rendimento médio-alto, rendimento médio-baixo e rendimento baixo.

Dentre as diferentes regiões geográficas há variações significativas no produto interno bruto (PIB) per capita, e mesmo dentro de níveis de renda semelhantes, existem grandes variações. Uma análise das necessidades e custos para fornecer acesso total a RT, ao menos com baixa complexidade, mostrou uma cobertura real na faixa de 34% na África e mais de 92% na Europa. Observou-se ainda que duas regiões enfrentam desafios substanciais: a África, com base na demanda por novas capacidades e, posteriormente, para manter a capacidade operacional; e a Ásia-Pacífico, devido à sua alta densidade populacional.

Outro fato em relação a RT deve ainda ser notado: cerca de 40-60% dos pacientes oncológicos irão necessitar dela em alguma fase de seu tratamento, mesmo aquela de baixa complexidade1.

O déficit mundial de RT faz com que cerca de 90% da população de países pobres não tenham acesso a RT2. Uma publicação que avaliou 1344 estudos de custos em radioterapia, selecionando 52 entre estes trabalhos, concluiu que mais do que análise de custo em RT, são necessários métodos reprodutíveis para esse tipo de avaliação3. A

publicação demonstrou que o custo total por curso de radioterapia na América Latina é estimado entre US$ 1.939,00 e US$ 2.079,00.

Outra informação que não podemos descartar é o custo de formação do especialista nessa área. Existem diferenças gritantes entre os custos para países em desenvolvimento e desenvolvidos, que podem chegar a cinco vezes e meia (US$100.000,00 versus US$550.000,00)4.

Além disso, custos estimados na aquisição de manutenção de tais equipamentos são os mesmos, independentemente da região geográfica, agregando-se transporte, seguros e impostos nos países importadores, o que acaba impactando ainda mais na análise final do custo.

Atun e colaboradores se propuseram a avaliar o impacto do câncer até 2035 na população mundial, estudando a demanda de RT por país e globalmente de 2015 a 2035, com o objetivo de determinar o valor do investimento em sistemas de saúde para garantir RT de qualidade em países pobres e emergentes2. Utilizando dois modelos de análises, os pesquisadores chegaram aos seguintes valores:

A - o custo de expansão da RT em países pobres e emergentes entre 2015–35 varia de US$ 96,8 bilhões a US$184,0 bilhões;

B - o benefício bruto deste investimento em RT representaria uma economia de US$ 278,1 bilhões a US$365,4 bilhões;

C - o retorno do investimento em termos de vidas salvas representaria US$10,4 bilhões a US$16,9 bilhões;

D - a expansão da RT levaria a um ganho de 26,9 milhões de anos de vida no mundo.

Mais de duzentos trabalhos científicos já foram publicados avaliando a eficácia do IMRT em termos de melhor controle doença, com metanálises confirmando essa eficácia. Em relação a redução de toxicidade associada ao uso do IMRT, mais de 850 publicações podem ser encontradas, com cerca de dezesseis metanálises afirmando o benefício com seu uso.

Assim, ao levarmos em conta as dificuldades existentes na autorização e introdução das novas tecnologias, nos limitamos a uma curta fase do tratamento oncológico, deixando de lado a qualidade de vida, a redução da toxicidade, bem como a falta de adesão terapêutica e impossibilidade do controle da doença, fazendo com que as perdas financeiras geradas pelo câncer se tornem ainda mais deletérias nos países mais pobres.

Referências:

1 - Zubizarreta et al. Clin Oncol (R Coll Radiol). 201; 29(2):84-92

2 - Atun et al.Lancet Oncol. 2015 Sep;16(10):1153-86

3 - Defourny et al. Radiotherapy and Oncology. 2016;121:468-74.

4 - Van Dyk et al. Radiother Oncol. 2017;125(2):178-185