Cada vez mais, a oncologia discute que endpoints são clinicamente relevantes e podem embasar de projetos de pesquisa a decisões regulatórias. Estudo publicado no Annals of Oncology, que tem como primeiro autor o oncologista brasileiro Everardo Saad (foto), argumenta que sobrevida global não é mais um endpoint útil em diversas situações. Leia a síntese do artigo.
Opinião de Especialista: Sobrevida global é sempre o melhor desfecho?
Statistical controversies in clinical research: end points other than overal survival are vital for regulatory approval of anticancer agents
ENDPOINT | EVENTOS DE INTERESSE | MOTIVOS PARA CENSURA |
---|---|---|
Sobrevida global | Morte por qualquer causa | Término do seguimento (com paciente ainda vivo) ou perda de seguimento |
Sobrevida livre de progressão | Progressão da doença ou morte por qualquer causa | Término do seguimento (com paciente ainda vivo e sem progressão da doença) ou perda de seguimento |
Tempo até a progressão | Progressão da doença | Término do seguimento (com paciente ainda vivo e sem progressão da doença), morte sem documentação de progressão ou perda de seguimento |
Por Everardo Saad
Um dos aspectos mais importantes no desenho, na análise e na interpretação dos resultados de estudos clínicos que envolvem medicamentos contra o câncer é a avaliação de sua eficácia e toxicidade. Essa avaliação, que vem sendo aprimorada desde a década de 50, deve seguir critérios objetivos e reprodutíveis, para que possam ser feitas comparações adequadas entre diferentes tratamentos. Esses critérios podem ser denominados “endpoints”, termo que não apresenta uma tradução adequada para o português. Os endpoints são as métricas usadas para avaliação da eficácia e da toxicidade dos diversos tratamentos. Os endpoints primários são aqueles usados para cálculo do número de pacientes que devem participar do estudo clínico, bem como para julgar se o estudo é positivo após seu término. Os endpoints secundários são usados de maneira complementar na avaliação de eficácia terapêutica, mas não permitem afirmar se os resultados de um determinado estudo são ou não positivos.
No artigo em questão, o interesse reside nos endpoints primários de eficácia. Mais especificamente, a discussão gira em torno dos endpoints de tempo até eventos de interesse, que são os mais relevantes como parâmetros indicativos da eficácia terapêutica. O argumento central do artigo é que a sobrevida global não é mais um endpoint útil em diversas situações, devendo ser substituído por outros parâmetros mais confiáveis e práticos. O foco desse argumento são os estudos chamados “pivotais”, que podem levar à aprovação de novos medicamentos.
Cada endpoint de tempo até eventos tem uma definição específica, mostrada na Tabela acima. Para análise desses endpoints, é preciso que sejam definidos os eventos de interesse e os motivos para censura, que é a retirada dos pacientes da análise no momento a partir do qual não existem mais informações sobre eles. Em outras palavras, na análise desses eventos cada paciente contribui com informações apenas durante o período de seguimento; a partir da data da última consulta, suas informações são desconhecidas, sendo, portanto, “censuradas”.
Numa doença frequentemente incurável, como o câncer avançado, o tempo de sobrevida do paciente foi o principal endpoint historicamente usado para avaliar a eficácia de um determinado tratamento. Entretanto a avaliação de sobrevida global é custosa, tanto em termos de tempo quanto de número de pacientes necessários para essa avaliação. Além disso, a sobrevida global é influenciada pelos tratamentos que um paciente recebe após a participação em um determinado estudo clínico, o que faz com que a relação de causa e efeito entre o tratamento do estudo e o tempo de vida seja menos clara. Em outras palavras, o tempo de sobrevida de um determinado paciente pode depender mais dos tratamentos que são administrados após a progressão de sua doença do que do próprio tratamento em estudo.
Diante dessas limitações, houve redução progressiva do uso da sobrevida global como endpoint primário nos estudos sobre diversos tipos de tumores. Consequentemente, também vêm sendo usados e aceitos para fins regulatórios outros endpoints de eficácia, tais como a resposta objetiva, a sobrevida livre de progressão, a toxicidade e a qualidade de vida. Todos esses endpoints apresentam vantagens e desvantagens.
Apesar das limitações da sobrevida global como endpoint primário em determinadas situações, a sobrevida global ainda é útil em tumores para os quais não existe tratamento eficaz em múltiplas linhas terapêuticas. Felizmente, essas situações vêm sendo cada vez menos frequentes, graças ao sucesso do desenvolvimento de novos medicamentos, em especial os de alvo molecular e a imunoterapia. Esta última, a propósito, apresenta desafios adicionais, porque vem sendo frequente a extensão da sobrevida dos pacientes mesmo quando não fica evidente a extensão do tempo até a progressão tumoral em estudos clínicos sobre imunoterapia. Nestes casos, portanto, a sobrevida global ainda é o desfecho mais importante, conforme discutido no artigo.
Referência: Saad ED, Buyse M. Statistical controversies in clinical research: end points other than overall survival are vital for regulatory approval of anticancer agents. Ann Oncol 2015 Nov 16 [Epub ahead of print].