A oncologista Angélica Nogueira Rodrigues, presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG) comenta os destaques do congresso anual da Society of Gynecologic Oncology (SGO), que aconteceu entre os dias 12 e 15 de março em National Harbor, Estados Unidos, e contou com a participação de especialistas brasileiros.
Por Angélica Nogueira Rodrigues
Ainda pouco conhecida por uma significativa parcela dos oncologistas clínicos do Brasil, a SGO (Society of Gynecologic Oncology) é a sociedade médica americana voltada à pesquisa, prevenção, tratamento e educação direcionados ao câncer ginecológico. De seu congresso anual, ocorrido nos últimos 12 a 15 de março, destacamos a participação brasileira e alguns estudos clínicos internacionais com potencial de impactar a prática clínica do câncer ginecológico.
No tratamento do carcinoma epitelial de ovário (CEO), o resumo é menos quimioterapia e mais droga-alvo direcionada. No cenário de CEO recidiva platino-sensível, em 294 pacientes com mutação em um dos genes BRCA, o estudo de fase III SOLO2 mostrou uma redução de 70% no risco de progressão ou morte com o uso do inibidor de PARP olaparibe na dose de 300mg BID comparado ao placebo. De acordo com revisão cega central, a sobrevida livre de progressão (SLP) nas pacientes randomizadas para olaparibe foi de 30,2 meses versus 5,5 meses no braço placebo (HR 0,25; 95% IC, 0,18-0,35; P <0,0001).
Cabe ressaltar que 40% das pacientes haviam recebido 3 ou mais linhas prévias de quimioterapia. O tempo para início da primeira terapia subsequente ou morte, objetivo secundário do estudo, foi 27,9 meses no braço do tratamento comparado a 7,1 meses no braço placebo (p <0,0001). Com a formulação de 300mg, as pacientes receberam neste estudo duas pílulas ao dia, comparado a 16 pílulas (no total 400mg BID) ao dia no estudo de fase II que o antecedeu (N Engl J Med. 2012;366:1382-1392).Já na primeira linha, o estudo GOG 212 falhou em demonstrar benefício para o tratamento de manutenção com paclitaxel em pacientes que foram à resposta completa com o tratamento de inicial, além do braço de tratamento ter apresentado maior toxicidade que o braço controle.
No câncer de colo de útero avançado foram apresentados os resultados de eficácia do estudo GOG 265 que avaliou o imunoterápico axalimogene filolisbac em pacientes politratadas. Em estudo de fase II de braço único, 38% das pacientes estavam vivas em 12 meses, valor superior aos 24,5% previstos em um modelo logístico que considerava fatores prognósticos apresentados pelas pacientes e resultados de estudos prévios do GOG em cenário semelhante. Os autores anunciaram início em breve do estudo de fase III mundial neste contexto.
Participação brasileira
Os pesquisadores brasileiros Eduardo Paulino (Grupo EVA/COI/INCA) e Angélica Nogueira-Rodrigues (Grupo EVA/UFMG/DOM) apresentaram o panorama epidemiológico do câncer ginecológico no Brasil. Segundo os pesquisadores, a cada 2 anos, o Instituto Nacional de Câncer divulga dados sobre a incidência de câncer de colo uterino, endométrio e ovário, porém sem informações mais detalhadas sobre os aspectos clínicos e demográficos. Para os estudos apresentados, foram colhidos dados de uma coorte de 193.647 pacientes tratadas entre os anos de 2000 e 2015 no país e avaliados, para cada tumor ginecológico, as seguintes variáveis: idade mediana ao diagnóstico, anos de estudo, raça, estado civil, tipos histológicos, estágio ao diagnóstico e tempo decorrido entre o diagnóstico e o primeiro tratamento.
Foi identificada alta proporção de estágios avançados ao diagnóstico, como por exemplo, 79% dos tumores de colo uterino e vagina e 48% dos tumores de endométrio em estágios II a IV ao diagnóstico. Além disso, foi detectado significativo atraso para o início do tratamento: em 38% e 36% dos casos de tumor de endométrio e colo uterino, respectivamente, o tempo entre o diagnóstico e o primeiro tratamento ultrapassou 90 dias. Outro dado alarmante é que 22% das pacientes com câncer de colo de útero tem mais de 65 anos no momento do diagnóstico, indicando necessidade de maior atenção em prevenção a mulheres com mais de 50 anos.
A pesquisadora Audrey Tsunoda (Grupo EVA e Hospital Erasto Gaertner) também apresentou trabalho sobre a queda na segunda dose de vacinação anti-HPV no país, que foi de 99,9% da meta para 58,9% em 2014, ano de sua incorporação pelo SUS. Segundo a pesquisadora, iniciativas de educação voltadas para a população visando aumentar a taxa de adesão ao esquema completo são essenciais para o sucesso do programa.