Onconews - Tratamento neoadjuvante total no câncer de reto

Rodrigo Oliva Perez 2018 NET OKOs cirurgiões Rodrigo Oliva Perez (foto), Guilherme Pagin São Julião e Angelita Habr-Gama, médicos do Instituto Angelita e Joaquim Gama, analisam estudo recentemente publicado no JAMA Oncology que apresenta resultados iniciais com o emprego de tratamento neoadjuvante total para pacientes com câncer de reto.

Rodrigo Oliva Perez, Guilherme Pagin São Julião e Angelita Habr-Gama

Após ter incluído uma série significativa de pacientes com câncer do reto cT3, cT4 ou cN+ tratados através do esquema neoadjuvante convencional (QRT – cirurgia – quimioterapia sistêmica) ou tratamento neoadjuvante total (quimioterapia sistêmica – QRT – cirurgia), os autores sugerem possíveis vantagens importantes entre os pacientes tratados com o segundo esquema.1

Pacientes que iniciaram tratamento através de quimioterapia sistêmica, seguida de QRT e por ultimo tratamento cirúrgico apresentaram maiores taxas de resposta ao tratamento. Além disso, esta estratégia permitiu que os pacientes completassem de fato o tratamento conforme planejado mais frequentemente que os pacientes submetidos ao tratamento convencional. Possivelmente, esta diferença pode ter sido decorrente da melhor tolerabilidade ao tratamento quimioterápico sistêmico quando oferecido antes do tratamento cirúrgico e da QRT.

Embora muito promissor e atraente, a implementação da TNT na prática clinica diária deve ser feita de maneira cuidadosa. Considerando o estudo publicado, algumas limitações significativas merecem ser apontadas.

Em primeiro lugar, a oferta de TNT corre o risco significativo de oferecer super-tratamento (“overtreatment”) a uma parcela significativa de pacientes com câncer de reto. A inclusão de quimioterapia sistêmica com oxaliplatina, pode ter sido desnecessária ou excessiva quando empregada a pacientes com estádio II, particularmente quando de baixo risco. É possível que pacientes com tumores cT3aN0 que apresentariam resposta patológica completa apenas ao tratamento com QRT convencional teriam sido tratados sem este esquema de quimioterapia sistêmica.

Assim como demonstrado em outros estudos prospectivos no passado, muitos pacientes com estadiamento radiológico cT3N0 apresentam estádio superestimado já que quando submetidos a tratamento cirúrgico imediato (“upfront”) apresentam resultado patológico de pT2N0.2 Todos estes pacientes estariam sendo “super-tratados” se oferecido esquema neoadjuvante TNT.

Além disso, considerando o caráter retrospectivo do estudo, é possível que pacientes tratados no esquema convencional tenham sido poupados de esquema adjuvante com quimioterapia sistêmica em função de outras razões, incluindo resultado anatomo-patológico favorável. A estratégia TNT não permite este tipo de individualização do tratamento adjuvante.

Em segundo lugar a comparação no estudo entre pacientes submetidos a QRT ou TNT não obedeceu a nenhum critério especifico. Isso faz com diversos potenciais vícios tenham sido responsáveis pelas diferenças observadas em termos de indicação e recebimento do TNT. Basta verificar que enquanto menos da metade dos pacientes submetidos a QRT foram tratadas na Instituição responsável pelo estudo enquanto que quase 3/4 dos pacientes tratados com TNT foram tratados dentro da Instituição. Fica impossível saber as razões tomadas na decisão entre um tratamento ou outro dentro da Instituição principal.

Finalmente, o TNT sai apontado como uma plataforma promissora para a preservação de órgão no tratamento do câncer do reto. No entanto, outros esquemas com QRT e quimioterapia de consolidação (sem oxaliplatina) já apresentam resultados semelhantes em termos de resposta sem o risco de super-tratamento.3 Além disso, outras experiências com preservação de órgão tem direcionado esta estratégia aos pacientes quando as vantagens ao evitar o tratamento cirúrgico são mais significativas. Isso ocorre quando os pacientes apresentam tumores no terço distal do reto onde a preservação esfincteriana está ameaçada e as consequências funcionais são muito mais significativas.

A possiblidade de preservação de órgão para pacientes com câncer de reto até 15cm da borda anal, como apresentado no estudo, pode ser uma vantagem teórica, no entanto, sem utilidade prática, já que o beneficio de evitar tratamento cirúrgico a pacientes com câncer do reto proximal intraperitoneal pode ser mínima.

Referências

1. Cercek A, Roxburgh CSD, Strombom P, et al. Adoption of Total Neoadjuvant Therapy for Locally Advanced Rectal Cancer. JAMA Oncol 2018.

2. Sauer R, Becker H, Hohenberger W, et al. Preoperative versus postoperative chemoradiotherapy for rectal cancer. N Engl J Med 2004;351:1731-40.

3. Habr-Gama A, Sabbaga J, Gama-Rodrigues J, et al. Watch and wait approach following extended neoadjuvant chemoradiation for distal rectal cancer: are we getting closer to anal cancer management? Dis Colon Rectum 2013;56:1109-17.

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