Rodrigo Oliva Perez (foto), cirurgião do Instituto Angelita & Joaquim Gama e coordenador da área de cólon e reto do Centro Oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo é co-autor de estudo multicêntrico publicado no The Lancet que avalia a estratégia de Watch & Wait (W&W) para o tratamento do câncer de reto. O trabalho é a maior série já publicada com a estratégia e descreve a experiência com de 47 centros em 15 países. O especialista comentou o trabalho para o Onconews.
Nos últimos anos, o tratamento da neoplasia de reto evoluiu com o surgimento de novas modalidades terapêuticas e com o desenvolvimento de métodos para avaliação tumoral. A associação de radio e quimioterapia (RQT) com a cirurgia radical (excisão total do mesorreto), foi indicada inicialmente para reduzir o risco de recidiva local na neoplasia de reto. Entretanto, foi observado que a RQT gerava uma redução significativa no tamanho do tumor e em alguns casos até regressão completa da lesão.
Neste contexto, surgia o conceito de preservação de órgão no tratamento do câncer do reto. Sob a liderança da cirurgiã brasileira Angelita Habr-Gama, o papel da cirurgia radical passou a ser questionado em pacientes com evidência clínica de resposta completa ao tratamento. Com o objetivo de evitar a morbidade, mortalidade e consequências funcionais desastrosas do tratamento cirúrgico radical (além da necessidade de colostomias temporárias ou definitivas), pacientes sem evidência clínica de lesão residual (endoscópica e radiológica) passaram a ser acompanhados sem cirurgia imediata (estratégia “Watch & Wait” - W&W).
Os primeiros estudos indicavam que pacientes com resposta clínica completa após RQT acompanhados por essa estratégia apresentavam resultados oncológicos muito semelhantes àqueles submetidos à procedimento cirúrgico radical após RQT com resposta patológica completa. O W&W mostrou-se uma estratégia com segurança oncológica, sem a morbimortalidade geradas pela cirurgia. Mesmo os pacientes que tiveram evidência de recrescimento da lesão, quando submetidos à procedimento cirúrgico de resgate durante o seguimento, não apresentaram resultados oncológicos piores.1,2
Apesar dos bons resultados, a estratégia sofreu duras críticas e resistência à sua utilização. A principal crítica seria a ausência de um estudo randomizado que comparasse o seguimento sem cirurgia imediata com a cirurgia radical em pacientes com resposta clínica completa. A resposta clínica completa foi considerada um evento raro, os resultados não reprodutíveis em outros centros, a cirurgia de resgate tecnicamente mais difícil (pelo longo intervalo após o término da RQT que aumentaria a fibrose local) e o seguimento por W&W arriscado. Além disso, por não constar de diretrizes de tratamento oncológico das principais Sociedades, o W&W era raramente sequer considerado pelos centros.
Entretanto, diversos outros grupos, principalmente na Europa, passaram a adotar o W&W e apresentar estudos com número reduzido de pacientes, mas com resultados similares, demonstrando segurança oncológica, viabilidade da cirurgia de resgate em caso de recrescimento, melhores resultados funcionais e menor necessidade de ostomia. A presença de múltiplas publicações gerou a realização de estudos de revisão sistemática e meta-análises confirmando estes achados.3,4
A publicação do The Lancet de junho de 2018 descreve a experiência de 47 centros em 15 países com a estratégia W&W.5 O estudo se baseou na análise de um registro alimentado por esses centros com pacientes com resposta clínica completa após RQT, acompanhados sem tratamento cirúrgico imediato.
Foram avaliados 880 pacientes seguidos pela estratégia W&W por um tempo médio de seguimento de mais de 3 anos. A incidência de recorrência local foi de 25%, sendo diagnosticada nos primeiros dois anos de seguimento na grande maioria dos casos (88%). Quase sempre, a recorrência ocorreu na luz do reto (97%). Do total, 8% dos pacientes apresentaram doença metastática durante o seguimento, sendo que a sobrevida livre de doença em 5 anos foi de 94% e a sobrevida global 85%.
Dos 880 pacientes, 667 apresentaram resposta clínica sustentada, e nesses pacientes a sobrevida global em 5 anos foi de 88%, quase sempre sem o emprego de tratamento adjuvante. Curiosamente, estas taxas de sobrevida tardia são idênticas às publicadas para pacientes submetidos à cirurgia radical com resposta patológica completa com uso de tratamento adjuvante em quase metade dos pacientes.6
Os dados do estudo publicado no The Lancet, apesar de multicêntrico, constituem a maior série já publicada com a estratégia WW para o tratamento do câncer de reto. Além de reproduzir de maneira consistente os resultados anteriormente já reportados, reflete o interesse mundial em estratégias de preservação de órgão para o tratamento do câncer do reto. Neste contexto, torna-se promissor o impacto da incorporação desta estratégia no manejo multidisciplinar do câncer de reto, para benefício de nossos pacientes.
Referências:
Habr-Gama A, de Souza PM, Ribeiro U, Jr., et al. Low rectal cancer: impact of radiation and chemotherapy on surgical treatment. Dis Colon Rectum. Sep 1998;41(9):1087-1096.
Habr-Gama A, Perez RO, Nadalin W, et al. Operative versus nonoperative treatment for stage 0 distal rectal cancer following chemoradiation therapy: long-term results. Ann Surg. Oct 2004;240(4):711-717; discussion 717-718.
Dossa F, Chesney TR, Acuna SA, Baxter NN. A watch-and-wait approach for locally advanced rectal cancer after a clinical complete response following neoadjuvant chemoradiation: a systematic review and meta-analysis. Lancet Gastroenterol Hepatol. May 04 2017.
Dattani M, Heald RJ, Goussous G, et al. Oncological and Survival Outcomes in Watch and Wait Patients With a Clinical Complete Response After Neoadjuvant Chemoradiotherapy for Rectal Cancer: A Systematic Review and Pooled Analysis. Ann Surg. May 9 2018.
van der Valk MJM, Hilling DE, Bastiaannet E, et al. Long-term outcomes of clinical complete responders after neoadjuvant treatment for rectal cancer in the International Watch & Wait Database (IWWD): an international multicentre registry study. Lancet. Jun 23 2018;391(10139):2537-2545.
Maas M, Nelemans PJ, Valentini V, et al. Long-term outcome in patients with a pathological complete response after chemoradiation for rectal cancer: a pooled analysis of individual patient data. Lancet Oncol. Sep 2010;11(9):835-844.