Estudo de Moshina et al. publicado na revista Radiology avaliou o uso da análise volumétrica automatizada da densidade mamária em exames de rastreamento na Noruega. O objetivo foi comparar a performance do rastreamento populacional de acordo com a densidade mamária avaliada de forma objetiva por um software. Os especialistas em radiologia mamária Almir Galvão Vieira Bitencourt e Juliana Alves de Souza, do Núcleo de Diagnósticos por Imagem do A.C.Camargo Cancer Center, comentam os achados.
A densidade mamária nos exames de mamografia exerce impacto fundamental no rastreamento do câncer de mama. Diversos estudos já demonstraram que pacientes com mamas densas têm maior risco de desenvolvimento de câncer. Além disso, a mamografia apresenta sensibilidade reduzida nesta população. Deste modo, as pacientes submetidas ao rastreamento mamográfico que apresentem mamas densas usualmente necessitam de cuidados adicionais, seja através exames clínicos mais frequentes ou complementação com outros métodos de imagem, como ultrassonografia (mais comum em nosso meio), tomossíntese, mamografia com contraste, métodos de imagem molecular ou ressonância magnética. Atualmente, a avaliação da densidade mamária é realizada de rotina em exames de mamografia, utilizando os critérios preconizados pelo léxico BI-RADS® do Colégio Americano de Radiologia. No entanto, estes critérios são subjetivos, podendo ocorrer variação entre diferentes exames e interobservadores.
No estudo de Moshina et al. (1), recentemente publicado na revista Radiology, os autores avaliaram o uso da análise volumétrica automatizada da densidade mamária em exames de rastreamento na Noruega. O objetivo deste trabalho foi comparar a performance do rastreamento populacional de acordo com a densidade mamária avaliada de forma objetiva por um software.
Foram avaliadas retrospectivamente 307.015 exames de mamografia realizados em 107.949 mulheres no período de 2007 a 2015. A densidade volumétrica da mama calculada pelo software (VDG) foi dividida em 4 categorias: VDG1 (até 4,5%), VDG2 (4,5-7,5%), VDG3 (7,5-15,5%) e VDG4 (>15,5%). Foram consideradas como mamas densas as categorias VDG3 e VDG4. Utilizando esta classificação, em 28% dos exames as mamas foram classificadas como densas, sendo 23% classificadas como VDG3 e 5% classificadas como VDG4. Os fatores relacionados a aumento da densidade mamária foram idade, índice de massa corpórea, uso de terapia de reposição hormonal e história familiar de câncer de mama.
Os resultados deste trabalho demonstraram que as pacientes com mamas densas apresentavam, em relação às pacientes com mamas não-densas, maiores taxas de reconvocação (3,6% vs. 2,7%), biópsia (1,4% vs. 1,1%), câncer detectado no rastreamento (6,7 vs. 5,5 para cada 1000 exames) e câncer de intervalo (2,8 vs. 1,2 para cada 1000 exames). A sensibilidade da mamografia nas mamas não densas foi de 82%, contra 71% nas mamas densas, enquanto a especificidade foi semelhante nos dois grupos (98% vs. 97%). Os cânceres de mama detectados nas pacientes com mamas densas apresentaram maior diâmetro médio (16,6 mm vs. 15,1 mm) e maior frequência de metástase em linfonodos axilares (24% vs. 18%). O risco de ter um câncer de mama detectado no rastreamento foi 1,37 vezes maior para as mulheres com mamas densas, enquanto o risco de apresentar um câncer de intervalo foi 2,93 vezes maior neste grupo. Todos esses resultados foram estatisticamente significativos.
Estes dados confirmam a importância da adequada avaliação da densidade mamária em exames de mamografia de rastreamento. As pacientes com mamas densas apresentaram menor sensibilidade da mamografia e maiores taxas de reconvocação, demonstrando uma menor efetividade do rastreamento mamográfico nesta população. Além disso, estas pacientes com mamas densas tiveram um maior risco de desenvolver câncer, principalmente os cânceres de intervalo (aqueles detectados clinicamente entre dois exames de rastreamento normais), e apresentaram tumores mais avançados, com maior diâmetro médio e acometimento linfonodal.
No entanto, deve-se ter cautela ao extrapolar os resultados deste estudo para outras populações. O programa de rastreamento na Noruega inclui mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos, com mamografias bianuais. No Brasil, de acordo com as principais sociedades de especialidade, é recomendado o rastreamento anual a partir dos 40 anos (2), mesma recomendação utilizada nos Estados Unidos. É esperado que pacientes na faixa etária entre 40 e 50 anos tenham um maior percentual de mamas densas, no entanto, nesta população a prevalência de neoplasia de mama é menor, o que poderia afetar os resultados do rastreamento. Além disso, é esperado um menor número de cânceres de intervalo com o rastreamento anual, quando comparado ao rastreamento bianual.
Em resumo, a densidade mamária parece agir como um fator de risco independente para o câncer de mama e está diretamente relacionada aos resultados do rastreamento mamográfico. Portanto, sua avaliação objetiva através do uso de softwares pode ser uma boa alternativa para padronização da sua classificação, contribuindo para planejamento de estratégias de intervenção. Pacientes com mamas densas devem ser bem orientadas e ter acompanhamento mais cuidadoso em virtude dos piores resultados do rastreamento mamográfico. No entanto, estudos futuros devem levar em consideração os custos e a efetividade da incorporação rotineira de métodos complementares ao rastreamento mamográfico em toda a população de pacientes com mamas densas. Até o momento, acreditamos que a conduta deve ser individualizada, baseada não apenas na densidade mamária, mas em outros dados clínicos e de imagem, como história familiar e fatores de risco para câncer de mama.
Referências:
1 - Moshina N, Sebuødegård S, Lee CI, Akslen LA, Tsuruda KM, Elmore JG, Hofvind S. Automated Volumetric Analysis of Mammographic Density in a Screening Setting: Worse Outcomes for Women with Dense Breasts. Radiology. 2018 Jun 26:172972. doi: 10.1148/radiol.2018172972.
2- Urban LABD, Chala LF, Bauab SDP, Schaefer MB, Dos Santos RP, Maranhão NMA, Kefalas AL, Kalaf JM, Ferreira CAP, Canella EO, Peixoto JE, de Amorim HLE, de Camargo Junior HSA. Breast cancer screening: updated recommendations of the Brazilian College of Radiology and Diagnostic Imaging, Brazilian Breast Disease Society, and Brazilian Federation of Gynecological and Obstetrical Associations. Radiol Bras. 2017 Jul-Aug;50(4):244-249. doi: 10.1590/0100-3984.2017-0069.