A Anvisa aprovou no dia 28 de julho o uso de imbruvica (Ibrutinib®) e ampliou o arsenal para o tratamento de leucemia linfocítica crônica (LLC), depois da recente aprovação no Brasil de duas outras alternativas de tratamento (obinutuzumab e ofatumumab). O hematologista Nelson Hamerschlak comenta as novidades no cenário da LLC e fala da experiência do Hospital Israelita Albert Einstein no controle da doença.
A LLC viveu uma verdadeira revolução e foi apontado como o Avanço do Ano pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) em 2014. Para pacientes sintomáticos ou em progressão, as recomendações atuais consideram quimioterápicos, incluindo alquilantes e análogos de purina, mas uma crescente oferta de agentes tem remodelado o panorama da doença. Esse novo arsenal considera anticorpos monoclonais, medicamentos imunomoduladores e inibidores da quinase, drogas que têm se revelado efetivas em um ambiente até pouco tempo com limitadas opções de tratamento.
Em pacientes sem tratamento prévio, a imunoterapia confirmou benefícios significativos com o uso de clorambucil. É o caso do anti CD20 obinutuzumab (Gazyva, da Roche), aprovado nos Estados Unidos em 2013, e do ofatumumab (Arzerra®, da Novartis), aprovado em 2014 pelo FDA, ambos com registro também no Brasil autorizado pela Anvisa, em abril de 2015.
No ensaio GADOLIN, obinutuzumab confirmou a superioridade em relação ao braço tratado com bendamustina. O anti CD-20 reduziu o risco de progressão ou morte em 45% (HR = 0,55; p = 0,0001).
A aprovação do ofatumumab foi apoiada nos dados do estudo randomizado de fase III COMPLEMENT 1, que apresentou mediana de sobrevida livre de progressão de 22,4 meses nos pacientes que receberam Arzerra® mais clorambucil, contra 13,1 meses nos que receberam clorambucil em monoterapia ([HR] = 0,57; 95% CI, 0,45-0,73; P <.001).
Ao lado da imunoterapia, também as drogas-alvo ampliam as opções de tratamento na recorrência de LLC, como o agente Ibrutinib (Imbruvica®, Pharmacyclics/Janssen). O agente é o primeiro inibidor de tirosina quinase de Bruton (BTK) aprovado pelo FDA em fevereiro de 2014. Outra terapia-alvo foi o idelalisib (Zydelig, da Gilead Sciences), aprovado pelo FDA em julho de 2014.
O ibrutinib colheu os bons resultados do estudo RESONATE, que confirmaram o benefício do inibidor frente ao ofatumumab, mesmo no subgrupo de pacientes com deleção do cromossomo 17 (del 17p), variante agressiva da doença.
No RESONATE foram selecionados 391 pacientes, randomizados aleatoriamente para receber ibrutinibe ou ofatumumabe. Depois de um período de seguimento de 9,4 meses, ibrutinibe melhorou significativamente a sobrevida livre de progressão (SLP). Não houve progressão da doença no braço tratado com ibrutinibe, enquanto a SLP foi de 8,1 meses com ofatumumabe ([HR], 0,22; P <0,001). Ibrutinibe também melhorou significativamente a sobrevida global (HR, 0,43; P = 0,005).
O ensaio HELIOS foi outro a confirmar a eficácia e segurança do ibrutinib (IBR) em combinação com bendamustina e rituximab (BR). Em um seguimento médio de 17,2 meses, a sobrevida livre de progressão foi significativamente maior com a BR + IBR vs BR + placebo (mediana não atingida vs 13,3 meses; HR: 0,203, 95% CI: 0,150-0,276, P <0,0001); resultados da sobrevida livre de progressão foram consistentes nos subgrupos de alto risco. As taxas de resposta foram significativamente maiores no grupo ibrutinib em comparação ao grupo placebo (82,7% vs 67,8%).O risco de progressão ou morte foi reduzido em 80% naqueles que receberam ibrutinib.
Em pacientes com doença avançada (Rai III-IV, Binet C) ou sintomática, alemtuzumabe é outra aposta terapêutica. É um anticorpo monoclonal dirigido a inibir a atividade da proteína CD52 e mostra atividade na doença refratária e em pacientes previamente tratados, com doença de alto risco, como nos cariótipos com mutações 17p e p53.
A LLC é a leucemia mais comum em adultos, que afeta desproporcionalmente os idosos, muitas vezes não indicados para receber o tratamento padrão com a combinação de fludarabina, ciclofosfamida e rituximab. Para esse perfil de pacientes, as terapias imunológicas atrasam a progressão da doença e representam uma nova opção de tratamento em primeira linha.
Análise de dados retrospectivos
Segundo Hamerschlak, em virtude das novas opções de tratamento, principalmente para os pacientes idosos ou aqueles com del 17p (variante agressiva da doença), foram analisados no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) os dados retrospectivos de 72 pacientes entre os anos de 2004 a 2015 com a finalidade de identificar aqueles que se beneficiariam desses novos agentes.
A mediana de idade ao diagnóstico foi de 64,7 anos, sendo 52 pacientes do sexo masculino, e o tempo médio entre diagnóstico e tratamento foi de 2 anos, variando de 8 dias a 6,7 anos. “Vinte e seis pacientes receberam tratamento, 46% (12) baseado em fludarabina e 50% (13) receberam algum esquema contendo clorambucil. Um paciente recebeu outro tratamento”, explica Hamerschlak.
Dos 26 pacientes tratados, até o momento 10 (38,5%) realizaram apenas uma linha de tratamento, 8 (30,8%) realizaram duas linhas de tratamento, 4 (15,4%) realizaram três linhas de tratamento e 4 (15,4%) pacientes realizaram quatro linhas de tratamento. “Ou seja, 16 pacientes recidivaram e foi necessária terapia de resgate. Esses pacientes poderiam ter se beneficiado do ibrutinib ou idelalisib já na primeira recidiva”, diz o especialista.
Do total, 48 pacientes (66,7%) realizaram FISH, sendo encontrado del 17p em 5 (8,3%). Destes, apenas um encontra-se em remissão com clorambucil em monoterapia. Um paciente progrediu após terceira linha de tratamento quimioterápico evoluindo para óbito, dois estão atualmente na segunda linha de tratamento quimioterápico e um deles nunca tratou. Todos esses pacientes teriam indicação de ibrutinib em primeira linha.
“Analisando esses dados, vemos que dos 72 pacientes analisados, 20 (27,7%) se beneficiariam dos novos agentes, tanto em primeira linha quanto na recidiva/ refratariedade”, afirmou.
O especialista ressalta ainda que as terapêuticas com células CAR T (receptores de antígeno quimérico), não disponíveis no Brasil, seguramente, contribuiriam nos casos de LLC recidivada ou refratária. “O papel do transplante de medula óssea, apesar de cada vez mais restrito, ainda ocupa lugar por se tratar de único tratamento curativo”, acrescentou.
Vigilância
Na ausência de sintomas, os pacientes com LLC com pequeno ou nenhum aumento dos gânglios linfáticos (Rai 0-I ou Binet A) devem ser seguidos por observação (watchful waiting) clínica e laboratorial, uma vez que nesta etapa a literatura reporta que não há ganhos com o tratamento. “Os pacientes que recebem este tipo de orientação sentem-se desconfortáveis, mas a grande maioria dos pacientes nos primeiros anos de diagnóstico não serão tratados por não preencherem os critérios de tratamento - aumento significativo de linfócitos entre exames a cada 3 a 6 meses, anemia ou plaquetopenia ou, ainda, aumento de gânglios ou baço”, afirma Hamerschlak.
Pacientes com cariótipo normal têm melhor prognóstico que aqueles com alterações cromossômicas, sabidamente uma característica de alto risco (deleção de 17p ou 11q). Para esse subgrupo, a orientação dos especialistas é monitorar os pacientes em intervalos mais curtos e observar o aparecimento de organomegalia (adenopatias, hepatomegalia, esplenomegalia) ou a presença de citopenia (anemia, trombocitopenia).