A síndrome de Lynch foi tema obrigatório no INSIGHT 2015, o maior encontro mundial da comunidade dedicada ao câncer gastrointestinal hereditário, que desta vez foi realizado em São Paulo. O congresso contou com a presença de Patrick Lynch, do MD Anderson Cancer Center, filho de Henry Lynch, que em 1967 publicou a primeira descrição do câncer.
Este ano, a história da síndrome de Lynch foi contada numa dimensão temporal em artigo do próprio Henry Lynch, publicado na Nature (vol. 15), que percorre a trajetória da síndrome desde suas primeiras descrições, em 1895, com as observações de Warthin em pequenas agrupações familiares, até as pesquisas lideradas por Lynch e finalmente a era da genética, anunciada pela descoberta de mutações responsáveis por danificar os genes de reparo do DNA.
Reconhecida hoje por ser a condição hereditária mais frequentemente associada ao câncer colorretal, a síndrome de Lynch é caracterizada pela predisposição a um espectro de tipos de câncer, principalmente o colorretal e o câncer endometrial. Mais de 100 síndromes que predispõem ao câncer hereditário foram identificadas, muitas bem definidas por causar mutações germinativas associadas a malignidades.
Estudos observacionais em famílias com maior predisposição ao câncer têm permitido que médicos, geneticistas moleculares e serviços de aconselhamento genético possam identificar indivíduos com enorme risco de desenvolver câncer, para oferecer vigilância e prevenção.
O conhecimento acumulado a partir de estudos com famílias afetadas lançou as bases para o rastreio e a Síndrome de Lynch foi uma das primeiras síndromes bem estabelecidas, hoje reconhecidamente a mais prevalente. Trata-se de uma condição herdada, na qual o gene de reparo do DNA (MMR) é defeituoso e não é capaz de garantir a integridade do genoma. A predisposição é herança autossômica dominante causada por uma falha em um dos quatro principais genes MMR. Esse tipo de câncer apresenta instabilidade dos microssatélites (MSI), alterações provocadas por um fenótipo molecular resultante da atividade prejudicada do MMR.
No artigo da Nature, Henry Lynch resgata toda a bagagem de conhecimento acumulada na literatura. “A nossa compreensão atual é fruto de mais de um século de trabalho multidisciplinar, envolvendo patologia, estudos de biologia básica, estudos moleculares e epigenéticos”, define.
História
O manejo clínico de famílias afetadas é o resultado dessa contribuição, que começou com as descobertas originais de Aldred Warthin em 1895 e avança até os dias atuais.
Warthin, um patologista de renome mundial da Universidade de Michigan, ficou muito comovido ao ouvir a história de sua costureira. Ela sofria de depressão e atribuía o problema às muitas mortes na família, devastada pelo câncer, principalmente casos de câncer colorretal, de estômago e câncer do útero.
Warthin começou a reunir e documentar esses relatos, assim como os resultados da patologia. Em 1913, publicou seus primeiros achados. Ele observou que a transmissão do fenótipo de câncer dentro dessa família, designada de família “G”, era coerente com a proposta de Mendel, de herança autossômica dominante. Uma atualização foi publicada em meados de 1930 por Warthin e colegas.
Os relatórios sobre a Família G foram uma das primeiras observações abrangentes registradas e lançaram as bases para o estudo do câncer familial e de predisposição hereditária, como a Síndrome de Lynch.
No artigo da Nature, Lynch descreve seu percurso de pesquisas. Em 1962, durante a sua residência de medicina interna, Henry Lynch encontrou um paciente de Nebraska com um histórico familiar semelhante ao da costureira de Warthin. O indivíduo se recuperava de um episódio de delirium tremens e disse a Lynch que bebia porque estava convencido de que iria morrer de câncer colorretal, como "todos" na família até então.
Lynch tinha completado uma detalhada história familiar, que mostrou um número excessivo de casos de câncer colorretal transmitidos através de gerações.
O pensamento imediato foi a polipose adenomatosa familiar, mas Lynch não encontrou evidências de adenomas do cólon após uma revisão intensiva dos registros de patologia dos membros da família. Foi o que impulsionou Lynch a se questionar se estaria diante de uma síndrome até então não descrita, com um padrão de predisposição que é consistente com o modo autossômico dominante de genética, mas sem a presença de pólipos.
Em seguida, outros casos em uma família de Nebraska deram novo corpo às investigações. A esse novo agrupamento, que passou a ser designado de família “N”, logo se juntaram relatos de uma família de Michigan, a família “M”, que ajudou a reforçar o corpo de evidências.
Com a contribuição de Anne Krush, uma assistente social que auxiliou na detalhada revisão dos casos da família G, Lynch publica em 1971 seu primeiro artigo sobre o câncer de predisposição familiar (Cancer family “G” revisited: 1895–1970), entendido como a base sólida da síndrome que mais tarde, em 1984, receberia a denominação de síndrome de Lynch.
Anos depois, já na década de 90, a era da genética permitiu associar a síndrome a falhas nos genes de reparo do DNA. O primeiro lócus genético foi mapeado em 1993, atribuído ao polimorfismo de microssatélites (2p21), uma evidência definitiva para a síndrome de Lynch.
Atualmente, os critérios de Amsterdame o guideline de Bethesda são bem estabelecidos para o rastreamento e diagnóstico da síndrome de Lynch.
O oncologista Benedito Mauro Rossi, que este ano foi o chairman do INSIGHT 2015, lembra que o fundamental é saber reconhecer as famílias, o que significa valorizar uma anamnese bem feita. “Apesar de todos os avanços de diagnóstico molecular, o mais importante ainda é reconhecer clinicamente as famílias por meio dos antecedentes familiares e pessoais de câncer. A anamnese ainda é uma ferramenta fundamental para o diagnóstico: barata e fácil de fazer”, recomenda o especialista. “Basta usar alguns minutos do tempo da consulta, o que pode fazer a diferença”.
Referência: Milestones of Lynch syndrome: 1895–2015 - Henry T. Lynch, Carrie L. Snyder, Trudy G. Shaw, Christopher D. Heinen and Megan P. Hitchins - Nature, volume 15, fevereiro de 2015
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