Entre os estudos em câncer de cabeça e pescoço apresentados e publicados em 2018, dois tópicos chamaram a atenção: de-intensificação de tratamento nos pacientes com câncer de orofaringe HPV positivo e imunoterapia. Confira os trabalhos mais importantes, na opinião do médicos Aline Lauda Freitas Chaves e Thiago Bueno de Oliveira, do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço.
O termo câncer de cabeça e pescoço designa um grupo heterogêneo de doenças englobando vários subsítios: cavidade oral, lábios, laringe, orofaringe, nasofaringe, hipofaringe, glândulas salivares, seios da face e tireoide. Pelos dados do GLOBOCAN publicados em 2018, somando-se todos os subsítios estes tumores ocupam o terceiro lugar em incidência, com 1.454.892 novos casos, ficando atrás somente dos tumores de pulmão (2.093.876) e mama (2.088.849) e à frente do câncer de próstata (1.276.106).
Os tumores de cabeça e pescoço são a quarta causa mais comum de câncer em homens (796.946 casos), atrás de pulmão, próstata e colorretal. Nas mulheres também representam a quarta causa mais comum (657.966 casos), atrás de mama, colorretal e pulmão, sendo os tumores de tireoide os mais frequentes nesta população (436.344 casos)1. No Brasil, o carcinoma escamoso de cabeça e pescoço representa o terceiro mais incidente nos homens (com 17.590 novos casos por ano) e o câncer de tireoide é o quinto mais incidente entre as mulheres. (com 8040 novos casos por ano)2.
Estudos importantes foram apresentados e publicados em 2018. Chamamos atenção particularmente para dois tópicos: De-intensificação de tratamento nos pacientes com câncer de orofaringe HPV positivo e imunoterapia.
O câncer de orofaringe HPV positivo é uma nova entidade na oncologia de cabeça e pescoço, apresentando particularidades na sua oncogênese, biologia molecular, diagnóstico, apresentação clínica, estadiamento e prognóstico3. Na maioria dos casos são tumores de melhor prognóstico. Os critérios para diagnóstico do HPV foram recentemente publicados pelo Colégio Americano de Patologia4.Recomenda-se o teste de imuno-histoquímica com avaliação da proteína p16, sendo considerados HPV positivo os tumores com expressão de p16 com 70% de positividade difusa, nuclear e citoplasmática. Devido ao melhor prognóstico, estudos estão avaliando de-intensificar o tratamento de várias formas. Uma delas é substituir a cisplatina concomitante à radioterapia pelo cetuximabe concomitante à radioterapia. Essa estratégia foi avaliada nos estudos RTOG 1016 (apresentado na ASTRO 2018) e De-ESCALaTE (apresentado na ESMO 2018) e publicados no mesmo volume da revista Lancet5.6.
O estudo RTOG 1016 é um estudo de não-inferioridade que avaliou 849 pacientes com carcinoma de orofaringe p16 positivo, T1-2, N2a-3,M0 ou T3-4,N0-3,M0 (AJCC 7ª. Edição). Os pacientes foram randomizados a receber radioterapia concomitante a cisplatina ou a cetuximabe. A sobrevida global em 5 anos (endpoint primário do estudo) foi melhor no grupo submetido a tratamento com cisplatina (85% x 78% respectivamente). Pacientes submetidos a cetuximabe apresentaram menor sobrevida livre de progressão e controle locorregional. Toxicidade aguda foi menor no grupo submetido a cetuximabe. Conclui-se que cetuximabe não foi não-inferior a cisplatina.
O estudo De-ESCALaTE randomizou 334 pacientes com carcinoma de orofaringe, p16 positivo, estadio clínico III-IVa (T3-4N0M0 ou T1-4N1M0) pela AJCC 7ª edição, entre radioterapia concomitante a cisplatina ou cetuximabe. O endpoint primário – taxa de toxicidade grave (grau 3-5) foi similar entre os dois grupos (4.8% no grupo da cisplatina x 4.8% no grupo de cetuximabe), com sobrevida global em 2 anos inferior para o braço do cetuximabe (89.4 x 97.5% para cisplatina com HR 4.99, IC (95%) 1.70-14.67, P=0.001). Controle locorregional e recidiva à distância foi menor no grupo submetido a tratamento de cetuximabe concomitante à radioterapia.
Os dois estudos de de-intensificação de tratamento demonstraram resultados inferiores na substituição da cisplatina por cetuximabe no contexto do paciente com câncer de orofaringe HPV positivo. Essa estratégia não deve ser adotada na prática clínica. Pelos dados atuais, os pacientes com câncer de orofaringe HPV positivo devem ser tratados de forma similar aos pacientes HPV negativo. Outros estudos com novas estratégias estão em andamento.
Imunoterapia
A imunoterapia em 2018 está consolidada como tratamento padrão de segunda linha para pacientes com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço (CECP) recidivado ou metastático, após falha à terapia baseada em platina, com a publicação dos resultados atualizados do estudo prospectivo e randomizado de fase 3 Checkmate 141. Este estudo incluiu 361 pacientes com CECP recidivado ou metastático que haviam progredido em até 6 meses de terapia baseada em platina (incluindo pacientes com doença locorregional que receberam platina como parte do tratamento definitivo), randomizados 2:1 para nivolumabe (n=240) versus terapia de escolha do investigador (IC: docetaxel, metotrexate ou cetuximabe – n=121).
A atualização de 2 anos8, com um seguimento mediano de 24,2 meses, confirmou os resultados apresentados na análise inicial9, demonstrando que nivolumabe manteve o benefício de sobrevida global em comparação com terapia de escolha do investigador, com um Hazard Ratio (HR) de 0,68 (IC 95% 0,64-0,86) e um ganho absoluto em sobrevida global aos 3 anos de mais de 10% (16,9% x 6%). Este benefício em sobrevida global foi observado em todos os subgrupos avaliados, incluindo pacientes expressores de PD L1 ≥ 1% (HR=0,55; IC 95%: 0,39-0,78), PD L1 negativos (HR=0,73; IC 95%: 0,49-1,09), HPV positivos (HR=0,60; IC 95%: 0,37-0,97) ou HPV negativos (HR=0,59; IC 95%: 0,38-0,92).
Tentando identificar potencias preditores de benefício a longo prazo da imunoterapia, os sobreviventes no braço nivolumabe foram comparados com a população global do estudo, porém não foram observadas diferenças nas características destas populações. Não houve novidades em relação ao perfil de toxicidade, que persiste favorável a nivolumabe, nem na incidência de efeitos adversos imuno-mediados, comparativamente aos resultados publicados previamente9. Estes resultados estabelecem nivolumabe como opção de tratamento de segunda linha para pacientes com doença recidivada ou metastática, após falha à terapia baseada em platina.
A partir destes resultados consolidados em segunda linha, era racional que a imunoterapia fosse testada em primeira linha de tratamento. No congresso anual da ESMO (European Society of Medical Oncology) de 2018 foram apresentados os primeiros resultados avaliando esta estratégia10. O estudo prospectivo e randomizado de fase 3 Keynote 048 incluiu 882 pacientes com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço recidivado e metastático candidatos a tratamento sistêmico de primeira linha, que foram randomizados 1:1:1 para terapia padrão com esquema Extreme (platina + 5-FU + cetuximabe) versus pembrolizumabe em monoterapia versus pembrolizumabe associado a quimioterapia (platina + 5-FU). Os desfechos primários do estudo eram sobrevida global (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP), com análises planejadas nos subgrupos com expressão de PD L1 combinada ≥ 20% e ≥ 1% (CPS: combined positive score, que leva em consideração expressão em células tumorais e do infiltrado inflamatório). Os resultados apresentados se referem à segunda análise interina, e demonstraram ganho significativo de sobrevida global para pembrolizumabe em monoterapia versus Extreme, na população com PD L1 CPS ≥ 20% (mediana 14.9 x 10.7 meses; p=0.0007) e com PD L1 CPS ≥ 1% (mediana 12.3 x 10.3 meses; p=0.0086).
Não houve diferença em sobrevida livre de progressão e as taxas de resposta objetiva foram numericamente inferiores para pembrolizumabe na população PD L1 CPS ≥ 20% ou ≥ 1%, porém houve diferença significativa na duração de resposta ao tratamento favorecendo pembrolizumabe (20,9 x 4,2 meses em PD L1 CPS ≥ 20% e 20,9 x 4,5 meses em PD L1 ≥ 1%).
Na comparação de quimioterapia + pembrolizumabe versus Extreme, o braço combinação apresentou não inferioridade e superioridade em sobrevida global na população total do estudo (mediana 13.0 x 10.7 meses; p=0.0034), sem diferença significativa em sobrevida livre de progressão ou taxa de resposta objetiva ao tratamento. Não foram apresentados os dados de subgrupos expressores de PD L1 CPS nesta análise.
O perfil de toxicidade favoreceu pembrolizumabe na comparação com Extreme, com menor incidência de toxicidade grau 3 e 4 e menor taxa de descontinuação devido a evento adverso. Já o perfil de segurança da combinação de quimioterapia + pembrolizumabe não trouxe toxicidades inesperadas, com incidência de eventos adversos similar ao grupo Extreme. Estes resultados estabelecem novas opções de tratamento em primeira linha para pacientes com carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço recidivado ou metastático, com a combinação de quimioterapia + pembrolizumabe podendo ser considerado nova terapia padrão, e o uso de Pembrolizumabe em monoterapia como opção em pacientes com expressão de PD L1 CPS ≥ 20% ou ≥ 1%.
Referências:
Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I et al. Global Cancer Statistics 2018: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA: A Cancer Journal for Clinicians 2018;0: 1-31.
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Mehanna H, Robinson M, Hartley A, et al. Radiotherapy plus cisplatin or cetuximab in low-risk human papillomavirus-positive oropharyngeal cancer (De-ESCALaTE HPV): an open-label randomised controlled phase 3 trial. Lancet. 2018; (published online Nov 15.)
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