O ano de 2018 foi movimentado na oncohematologia, especialmente no Brasil, onde a aprovação de diversos agentes terapêuticos trouxe novidades relevantes para a prática clínica. Quem comenta os destaques da especialidade é Guilherme Perini (foto), médico hematologista do Hospital Albert Einstein e da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Mieloma Múltiplo – terapia-alvo em primeira linha
Talvez a maior novidade no campo do mieloma múltiplo tenha sido a publicação dos dados do estudo Alcyone, estudo fase III que randomizou 706 pacientes com mieloma múltiplo recém diagnosticado e não elegíveis ao transplante entre receber VMP (bortezomibe, melfalano, prednisona) ou VMP associado a daratumumabe (D). Este estudo marca a incorporação de anticorpos monoclonais em primeira linha para mieloma e após follow up mediano de 16.5 meses mostrou uma diferença significativa no endpoint primário de sobrevida livre de progressão (SLP), com o braço D-VMP com SLP em 18 meses de 71.6%, e o braço VMP com SLP de 50.2%. A taxa de resposta também foi muito superior no braço D-VMP, com 42,6% dos pacientes atingindo resposta completa. Devido ao seguimento relativamente curto, ainda não temos dados maduros de sobrevida global. A despeito de possíveis críticas ao estudo, como o fato do esquema VMP não ser o padrão de tratamento em grande parte dos países, bem como o fato do braço D-VMP ter terapia contínua contra 9 ciclos de VMP, este estudo levou à aprovação do D-VMP como terapia em primeira linha no Brasil, sendo uma opção para pacientes não elegíveis ao transplante.
Outro estudo que incorporou daratumumabe em primeira linha foi apresentado no ASH 2018, em San Diego. O estudo Maia randomizou pacientes com mieloma recém diagnosticado e não elegíveis ao transplante para a combinação de daratumumabe – Rd (lenalidomida e dexametasona), ou Rd. Novamente, o endpoint primário de SLP foi muito superior no braço DRd, com diminuição de 45% no risco de morte ou progressão, com a SLP para o braço DRd não atingida, frente a 31.9 meses no braço Rd.
Finalmente, o ano de 2018 marca a chegada de novas drogas já há muito consideradas essenciais no tratamento do mieloma múltiplo no Brasil, em especial lenalidomida. Outras aprovações importantes para nossos pacientes foram elotuzumabe e ixazomibe.
O ano da LMA
Com algum atraso, a Leucemia Mielóide Aguda (LMA) embarcou na era das terapias-alvo e o ano de 2018 foi bastante significativo para este grande passo terapêutico. No Brasil, tivemos a primeira aprovação de uma droga para LMA, a midostaurina, para pacientes com mutação do gene FLT3. A eficácia da midostaurina foi mostrada no estudo fase-3 NCT00651261. Os dados indicam que midostaurina associada à quimioterapia padrão de indução e de consolidação aumenta a sobrevida dos pacientes, bem como sua taxa de resposta completa.
Outra medicação que tem se mostrado bastante eficaz no manejo de pacientes com LMA, em especial aqueles não elegíveis a terapias intensificadas, é o venetoclax, uma droga da classe dos BH3-miméticos já aprovada no Brasil para pacientes com LLC. Dois estudos fase 2 mostraram que em pacientes com LMA recém diagnosticados, com mais de 75 anos ou com morbidades, a associação de um agente hipometilante com venetoclax mostrou taxas de resposta maiores, bem como a duração de resposta. A combinação de venetoclax com citarabina em baixas doses também mostrou maior taxa de resposta. Dois estudos fase 3 são esperados ainda com essas combinações, os estudos VIALE-A e VIALE-C.
A agência norte-americana FDA aprovou em 2018 duas outras drogas para LMA: glasdegib, um bloqueador do receptor SMO (e consequentemente, bloqueador da via Hedgehog) em pacientes com LMA não elegíveis a terapias intensificadas, além do ivosidenib, um inibidor do IDH1 para pacientes com LMA recaídos/refratários com mutação do IDH1.
Em uma doença com baixa aprovação de terapias-alvo nos últimos anos, arrisco dizer que 2018 foi o ano da LMA. Esperamos ansiosos a chegada desses agentes, que abrem um novo paradigma no tratamento desta doença.
Doenças Linfoproliferativas, boas e más notícias
Para os linfomas, o ano de 2018 traz tanto boas quanto “más” notícias. A boa notícia vem com os dados mais maduros de polatuzumab vedotin, um imunoconjugado de um anticorpo anti-CD79b com o inibidor de microtúbulo MMAE. No estudo fase 2 recém apresentado no EHA 2018, a combinação de polatuzumab com bendamustina e rituximab (BR), em pacientes com LNH difuso de grandes células B (LNH DGCB) recaído/refratários não elegíveis a terapias intensificadas Neste estudo, a taxa de resposta metabólica (por PET-CT) de Pola-BR foi de 40%, comparado com apenas 15% em pacientes no braço BR. Esta taxa de resposta impactou também na SLP e sobrevida global desses pacientes.
Ainda no grupo dos LNH DGCB, temos, no ASH de 2018, a apresentação relativamente decepcionante do estudo fase 3 PHOENIX. Neste estudo, pacientes com subtipo não-GCB de LNH DGCB foram randomizados para receber R-CHOP associado ou não ao inibidor de BTK ibrutinibe. Este subgrupo (não-GCB) é conhecido por ter pior prognóstico comparado ao subgrupo GCB, e por ter alta taxa de mutações envolvendo vias com participação da BTK, como a via do BCR ou do MYD88. Infelizmente, este estudo, muito aguardado, apresentou dados negativos. Porém, uma análise mais detalhada mostra que a notícia não é de toda ruim. No subgrupo de pacientes com menos de 65 anos, houve benefício da associação de ibrutinibe. A despeito de muita controvérsia, esta associação pode ser benéfica para este subgrupo bastante desafiador.
Na leucemia linfóide crônica, tivemos um ano sem grandes novidades, após um boom de novas terapias nos últimos anos. Cabe ressaltar apenas os dados mais maduros de uma estratégia finita de tratamento (venetoclax + rituximab) por 24 meses em pacientes com LLC recaída. No estudo MURANO, aparentemente uma porcentagem de pacientes pode ter longos períodos de sobrevida livre de progressão após a interrupção do tratamento, o que significa um alívio para os pacientes e um alívio também para o custo de incorporação destas novas terapias.
Terapia-Celular e o futuro da OncoHematologia
É impossível falar do cenário da oncohematologia em 2018 sem lembrar do impacto da terapia celular, em especial das células T-CAR. A aprovação de tisagenlecleucel (Kymriah®) para o tratamento de pacientes com LNH DGCB recaídos ou refratários soma-se a já aprovada axicabtagene ciloleucel (Yescarta®), registrada em 2017 para o mesmo grupo de pacientes.
A despeito de significativa toxicidade, custo e dificuldade operacional, é inegável o valor dessas novas terapias, que abrem novas possibilidades. Apesar de ainda distantes de nossa realidade, é importante ressaltar que já existem hoje, no Brasil, iniciativas consolidadas para produção e utilização das células T CAR. Esperamos que 2019 seja o ano em que realizaremos esta terapia pela primeira vez no Brasil.