Com mais de 130 mil participantes de 150 países, o congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) reuniu 2137 abstracts selecionados para apresentação, incluindo 87 Late Breaking Abstracts, com 12 publicações simultâneas. E ao lado dos números superlativos, o ESMO Virtual Congress 2020 sinalizou tendências e destacou estudos com impacto na prática clínica.
Selecionado como primeiro LBA da edição deste ano, estudo de Fase III (ADAURA) apresentou resultados da análise exploratória que avaliou osimertinibe adjuvante em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) EGFR mutado e mostrou redução de 82% no risco de recorrência no SNC ou morte. (1)
Osimertinibe é um TKI-EGFR de 3ª geração e demonstrou benefício clínico e estatisticamente significativo na sobrevida livre de doença versus placebo (HR: 0,20 [99,12% IC 0,14, 0,30]; p <0,001) em tumores ressecados estágio IB-IIIA EGFRm (ex19del / L858R). Em 12 meses, a probabilidade de recorrência no SNC foi <1% no braço experimental (N=339) versus 7% no braço placebo (N=343). A mediana de SLD no SNC não foi alcançada com osimertinibe (IC 95%, 39.0 meses – não calculável) versus 48.2 meses com placebo (HR: 0,18 (IC 95%, 0.10, 0.33); p<0.0001).
Aguardado com expectativa, o estudo LungArt foi outro a impactar a oncologia torácica. A radioterapia pós-operatória no CPCNP completamente ressecado em pacientes com envolvimento nodal mediastinal tem alimentado debates por muitos anos. Agora, diante dos resultados finais apresentados por Cécile Le Pechoux, do Institut Gustave Roussy, a radioterapia para o mediastino (N2) após a cirurgia e quimioterapia adjuvante não deve ser recomendada como padrão de tratamento. (2)
A imunoterapia se manteve em alta. A adição de nivolumabe à quimioterapia se mostrou a mais nova opção no câncer gástrico ou de junção gastroesofágica HER2 negativo avançado ou metastático, destacada entre as grandes inovações no panorama GI (3).
E em meio aos esquemas de combinação, novas abordagens da imuno-oncologia já sinalizam a próxima onda, incluindo anticorpos bi-específicos, capazes de alvejar dois alvos terapêuticos simultaneamente. O exemplo vem de estudos iniciais, como o australiano que investiga o agente AK104 em mesotelioma (4), ou o ensaio que definiu a dose da molécula MGD019, que inibe CTLA-4 e PD-L1 em tumores sólidos avançados (5).
Promessas
A oncologia mamária reuniu avanços, em ano de promessas e perspectivas. É o caso do ensaio (monarchE) que avaliou o uso do inibidor de CDK4/6 abemaciclibe em combinação com terapia endócrina no tratamento adjuvante de pacientes com câncer de mama inicial HR+, HER2−, com alto risco de recorrência. Os resultados foram publicados simultaneamente no Journal of Clinical Oncology e mostram que o estudo cumpriu seu principal endpoint e ampliou a sobrevida livre de doença invasiva, com taxas de 92,2% versus 88,7% em dois anos, favorecendo o braço tratado com o inibidor de ciclinas (6).
Na doença triplo negativa, ensaio de Fase III (ASCENT) trouxe dados do anticorpo droga-conjugado sacituzumabe govitecan-hziy no cenário metastático, o primeiro a ter como alvo o antígeno Trop-2. O agente mostrou benefício de sobrevida global em pacientes politratados, com mediana de 12,1 meses (IC 95%, 10,7-14,0) versus 6,7 meses (IC de 95%, 5,8-7,7) para quimioterapia, com razão de risco de 0,48 (IC 95%, 0,38-0,59; p <0,0001) (7).
O anticorpo droga-conjugado também demonstrou melhora estatisticamente significativa na taxa de resposta (35%) e na taxa de benefício clínico (45%) comparado à quimioterapia. "Esses resultados confirmam que sacituzumabe govitecan deve ser considerado como novo padrão de tratamento de terceira linha em pacientes com câncer de mama triplo negativo", afirmou Aditya Bardia, Diretor de Medicina de Precisão do Departamento de Oncologia Mamária do Massachusetts General Cancer Center, em apresentação oral no ESMO 2020.
Benefício clínico
Com publicação simultânea no New England Journal of Medicine (NEJM), o ensaio PROfound foi apontado entre os destaques da oncologia geniturinária, mostrando que osimertinibe trouxe benefícios clínicos e estatisticamente significativos no câncer de próstata metastático resistente a castração, reduzindo em 31% o risco de morte em pacientes com alterações em BRCA1, BRCA2 ou ATM previamente tratados (8).
O NEJM também publicou estudo que avaliou a adição do anti PD-L1 avelumabe aos melhores cuidados de suporte na terapia de manutenção do câncer urotelial. Os resultados apresentados no congresso europeu e reportados no NEJM mostram que avelumabe cumpriu o principal endpoint e prolongou significativamente a sobrevida global nessa população de pacientes (9).
Outra evidência com impacto na oncologia geniturinária (CheckMate 9ER) mostrou eficácia e perfil de segurança gerenciável da combinação de cabozantinibe com o anti PD-1 nivolumabe em pacientes com câncer renal metastático, na comparação com sunitinibe. Os resultados fornecem nova opção de tratamento de primeira linha para essa população de pacientes, com benefício consistente de sobrevida livre de progressão, sobrevida global e taxa de resposta (10). “A terapia combinada mostrou resultados clínica e estatisticamente significativos. O risco de progressão ou morte foi reduzido em quase 50%, a taxa de morte caiu 40% e a taxa de resposta dobrou”, destacou o primeiro autor, Toni K. Choueiri, do Dana-Farber Cancer Institute.
Na gineco-oncologia, dados de 5 anos de seguimento do ensaio SOLO1 reportados em apresentação mini-oral mostraram que a terapia de manutenção com olaparibe teve impacto significativo na sobrevida livre de progressão (56 meses versus 14 meses), com redução de 63% no risco de recorrência ou morte entre pacientes que alcançaram resposta completa no tratamento de primeira linha (11).
Em tumores de orofaringe, trabalho destacado em sessão oral mostrou a importância de somar ferramentas prognósticas, associando dados do p16 por imuno-histoquímica à análise do status de HPV por PCR ou FISH. “Tumores p16 + / HPV + mostraram a maior magnitude de associação com sobrevida global em comparação com outras combinações de biomarcadores. Usando a imunocoloração de p16 sozinha, 11% dos pacientes com câncer de orofaringe seriam classificados incorretamente com doença relacionada ao HPV de acordo com o estadiamento TNM-8, com risco de classificação incorreta para descalonamento em ensaios clínicos”, apontam os autores (12).
O programa científico também deu relevo ao cenário da assistência oncológica no contexto da COVID-19 e traduziu em números os desafios e estratégias de mais de 100 centros de câncer, em todo o mundo.
Dois surveys realizados pela ESMO Resilience Task Force mostraram como a pandemia de COVID-19 afetou o desempenho e o bem-estar da comunidade global de oncologia. No primeiro levantamento, realizado no período de abril-maio com 1520 oncologistas de 101 países, 38% dos respondentes declararam ter experimentado sensação de burnout e 78% manifestaram preocupação com a segurança pessoal em consequência da pandemia. Na segunda pesquisa, realizada entre julho e agosto, a proporção dos que relataram esgotamento aumentou para 49%, assim como o distress (33% versus 25%). “É importante reconhecer que cuidar de profissionais de saúde é uma prioridade para manter o tratamento ideal para nossos pacientes”, ressaltaram os autores (13).
Referências
1 - Tsuboi M, et al. Osimertinib adjuvant therapy in patients (pts) with resected EGFR mutated (EGFRm) NSCLC (ADAURA): Central nervous system (CNS) disease recurrence. ESMO Virtual Congress 2020, abstract LBA1.
2 - Le Pechoux C, et al. An international randomized trial, comparing post-operative conformal radiotherapy (PORT) to no PORT, in patients with completely resected non-small cell lung cancer (NSCLC) and mediastinal N2 involvement: Primary end-point analysis of LungART (IFCT-0503, UK NCRI, SAKK) NCT00410683. ESMO Virtual Congress 2020, LBA3.
3 - Moehler et al. Nivolumab (NIVO) Plus Chemotherapy (Chemo) Versus Chemo as First-Line (1L) Treatment for Advanced Gastric Cancer/Gastroesophageal Junction Cancer (GC/GEJC)/EsophagealAdenocarcinoma (EAC): First Results of the CheckMate 649 Study - ESMO Virtual Congress 2020, LBA6_PR
4 - Millward M, et al. Safety and antitumor activity of AK104, a bispecific antibody targeting PD-1 and CTLA-4, in patients with mesothelioma which is relapsed or refractory to standard therapies. ESMO Virtual Congress 2020, abstract 1021O
5 - Sharma M, et al. A phase I, first-in-human, open-label, dose escalation study of MGD019, an investigational bispecific PD-1 x CTLA-4 DART® molecule in patients with advanced solid tumours. ESMO 2020 Virtual Meeting, abstract 1020O.
6 - Johnston SRD, et al. Abemaciclib in high risk early breast cancer. ESMO Virtual Congress 2020, LBA5.
7 - Bardia A et al. ASCENT: A randomized phase 3 study of sacituzumab govitecan (SG) vs treatment of physician’s choice (TPC) in patients (pts) with previously treated metastatic triple-negative breast cancer (mTNBC). ESMO Virtual Congress 2020, LBA17
8 - De Bono JS et al. Final overall survival (OS) analysis of PROfound: Olaparib vs physician’s choice of enzalutamide or abiraterone in patients (pts) with metastatic castration-resistant prostate cancer (mCRPC) and homologous recombination repair (HRR) gene alterations. ESMO Virtual Congress 2020, Abstract 610O
9 - Powles T et al. Avelumab Maintenance Therapy for Advanced or Metastatic Urothelial Carcinoma. N Engl J Med. 2020 Sep 24;383(13):1218-1230. doi: 10.1056/NEJMoa2002788. Epub 2020 Sep 18. PMID: 32945632.
10 - Choueiri TK, et al. Nivolumab + cabozantinib vs sunitinib in first-line treatment for advanced renal cell carcinoma: first results from the randomized phase 3 CheckMate 9ER trial. ESMO Virtual Congress 2020, abstract 6960
11 - Banerjee S, et al. Maintenance olaparib for patients (pts) with newly diagnosed, advanced ovarian cancer (OC) and a BRCA mutation (BRCAm): 5-year (y) follow-up (f/u) from SOLO1. ESMO Virtual Congress 2020, 811MO
12 - Mehanna et. al. Performance of dual p16 and HPV testing for determining prognosis in cancer of the oropharynx, the EPIC-OPC Study. ESMO Virtual Congress 2020, Abstract 911O
13 - Banerjee S, et al. The impact of COVID-19 on oncology professionals: initial results of The ESMO Resilience Task Force Survey Collaboration. ESMO Virtual Congress 2020, abstract LBA70.