Acesso a abordagens preventivas, cuidados de suporte e mudanças no estilo de vida contribuem para melhorar resultados na saúde global do paciente.
Para alguns tipos de câncer de mal prognóstico ou tumores em estágio avançado, com opções de tratamento limitadas, os sintomas da doença e eventos adversos dos medicamentos podem ser incapacitantes. Em outros casos, os avanços científicos possibilitam remissões duradouras, permitindo aos pacientes viver longos períodos em tratamento. Um terceiro grupo consegue se ver livre do câncer, controlado como uma doença crônica. Diante de cenários tão distintos, uma mesma pergunta tem ganhado importância cada vez maior na linha de cuidados em câncer: como garantir qualidade de vida?
“Em todos os momentos da vida do indivíduo que tem ou teve câncer podemos ter alguma intervenção para melhorar a qualidade de vida. No fundo, qualidade de vida é trazer o maior conforto possível para aquele paciente naquele momento", afirma a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz, Diretora Multi Especialidades e Coordenadora da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e médica assistente do Hospital Sírio Libanês.
Controle de dor
Estudo da Universidade Federal de Pernambuco publicado na 2017 ASCO Annual Meeting Proceedings envolveu 48 pacientes e buscou avaliar o grau de conhecimento que os pacientes têm a respeito de indicadores de qualidade de vida utilizados em um serviço de cuidados paliativos. “Aplicamos o Guia de atenção integrada ao paciente oncológico, um instrumento que pode ser utilizado para não deixar os sintomas mais importantes sem abordagem”, explica o primeiro autor, o oncologista Gustavo Godoy, do Hospital das Clinicas da UFPE, médico da Onkos Clínica de Oncologia e coordenador do Grupo SALVO - Suporte Avançado pela Qualidade de Vida em Oncologia.
A alta prevalência de dor foi mencionada em 100% dos comentários adicionais dos respondentes, indicando a necessidade de educar os profissionais de saúde para gerenciar adequadamente esse sintoma. “Isso mostra que apesar de um grande avanço em termos de analgesia, ainda discutimos pouco sobre dor e esclarecemos pouco o paciente sobre dor oncológica”. De fato, a literatura mostra que aproximadamente um terço dos pacientes, o que é muita gente, não recebem a quantidade de analgesia adequada para a intensidade de sua dor”, afirma o especialista.
Repercussão do sintoma
“Um critério muito claro para avaliar a qualidade de vida é verificar o prejuízo dos sintomas na rotina do paciente. O que ele fazia e não consegue mais fazer durante o tratamento? Essa é uma boa pergunta”, observa o oncologista Raphael Brandão, coordenador da Oncologia do grupo Américas/UHG, em São Paulo.
Para Brandão, é o médico quem deve assumir uma atitude pró-ativa. “Grande parte das vezes, quando o médico prescreve um tratamento, ele já sabe quais eventos adversos aquele medicamento pode acarretar. O especialista deve se antecipar e informar o paciente, bem como acionar a equipe multiprofissional, para começar um trabalho de prevenção”, diz.
O foco deve considerar a repercussão dos sintomas na vida do paciente, e não apenas a intensidade. Essa tendência vem sendo aplicada no controle da dor e já se dissemina para o cuidado de outros sintomas. “Se para zerar a dor o paciente fica sonolento, sem apetite, com o intestino preso, eu deterioro muito mais a qualidade de vida. O mais importante não é zerar o sintoma, mas tirar o impacto que o sintoma tem na vida do paciente”, acrescenta o oncologista Ricardo Caponero, coordenador do Centro avançado de Terapia de Suporte e Medicina Integrativa do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. O especialista questiona as escalas que avaliam sintomas específicos. “Não dá para comparar a dor de um paciente com a de outro. Apesar da escala ser a mesma, a qualificação é diferente, depende da vivência de cada um. E até o mesmo paciente pode mudar a avaliação ao longo do tempo”, ressalta.
O médico André Filipe Junqueira dos Santos, vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), observa que o manejo dos sintomas nas fases iniciais da doença muitas vezes é negligenciado. “A literatura mostra que os sintomas muitas vezes só são valorizados nas últimas semanas de vida”, afirma André.
Cuidados de suporte
Se muitos médicos não conseguem manejar os sintomas de forma adequada, porque não encaminham os pacientes para a equipe de cuidados de suporte? Parece o caminho natural, mas até hoje existem entraves. “O médico não reconhece que precisa de ajuda. Se o paciente tem uma infecção mais complicada, o médico chama o infectologista, sem pudor nenhum. Mas como é que ele vai falar para o colega que não sabe tratar sintomas? A parte cultural ainda é difícil”, diz Caponero. O especialista acrescenta que também falta conhecimento e ilustra um congresso recente, onde participou de uma aula sobre cuidados paliativos. Na sala ao lado, lotada, a aula enfocava os novos agentes em imunoterapia. “Saiu um remédio novo, todo mundo quer aprender. Mas não quer saber sobre cuidados de suporte. Não encaminha, não identifica, não trata, fica focado nos novos tratamentos e não sabe controlar os efeitos colaterais”, lamenta.
Também falta estrutura. Nos Estados Unidos, quase 95% dos serviços hospitalares contam com uma equipe mínima de cuidados paliativos. Levantamento realizado pela ANCP em 2016 contabilizou 127 serviços, o que corresponde a menos de 1% dos hospitais do país.
“No Brasil, o suporte de cuidados paliativos não é coberto pelas operadoras de saúde. Os serviços que oferecem custeiam as equipes com recursos próprios. A ANCP está discutindo a questão com a Agência Nacional de Saúde (ANS)”, afirma Junqueira.
Referência:Gustavo Fernandes Godoy Almeida et al. – Advanced support for quality of life in oncology: Brazilian private and public health insurance cancer patients' point of view. - Abstract e18229
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