Concebida como ferramenta para racionalizar os custos da saúde e subsidiar critérios de avaliação de tecnologias sanitárias, a farmacoeconomia traz um debate cada vez mais presente, com perspectivas que vão do modelo de P&D à questão do acesso. As novidades apresentadas na ASCO 2015 reacendem o debate sobre a necessidade de achar caminhos mais sustentáveis para o acesso aos modernos regimes terapêuticos no tratamento do câncer.
{jathumbnail off}Não é fácil fechar a conta das novas drogas no tratamento do câncer. Estudo publicado no JAMA em abril de 2015 mostra que o custo anual de um novo medicamento para o câncer ultrapassa rotineiramente a cifra de 100 mil dólares anuais e as contas envolvidas no tratamento oncológico continuam como a principal causa de falência pessoal nos Estados Unidos. O artigo assinado por pesquisadores do National Cancer Institute, em Maryland, contraria o argumento de que o alto custo é necessário para apoiar os esforços de pesquisa e desenvolvimento ou justifica avanços farmacológicos sem precedentes em relação às terapias antecessoras.
Os pesquisadores do NCI consideraram 51 oncológicos e avaliaram a relação entre o ganho de sobrevida global (SG) ou sobrevida livre de progressão (SLP) e o preço dos medicamentos. A conclusão é de que não houve relação significativa entre o custo e o benefício de desfecho clínico (SLP, β = 214,4; IC de 95%, -42,4 para 471,1; P = 0,10; SG, β = 942,5; 95% CI, 143,0-2.028,1; P = 0,09).
O NCI considerou todos os agentes para o tratamento do câncer registrados pelo FDA de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2013. A agência americana autorizou no período o registro de 51 medicamentos em oncologia, para 63 indicações, aprovados com base em benefícios na sobrevida global, taxa de resposta da doença ou sobrevida livre de progressão. Nove drogas receberam mais de uma indicação. Na lista dos top 5 entre os mais caros estão sorafenib, crizotinib, regorafenib, ibrutinib e lenalidomida.
De acordo com os dados do estudo do NCI, nem mesmo o fast tracking parece ter contribuído para arrefecer os custos. Fica o exemplo do crizotinibe para câncer de pulmão não pequenas células, que mesmo aprovado em fase II excede 150 mil dólares anuais.
O Financial Times estampou o problema e trouxe relevo aos custos da imuno-oncologia, ancorado no trabalho do IMS Institute for Healthcare Informatics, que prevê aumento de até 30% nos gastos com medicamentos até 2018. Para os analistas, a escalada de preços é impulsionada por uma conjugação de fatores – dos avanços científicos à expansão do acesso. De acordo com o relatório divulgado em maio, o gasto global com medicamentos para o tratamento do câncer cresceu 10,3% em 2014 e já ultrapassou os US$ 100 bilhões no ano passado, um aumento expressivo frente aos US$ 75 bilhões em 2010.
Para Stephen Stefani, chair do Comitê Latino Americano da Sociedade Internacional de Farmacoeconomia e Estudos de Desfechos (ISPOR), além de apontar os custos elevados, o trabalho do NCI mostra que os preços guardam pouca relação com os desfechos. “O alto custo não difere para drogas que trazem impacto relevante em sobrevida global ou simplesmente modificam intervalo para progressão do tumor, sem impacto no tempo total de vida”.
A discussão sobre os custos de P&D é antiga, e cada vez mais presente. “Será que o alegado valor de 1 bilhão de dólares para desenvolvimento de novas drogas, considerando o valor necessário para compensar os custos daquelas que naufragaram no processo de desenvolvimento, é realmente o que eleva os preços dos medicamentos a patamares cada vez mais altos?”, indaga Stefani. Ele próprio traz a resposta. “Alguns executivos das indústrias farmacêuticas já admitem que o preço pode ter uma correlação com sofisticação e demanda, em uma lógica mais tradicional de mercado, na qual remédios mais interessantes custam mais caro porque são mais demandados. O fato mais contundente é que o sistema atual de P&D é realmente muito caro e os resultados em termos de desfechos raramente são robustos e impressionantes. Novos remédios com mecanismos totalmente inovadores não necessariamente se refletem em mudanças relevantes de desfechos clínicos”, diz Stefani, também oncologista clínico do Instituto do Câncer Mãe de Deus, em Porto Alegre.
O médico britânico Patrick Dixon, autor de vários ensaios sobre os rumos da assistência médica, descreve basicamente três possíveis cenários para o futuro: no primeiro, as grandes indústrias farmacêuticas seguem com o mesmo modelo de pesquisa, com custos e preços comercialmente inviáveis para a maioria dos países em desenvolvimento. No segundo modelo, patentes não são respeitadas e remédios são copiados sem os altos custos da pesquisa, o que aparentemente reduz os preços no curto prazo, mas desencoraja qualquer investidor. Finalmente, no terceiro modelo – apontado por Dixon como uma alternativa criativa a ser trabalhada – grandes corporações públicas ou privadas contratam indústrias com conhecimento na investigação médica para buscar soluções para doenças que afligem as pessoas, sem necessariamente ter lucro como meta.
Os biossimilares, mesmo que cercados ainda de muita polêmica, têm um papel fundamental. “É saudável que a concorrência gere mudanças no sistema vigente, de outra forma estamos a caminho de um colapso”, conclui Stefani.
Dilemas e debates
As despesas com drogas de alta complexidade, incluindo as biológicas, não afetam apenas as finanças pessoais, mas impactam globalmente os sistemas de saúde. Na lista dos pesquisadores da JAMA, entre os top 5 estão sorafenib, crizotinib, regorafenib, ibrutinib e lenalidomida.
Em 2012, a sociedade americana de oncologia clínica já denunciava a gravidade do problema com o estudo de Scott Ramsey e colaboradores. O trabalho mostrou em escala matemática que o diagnóstico é um fator de risco para a falência pessoal do paciente oncológico nos Estados Unidos e cresce em probabilidade nos casos de câncer de pulmão, tireóide, leucemia/linfoma, útero e colorretal – nessa ordem. Em média, as taxas de falência aumentaram quatro vezes no prazo de cinco anos após o diagnóstico de câncer, revelou o estudo de Ramsey e colegas, realizado com o apoio do Tribunal de Falências dos Estados Unidos.