Eles têm a missão de disseminar informação para a sociedade civil e subsidiar a gestão de políticas públicas. A epidemiologista Maria Paula Curado fala dos Registros de Câncer de Base Populacional e mostra como refinar o mapa do câncer no Brasil.
A Política Nacional de Atenção Oncológica, instituída em 2005, incentivou a expansão e profissionalização dos registros de câncer de base populacional, com a proposta de avançar em duas grandes estratégias: disseminar informações para a sociedade civil e subsidiar a gestão de políticas públicas. Dez anos depois, como evoluíram os RCBP?
O Ministério da Saúde planejou um registro para cada unidade da federação e conseguiu implantar 25 deles. O problema é que mesmo depois de experimentar uma evolução nos anos 90 e apresentar crescimento em número e em qualidade, os registros de câncer de base populacional continuam a despertar preocupação no Brasil. A crítica é de que faltam metodologias de avaliação dos RCBP para subsidiar seu aperfeiçoamento, sem falar no tímido incentivo oficial que, na prática, acaba por inibir as atividades. No Rio de Janeiro, por exemplo, o RCBP começou a funcionar em 1996 e fechou as portas pouco tempo depois. Em Teresina, Belém e Distrito Federal, os RCBP estão há mais de uma década sem atualizar os dados epidemiológicos; Manaus, Roraima, Fortaleza, Salvador e Campinas estão perto disso e repetem a mesma operação intermitente que se verifica em tantos outros RCBP no país.
Dados do INCA mostram que 10 RCBP consolidaram seis anos de atividades, oito consolidaram de dois a cinco anos e um consolidou apenas um ano de operação. Atualmente, os registros monitoram a incidência do câncer em 21% da população brasileira. Dos 25 RCBP em atividade, cinco estão em cidades com mais de 2 milhões de habitantes, sete em municípios com 1 a 2 milhões e 13 em cidades abaixo de 1 milhão de habitantes.
Opinião de Especialista
Quem comenta o modelo epidemiológico do câncer no Brasil e os Registros de Câncer de Base Populacional é a médica epidemiologista Maria Paula Curado, hoje no AC Camargo Cancer Center, em São Paulo.
Implantar um Registro de Câncer de Base Populacional em um país continental como o Brasil é um desafio muito grande, mas 21% de cobertura ainda é um número que, sem dúvida, podemos melhorar. O mais importante é que os Registros tenham sustentabilidade, não só mantidos por instituições públicas, mas também com a participação de parcerias privadas, que podem trazer sustentabilidade ao modelo.
Os RCBP são instrumentos fundamentais, principalmente quando olhamos para a saúde pública e temos o câncer como a segunda causa de morte. Precisamos de ferramentas eficientes para mostrar o Brasil real. Os registros precisam de apoio, a começar pelo capital humano, que precisa ser reconhecido, porque são equipes importantes para a definição de políticas de saúde e programas governamentais.
A descontinuidade dos RCBP ainda traz discrepância de dados. Avançamos, mas é possível avançar ainda mais. Problemas históricos estão aí e podemos buscar soluções. Além do apoio de parcerias público-privadas, a criação de núcleos regionais de registros de câncer poderia representar um caminho mais sustentável. Equipes mais experientes atuando como multiplicadoras, integradas a um modelo pensado regionalmente. Precisamos criar esse network e ter uma cadeia de RCBP trabalhando em colaboração regional. Acho que parte da solução pode estar na criação desses núcleos regionais.
Em outra frente, é claro que a profissionalização das equipes é um esforço contínuo. São profissionais que precisam ser fixados nos RCBP para garantir que essas atividades sigam sem descontinuidade temporal. Só assim vamos ter um retrato mais fidedigno do Brasil para realmente subsidiar políticas públicas de saúde.
Enfim, precisamos qualificar e ampliar, porque a epidemiologia do câncer varia muito de acordo com a localização geográfica. Somos muitos brasis e já é tempo de descrever mais claramente nossos contrastes regionais e monitorar de forma mais efetiva a incidência do câncer em nossa população. É um processo. Entretanto, precisa haver apoio técnico e financeiro suficiente por parte das instituições governamentais para que as atividades não sofram mais com a interrupção da vigilância.